O prof. Mário Nogueira andou a partir pratos. Fê-lo numa espécie de aula, com o objectivo de criticar a actual progressão na carreira dos docentes, nomeadamente o sistema de quotas, que limita a atribuição de avaliações “excelente” e “muito bom”. No exemplo fictício que escolheu, uma situação de 15 professores numa escola distribuídos entre 7 “excelentes”, 5 “muito bons” e 3 “bons” resultaria, após a aplicação das quotas administrativas, em 1 “excelente”, 3 “muito bons” e 11 “bons”. Conclusão do prof. Mário Nogueira: as quotas são injustas por não respeitarem as avaliações originais e servem para promover poupanças orçamentais, travando cegamente a progressão na carreira dos professores. A situação será injusta para muitos professores? Sem dúvida. Mas isso não afasta o facto de que ficou algo nesta aula por explicar.

Não estando completamente errado, o prof. Mário Nogueira falhou o alvo. Sim, o Estado aproveita todas as oportunidades para conter a despesa com remunerações. Mas assinale-se a subtileza: a poupança orçamental é aqui uma consequência da introdução das quotas, e não o motivo principal da sua aplicação. Qual é o motivo, então? Simples: como o Estado não confia nos processos da avaliação de desempenho dos docentes, introduziu um instrumento administrativo para controlar os resultados. Como sempre, pode-se concordar ou discordar sobre as razões dessa desconfiança (já lá vamos). O que importa fixar é que o centro da questão habita nesse desacordo: por um lado, o prof. Mário Nogueira reconhece validade às avaliações dos docentes; por outro lado, o Ministério da Educação interfere através de quotas administrativas porque considera que a avaliação dos professores não merece confiança.

Quem tem razão? Apetece dizer que nenhum (mas isso deixo para o fim). Neste ponto particular, o Ministério tem razões válidas para desconfiar da avaliação dos professores. Repare-se que, se as quotas não fossem aplicadas, a percentagem de professores “excelentes” e “muito bons” seria tão elevada quanto implausível de corresponder à realidade. Não se trata de deturpação, mas de mera constatação. É a própria base da indignação sindical contra as quotas que assenta precisamente nessa premissa: as quotas limitam a progressão na carreira a milhares de professores aos quais se atribuíram avaliações altíssimas. Aliás, o exemplo do prof. Mário Nogueira ilustra-o bem: num universo fictício de 15 professores, 7 (47%) são excelentes e 5 (33%) são muito bons, num total de 12 professores (80%) que estão nas classificações mais altas possíveis, ficando apenas 3 professores (20%) no nível “bom” e nenhum professor com avaliação “regular” ou “insuficiente”. Ora, ao contrário do que defendem os sindicatos, um sistema que avalia 80% do universo com classificações no topo não é um sistema de avaliação sério e confiável.

Sublinhe-se que o problema não é específico dos professores do ensino básico e secundário. Este é um problema habitual nas avaliações corporativas, sobretudo no sector público, onde as chefias compram a paz distribuindo classificações altas por todos. Verifica-se também nos docentes do ensino superior — por exemplo, o ISCTE tinha 80% de professores com “excelente” e, a nível nacional, mais de 75% dos professores obtiveram “excelente” ou “muito bom” (dados compilados em 2019 pelo jornal Público). Verifica-se na Justiça, onde, em 2020, 55% dos juízes receberam nota máxima e 75% ficaram entre as duas classificações mais elevadas — a percentagem de notas negativas foi 0,3%. Verifica-se, enfim, em inúmeros sectores, levando-nos a bater sempre na mesma tecla: as avaliações deste tipo não filtram e, por isso, não são um medidor confiável da qualidade do desempenho profissional.

Eis o ponto-chave. Se há pratos a partir, não são os das quotas, pois isso serviria para instituir uma avaliação em que quase todos acabam no topo (como gostaria o prof. Mário Nogueira). Os pratos que importa partir são os do próprio modelo de avaliação dos professores, que está ligado à progressão na carreira mas desligado de avaliações diferenciadoras de mérito e da qualidade do ensino. Só que esses pratos o prof. Mário Nogueira não os quer na sua mesa, uma vez que os sindicatos preferem substituir a injustiça actual (quotas) por uma injustiça maior (simplesmente eliminar as quotas). Nem o Ministério da Educação quer ouvir falar do assunto, pois prefere manter o conforto da injustiça actual, em vez de propor reformas politicamente desconfortáveis — ninguém esqueceu o desgaste político provocado pelas manifestações contra as medidas de Maria de Lurdes Rodrigues (2008) ou pela oposição feroz às provas de avaliação implementadas por Nuno Crato (2013).

O sistema educativo precisa de um novo modelo de avaliação dos professores, assim como de novos modelos de carreira para os docentes? Sem qualquer dúvida. O que deveríamos discutir, olhando aos casos internacionais, é que medidas e que modelos mais se ajustariam às nossas ambições — e reformar nesse sentido. Mas, para essa discussão, nem o prof. Mário Nogueira nem o Ministério da Educação estão disponíveis. Como tal, tudo ficará na mesma. E com ambos a partilharem responsabilidades sobre as injustiças com que os professores vivem.

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