Para saber o que é a esperança o melhor caminho é encontrar e seguir alguém que espere, como o cardeal vietnamita Francisco Xavier Van Thuan. Considerado venerável pelo Papa Francisco, faleceu há cerca de 23 anos, esteve 13 anos nas prisões do regime comunista, e graças aos seus escritos, conhecemos hoje melhor as suas virtudes.

Dizia a missa às escondidas com 3 gotas de vinho (remédio para as dores no estômago, a  desculpa por ele inventada) e uma gota de água na mão. Enfrentou a fome, as intempéries, as acusações e o esquecimento, sendo que muitos o consideraram desaparecido e morto.

A tudo resistiu, firme na fé e em constante união com Deus, oferecendo os seus padecimentos pela Igreja e pelo seu povo.  Muitas das suas reflexões, escritas à noite e à luz de uma lamparina, foram recolhidas no livro “O Caminho da Esperança”, traduzido em várias línguas. No ano 2000, o Papa João Paulo II pediu-lhe que pregasse o retiro espiritual na sua presença, com 22 meditações sobre o tema “Testemunhas da Esperança”.

Não me refiro portanto a qualquer esperar, por muito legítimas que sejam as nossa esperas. Eu espero que tudo corra bem. Que a minha vida se endireite. Que não venha a ter cancro, ou morrer abandonada, sem família, esquecida, num qualquer espaço intergeracional. Ou numa cama, doente, sem cuidados paliativos, ou sem um cuidador. Espero que a guerra e a injustiça não tenham a última palavra. Que um dia as pessoas e os povos se entendam…

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Hoje venho falar de outra esperança, sem a qual as outras se esfumam. De que espero que o tempo e os tempos tenham sentido. E a este respeito não há melhor que Charles Péguy para nos mostrar o caminho.

O intelectual francês lutou para compreender o sentido da sua vida, aliando a essa procura a decisão de oferecer aos seus contemporâneos uma resposta às suas mais profundas inquietações. Os Cahiers de la Quinzaine que fundou são a prova do seu empenho social e político, à prova de fogo. O Cristianismo é nele o testemunho de que esperar não é em vão mas que é antes o respiro de cada gesto meu, como o tinha sido, no meio das chamas que a consumiram, o da sua conterrânea (ambos de Orleães) Joana d’ Arc.

A sua obra prima “O Pórtico do Mistério da Segunda Virtude” possui a genialidade de oferecer um longo monólogo em prosa poética, pronunciado pelo próprio Deus, para exaltar a sua pequena esperança, ao lado das suas irmãs mais velhas, a Fé e o Amor, mais populares (cfr. Cahiers de 22 de Outubro de 1911). Monólogo no qual ficamos a saber o que mais espanta a Deus. Das três virtudes teologais, «O que me espanta», diz Deus «é a esperança./ E disso não me canso./ Essa pequena esperança que parece não ser nada./ Essa esperança menina./ Imortal.»

Deus explica-se. Não Se espanta com a Fé porque acreditar que existe uma Causa invisível para a existência do visível é a postura razoável, como refere o livro da Sabedoria (Sab.13). Os gregos adoram muitos deuses, mas também o Criador, o Deus desconhecido, a quem tudo deve o ser, o movimento e a existência.

E Deus também não se espanta com o Amor. Nada há de mais natural do que uma mãe se incline ao seu filho.

O que espanta Deus é antes a Esperança, que sabe ver o que virá, e não se limita ao visível, à situação desesperante. Aqueles que vivem numa situação desesperante, quando tudo é negro à sua volta, continuam a esperar, contra toda a esperança (Romanos 4, 18). Eles vêem o que não é, vêem o que será, e é isso que até a Deus espanta.

Muitas são os ditos e dizeres sobre a esperança. Que é a última a morrer, que quem a tem tudo alcança, e por aí. Mas também se diz que quem espera desespera. Em que ficamos? A verdade é que em cada manhã voltamos a apostar num novo passo.  Santo Agostinho sempre certeiro defende que sem a perspetiva da meta seríamos incapazes de dar um passo…

E em clima camoniano «De ervas vos mantendes/Que traz o Verão,/E eu das lembranças/Do meu coração.» Brutal, remata agora Péguy: Para esperar é preciso ter recebido uma grande graça!