1918 foi marcado pela grande pandemia do século XIX: a Pneumónica. Desde então, tem sido consensual entre os especialistas de Saúde Global que o surgimento de novas pandemias não era questão de possibilidade, mas sim de tempo. Esta semana, à semelhança do que aconteceu com o H1N1, a OMS voltou a confirmar essas teorias, ao atribuir também ao COVID-19 o título de Pandemia.

Passaram-se já meses desde a identificação do surto em Wuhan, na China. Mas se, por um lado, a tentativa inicial de censura do alerta sobre o COVID-19 por parte das autoridades chinesas foi lamentável, a verdade é que as medidas drásticas implementadas pelo Governo Chinês a partir de Janeiro merecem destaque. Cidades inteiras foram colocadas em quarentena.

Desde então, vimos países diferentes atuar de formas diferentes.

Felizmente, Portugal foi dos últimos países europeus a serem atingidos pelo COVID-19. Este facto não só deu mais tempo às autoridades portuguesas para prepararem o sistema de saúde português, como também forneceu experiências de outros países a ter em conta na tomada de decisão.

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Entre os países que melhor conseguiram responder a esta pandemia destacam-se Singapura e Macau. E o que têm as medidas tomadas por todos eles em comum? Todos eles implementaram medidas drásticas de contenção da propagação viral de forma preventiva, e não reactiva, nomeadamente, procederam ao encerramento de escolas e espaços públicos, proibiram eventos desportivos, etc.

Do outro lado do espectro, temos os países que defendem a velha ideia da saúde pública de que as epidemias se gerem diariamente e que as medidas são decididas e ponderadas face à evolução das epidemias. Itália, Espanha, França, etc. Serão estes os melhores exemplos a seguir por Portugal?

O Conselho Nacional de Saúde Pública e os seus especialistas reuniram na passada quinta-feira. Durante essa mesma reunião os portugueses (supostamente com recomendação de isolamento social) juntavam-se aos milhares, nas praias, em modo férias. Afinal de contas, se esta epidemia não é grave o suficiente para que se fechem escolas ou se cancelem viagens de finalistas, porque haveriam de estar preocupados?

Seria imperdoável se, por não se querer assumir medidas mais drásticas imediatamente, isso custasse vidas daqui a alguns dias. Navegar à vista é coisa do passado. Prevenir é possível. De quantas mais “Itálias” e “Espanhas” precisamos para perceber isso?

Há 19 dias Itália tinha 21 infetados. Hoje tem mais de 12.000.

Há 19 dias Itália registava-se a primeira morte. Hoje são centenas.

Há 11 dias Espanha tinha 58 infetados. Hoje são milhares.

Há 11 dias Espanha não ainda registava mortos. Hoje são já várias dezenas.

Hoje temos um número de infetados semelhante ao que Espanha tinha há 11 dias. Faz sentido pensar se queremos estar na mesma situação de Espanha no final de Março.

Não estará na altura de descermos das “torres de marfim” e centrarmos o foco na proteção das pessoas reais?

Não estará na altura de centrar o foco na proteção dos profissionais de saúde e dos doentes adiando, por exemplo, todas as consultas não urgentes para evitar aglomeração desnecessária de pessoas em salas de espera e espaços hospitalares fechados?

Não estará na altura de centrar o foco na proteção dos pais e avós das crianças que podem perfeitamente ficar de férias de Páscoa duas semanas mais cedo?

Não estará na altura de centrar o foco na proteção dos jovens que ainda não perceberam que continuar a sair à noite e a ir a discotecas e viagens de finalistas não é OK?

Não estará na altura de centrar o foco na proteção dos trabalhadores das pequenas, médias e até grandes empresas através da determinação de que o trabalho presencial apenas é aceitável na completa impossibilidade de trabalho remoto?

Não estará na altura de centrar o foco na proteção dos residentes em Portugal e olhar o nosso tráfego aéreo de forma mais estratégica?

Está na altura de termos um Estado que lidera pelo exemplo e que não é menos drástico nas medidas que toma do que as alterações de vida que exige dos cidadãos.

Em contexto de uma epidemia como aquela que enfrentamos, cujos mecanismos da doença e os verdadeiros contornos ainda nem a comunidade científica conhece na totalidade, é justo assumir que o princípio da precaução pode e deve sobrepor-se à uma suposta proporcionalidade das medidas a adoptar pelo Estado. “A Janela de oportunidade para não repetir os erros de outros estreita-se a cada hora.”

Francisco Goiana da Silva é médico, docente na área de Liderança e Gestão de Saúde na Faculdade de Medicina da Universidade da Beira Interior. Formado na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Mestre em International Health Management pelo Imperial College de Londres e pós-graduado pela Harvard School of Public Health. Atualmente é Estudante de Doutoramento no Centre of Health Policy, Institute of Global Health Innovation do Imperial College. Foi o primeiro Global Shaper português a participar no Fórum Económico Mundial em Davos (2014).