“Há ou não há Governo?” “O Governo foi exonerado ou demitido?” Nem uma coisa nem outra.  O Governo está em plenas funções. Pode portanto anular o aumento do IUC, assegurar a  progressão da carreira de quatro mil e quinhentos professores, aumentar os funcionários públicos em 15%, como pede o Bloco (por que não 30%?), e tomar todo um vasto leque de medidas populistas, que não são difíceis de imaginar, para preparar as eleições. (A imagem que me ocorre é a do Primeiro-Ministro numa janela de São Bento a atirar dinheiro – dos  contribuintes – aos transeuntes.)

Penso que convém, então, fazer uma breve clarificação em relação à situação em que se encontra o Governo do ponto de vista constitucional.

A exoneração corresponde ao momento em que o Primeiro-Ministro e, consequentemente, os restantes membros do Governo cessam funções, o momento em que colocam os pertences  pessoais num caixote e abandonam o gabinete, dando lugar ao sucessor. A exoneração do atual Primeiro-Ministro e do restante Governo dar-se-á depois das eleições, quando tomar posse o novo Governo.

Antes disso, o Governo estará demitido. Nesta situação, “o Governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”, no dizer da  Constituição – ou seja, será um Governo que poderá praticar atos de “gestão corrente” e outros  que, não sendo de mera gestão corrente, sejam “estritamente necessários”. Assim, quando um Governo está demitido, não pode criar impostos (até porque automaticamente caducam as eventuais autorizações que lhe tenham sido dadas pela Assembleia da República), nem praticar qualquer um dos atos que referi no primeiro parágrafo. Também não pode fazer os chamados  “testamentos ministeriais”, como nomear funcionários, tanto do agrado dos governos em fim  de ciclo.

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A originalidade da situação atual é a de que o Governo ainda não foi demitido. O Presidente  aceitou a demissão do Primeiro-Ministro, mas ainda não o demitiu formalmente (o que terá de ser feito por decreto presidencial).

A Constituição refere claramente que a aceitação pelo Presidente do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro implica a demissão do Governo. Da leitura do texto  depreende-se facilmente que, após a aceitação, o Governo deve ser imediatamente demitido (no mesmo dia ou nos dias seguintes).

Por exemplo, no último caso em que um Primeiro-Ministro apresentou o seu pedido de demissão ao Presidente da República, no caso José Sócrates a Cavaco Silva, em março de 2011, este último assinou o decreto de demissão do Governo oito dias depois. As eleições foram  marcadas para junho.

Neste momento, encontramo-nos numa situação singular: uma demissão a prazo, que não se sabe ao certo quando ocorrerá, não obstante haver já data de eleições; um Governo que, para o público em geral, foi demitido, mas que de facto se encontra em plenas funções; e um Primeiro-Ministro cuja demissão foi aceite, mas se mantém em viagens oficiais e visitas a balneários. A justificação do Presidente Marcelo para esta bizarria – a necessidade de aprovar o Orçamento de Estado para 2024 – parece-me claramente insuficiente.