Eles não iam perder a oportunidade. Na semana passada, levaram à Assembleia Municipal de Lisboa dois Votos de Saudação pelos trabalhadores do grupo Global Media, um apresentado pelo PS, outro pelos dois “deputados não inscritos”, eleitos pelas listas do PS e personificações da esquerda mais extremista da assembleia. O GMG (JN, Diário de Notícias, Volta ao Mundo, TSF, e outros títulos tão “históricos” como irrelevantes), como se esperava, faliu e deixou os empregados, sem salários nem subsídios, sentados na borda do passeio. E o governo esteve a minutos de lhe acudir através da compra de acções da Lusa. Apareceu entretanto um accionista do Norte interessado em comprar uma boa parte dos títulos (já nem esta súbita alma bondosa quer o Diário de Notícias). O negócio não está concretizado, vale a pena acender uma velinha.
Facto é que o assunto chegou oficialmente, e pelas mãos da esquerda, à Assembleia Municipal de Lisboa. Em que termos? Elogios estremecidos aos jornais e canais, preocupações com o “pluralismo”, aflições com a “liberdade de expressão”, e uma consciência impecável do papel do jornalismo num regime democrático. Com música de violinos, como compete aos debates sonsos e sentimentais. Para a esquerda, “pluralismo” é a possibilidade de dar espaço mediático a todas as seitas da esquerda, para que as capelinhas mais banais e extravagantes se possam mostrar e todas as variantes da esquerda, seja oportunista, analfabeta, espertalhona, ou radical, tenham “liberdade de expressão”. Caso não seja de esquerda, jornalismo e opiniões devem ser calados por causa da “extrema-direita”, do “discurso de ódio”, e do “populismo” (Deus nos livre da varíola, que do “discurso de ódio” livram-nos os jornais).
Qual era, então, o verdadeiro objectivo por detrás destes votos piedosos? Era meter o pé na porta para uma nacionalização, futura ou presente, caso o negócio com o privado não se concretize. A esquerda tem um impulso irresistível para mandar no jornalismo. E o interesse não estava, como se viu, no “pluralismo”, na “liberdade de expressão”, ou na nobre protecção da democracia. A esquerda encara o jornalismo como uma peça necessária para se manter no poder. Por outras palavras, a esquerda celebrou, naquele dia, uma missa de corpo presente pelo GMG. Não para lhe encomendar a alma ao criador, mas para recomendar ao Estado a nacionalização do grupo.
Os trabalhadores, evidentemente, têm de receber salário e todas as condições do contrato. É uma obrigação geral e legal, não distingue esquerda e direita. Decorre da confiança, sem a qual a sociedade cairia na desordem. Todos os contratos, escritos ou verbais, têm de ser cumpridos e este ponto não está aberto a debate. Apesar da esquerda (que é o Estado) caluniar sistematicamente a direita (ou “os privados”) por viver disposta a todas as vilezas, incluindo não cumprir contratos. A GMG é uma empresa grande e especial por fazer jornalismo; mas, vistas à lupa, todas as empresas são especiais. Prestam um serviço à sociedade e são recompensadas com um determinado lucro. Todas as empresas devem ter lucro, essa é uma obrigação básica das empresas.
Não podemos aceitar é que o Estado esteja constantemente preparado para meter dinheiros públicos em jornais que dão prejuízo. Os jornais têm de fazer negócio e ganhar dinheiro. Se o perdem, se dão prejuízo ano após ano, e continuam a existir, é porque obedecem a outros interesses que não são comerciais e nem sempre são conhecidos. Os ingredientes de uma história mal contada. E também um polo de infecção, na economia como na democracia. O jornalismo, para ser verdadeiramente livre e plural, não pode ser limitado nem pelos interesses do Estado – ou seja, do governo e da esquerda –, nem pelos interesses privados dos grandes grupos económicos, quando estão dispostos a perder fortunas para comprar a anuência da esquerda. Quem quiser olhar com atenção vê que o jornalismo em Portugal anda quase todo adornado à esquerda.
De resto, se o Estado quiser ajudar o jornalismo tem uma boa maneira através dos leitores. Pode permitir aos contribuintes descontar na declaração de IRS todas as assinaturas de jornais, de canais de rádio e de televisão. É a maneira saudável e democrática de apoiar o jornalismo, quando ele não se apoia a si próprio. Quem deve escolher os jornais, e a quem os media devem servir, não é o Estado nem os grandes grupos económicos. São os leitores.