Domingo, dia 4 de março, vai ser um ponto de viragem para a Europa. No mesmo dia de uma importante eleição geral em Itália, vamos descobrir se um referendo interno no partido Social-Democrata Alemão (SPD) produziu um “sim” ao governo de Grande Coligação em Berlim, dando continuidade à atual parceria com os Democratas Cristãos de Angela Merkel. A sabedoria convencional diz que este seria um bom resultado para a Europa. Eu acho que a sabedoria convencional está errada. Assim como colocar uma cinta médica para aliviar uma séria dor nas costas e depois continuar com a nossa vida como antes, uma grande coligação seria boa a curto prazo mas má a longo prazo. É preciso pensar nas causas, não apenas nos sintomas. E existe uma alternativa.
Acabei de passar dois dias em Berlim e nunca encontrei tão pouco entusiasmo com um possível novo governo. É suposto isto ser um casamento, mas parece um funeral. E isso é também o que pode acabar por tornar-se: o funeral do SPD, um dos partidos mais antigos e mais importantes do centro-esquerda europeu. Numa chocante sondagem de há uns dias, a extrema-direita, o nacionalista-populista Alternativa para a Alemanha (AfD), representava 15% dos votos contra apenas 15.5% dos sociais-democratas. Pode ser um resultado isolado, mas os 20.5% que os sociais-democratas obtiveram na última eleição geral já foi o pior resultado de sempre.
A história diz-nos que uma Grande Coligação entre os principais partidos de centro-esquerda e centro-direita tem tendência a fortalecer os extremos – e isto já aconteceu. Foi parcialmente devido a ter existido esta mesma grande coligação – ou GroKo (de Grosse Koalition) – durante oito dos últimos 12 anos que o AfD amealhou o apoio de um em cada oito eleitores alemães nas eleições de setembro. E é preciso recordar que o AfD faz o UKIP parecer moderado e Silvio Berlusconi parecer um distinto cavalheiro conservador.
Uma parte crucial da resposta à onda de populismo anti-liberal que está a inundar a Europa tem de ser uma regeneração fundamental do centro-esquerda. Os socialistas franceses desapareceram virtualmente e na campanha eleitoral italiana o Partido Democrata de Matteo Renzi está quase tão mal como o SPD. É claramente impossível para os Sociais-Democratas Alemães regenerar o partido enquanto estão trancados numa coligação governativa sem alegria com os principais adversários. Esta é uma das razões pelas quais a Juventude Socialista, liderada por um homem chamado Kevin Kühnert (em homenagem à estrela do futebol inglês Kevin Keegan) estão a viajar por todo a país a tentar persuadir os camaradas mais velhos a votar #NoGroKo.
A sabedoria convencional garante que, cinco meses depois, a Europa precisa muito de um governo alemão estável e esse governo precisa de dar uma resposta positiva às ambiciosas propostas europeias de Emmanuel Macron. Afinal de contas, o ano até às eleições europeias de 2019 é crucial para colocar o vento a soprar nas velas de uma União Europeia pós-Brexit. Foi por isto que o presidente do Conselho Europeu Donald Tusk tweetou: “A GroKo alemã é uma boa notícia.”
Eu não estou persuadido pela ideia de que é necessária uma GroKo alemã para existirem as coligações europeias essenciais, ou que uma GroKo seja melhor para o projeto europeu a longo prazo. Vamos imaginar um cenário levemente pessimista mas inteiramente plausível. A economia alemã esmorece daqui a uns anos e, ao mesmo tempo, as medidas implementadas pela grande coligação — em resposta a Macron, com insistência dos sociais-democratas — levam a Alemanha a ter de efetuar transferências financeiras para um país do sul da Europa em crise. Imaginem a resposta dos eleitores alemães desapontados. O resultado nas próximas eleições? 20% para a AfD?
O pior argumento de todos a favor de uma grande coligação é aquele produzido como um gancho nas minhas conversas em Berlim: não há alternativa! Mas as políticas elitistas da agora famosa alternativlos de Merkel, uma nova versão da TINA (There Is No Alternative) de Margaret Thatcher, é precisamente aquilo com que os eleitores populistas se estão a revoltar quando votam na AfD, ou Donald Trump ou o Brexit. Imagine que é um eleitor alemão descontente. Votou em setembro para mudar alguma coisa. E absolutamente nada muda: a mesma chanceler, a mesma coligação, a mesma retórica pouco nítida e políticas muito similares.
Na verdade, novas eleições agora, depois de cinco meses de uma confusão política sem precedentes, podem produzir um ainda maior voto de protesto na AfD. Mas há uma alternativa melhor, que a chanceler e o presidente federal podem concordar em tentar caso os sociais-democratas votem Não: um governo Democrata Cristão minoritário liderado por Merkel. Um governo minoritário seria uma inovação na história da República Federal. Mas já foi feito em muitas outras democracias, e não há nada na constituição alemã que diga que não pode ser feito. Na verdade, a posição forte que a constituição garante à chanceler pode tornar mais fácil a sustentabilidade de um governo minoritário. Os principais partidos da oposição, os Democratas Livres e os Verdes assim como os Sociais-Democratas, iriam certamente oferecer apoio, um impulso consensual às políticas europeias, assim como a nível orçamental. Sim, o governo minoritário iria perder alguns votos parlamentares noutros assuntos, mas tal como o historiador alemão Heinrich-August Winkler indica, na verdade isso iria aumentar a importância do debate parlamentar e do trabalho de comités selecionados. Seria mau para uma democracia parlamentar? Muito pelo contrário.
A resposta de Berlim às propostas europeias de Macron seriam um pouco menos entusiastas, especialmente em relação à zona euro. Mas isso seria um reflexo realista do que muitos alemães pensam sobre o assunto, que é muito distante da visão do antigo líder do SPD Martin Schulz de uns Estados Unidos da Europa em 2025. Ao mesmo tempo, os Democratas Cristãos podem sentir-se impelidos a oferecer mais a Macron numa política comum exterior, de segurança e de defesa – especialmente tendo em mãos o terrível trio formado pelo Brexit, por Trump e Putin. Seria mau para a Europa? Muito pelo contrário.
Um governo minoritário liderado por Merkel provavelmente não iria durar toda a legislatura, mas isso também não seria o fim do mundo. Sou um grande admirador de Merkel mas estamos definitivamente a aproximar-nos do tempo de uma mudança no topo. Isso também é democracia. Uma eleição em 2019 ou 2020 com três partidos amplamente liberais (Sociais-Democratas, Democratas Livres e Verdes) que aperfeiçoaram as suas políticas e atrações anti-populistas durante algum tempo na oposição, e com um novo, mais jovem líder dos Democratas Cristãos, dificilmente seria pior do que uma grande coligação forçada e a desmoronar-se.
O lema a pairar silenciosamente sobre a sabedoria convencional de Berlim é um convencional usado pela primeira vez em 1957: Keine Experimente! (Sem experiências.) Mas aquilo de que a Alemanha precisa agora é o apelo de Willy Brandt em 1969: Mehr Demokratie wagen! (Arrisquem mais democracia.) A experiência de um governo minoritário iria criar algumas incertezas a curto prazo, mas a longo prazo seria melhor para a Alemanha e para a Europa.