A inteligência tem andado nas luzes da ribalta, a propósito dos recentes avanços no campo da inteligência artificial (IA). Este conceito refere-se à criação de máquinas com capacidades semelhantes às dos humanos, com a bondade de facilitar as nossas vidas, seja, a longo prazo, pelos avanços que as pesquisas científicas nos podem obter, seja, a mais curto, na modernização cada vez mais subtil das indústrias, que satisfazem as nossas cada vez mais detalhadas necessidades. Prodigiosos softwares ou auxiliares da abstração, da criação, da dedução, apreensão de ideias e demais artifícios cognitivos.

Tanto foco sobre a AI? Não é caso para menos. Trata-se de um assunto que sempre interessou todos os homens, suscitando entre eles grandes debates. Por outro lado, os avanços alcançados (não me refiro apenas ao mediático ChatGTP) têm suscitado, tal como no passado em relação a outras descobertas, medos de desumanização, com tudo o que esta implica de injustiça social. Haverá razões para tal?

Não é porém apenas o discurso de alarme que grassa. Os debates que brotam como cogumelos em tudo o que é rede, tendem a uma postura mais ou menos ideológica acerca do que se entende por “humano”. Ao arrepio da factual universalidade do sofrimento e da morte – no último ano documentada por uma guerra servida para nós de bandeja com auxílio de  inteligentes drones e quejandos, à hora do jantar, quando o há, parecendo assim de mais fácil digestão – diluem-se fronteiras (homem-máquina) e postulam-se objectivos, num positivismo ignorante de sentido último e universal, a tecer uma sociedade felizmente infeliz.

O don’t worry, be happy, é poucachinho, não nos realiza, por uma simples razão: obriga-nos a fechar os olhos ao que nos dói; convida-nos a avançar tapando os buracos que a estrada tem. Uma posição inteligente recusa este tipo de “faz de conta”  ou cegueira, não sendo por acaso que à inteligência tenham desde sempre sido associadas as imagens da luz e do fogo. Prometeu, bastante modelar herói grego, foi castigado pela simples razão de ter roubado o fogo dos deuses, mas o que ele nos ensina é uma verdade ontológica, verdade que nos é bem familiar, a saber, o desejo que cada um de nós tem de chegar perto da luz, de ser iluminado e iluminar. Desejo de ser aquecido, consolado, que isso também a luz e o fogo proporcionam. Numa palavra com peso mais político: não há quem não deseje a paz, o homem é desejo de paz. Até o louco o deseja, à sua maneira.

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O debate sobre a AI nem sempre tem suscitado o questionar acerca da natureza da inteligência. Não ignoramos que vivemos numa época que desistiu de procurar a natureza das coisas, por partir do pressuposto que não há natureza mas apenas convenção. Mas como não está demonstrado que não há naturezas (ou essências) continuo razoavelmente a procurar “o homem”, com uma lanterna já bem mais capacitada do que a de Diógenes.

Para entender o que é a inteligência artificial recuo então ao que se entende por inteligência.  Recuo na história da filosofia e detenho-me no edifício de S. Tomás de Aquino. Recuo também no ímpeto inteligente do meu questionar, recuo a mim, necessário juíz credível em causa, que também é própria, a não ser que se queira viver alienado em inteligências alheias.

S. Tomás oferece-nos o mais razoável entendimento da inteligência ao afirmar o seguinte: “o ser fere a inteligência”. Com efeito o seu realismo ingénuo dá conta do movimento humano que é o conhecimento, reconhecendo que mais do que procurar conhecer, o homem é procurado para conhecer. O homem é alavancado para conhecer, não por qualquer ingeniosa metodologia mas por meio do que ou daquilo que se dá a conhecer. Tudo começa no espanto, como reconheceu Aristóteles, ou Kant: “Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre nova e crescente, quanto mais frequente e persistentemente a reflexão ocupa-se com elas: o céu estrelado acima de mim e a lei moral em mim.”

Situar a inteligência nesta base é, por um lado, reconhecer que não é possível pensar a inteligência sem uma visão que a integra numa visão da realidade e, por outro, que a AI é também ela ferida pelo ser.

O encontro de sujeito e objecto é a explosão de duas energias que não se dão a si mesmas. A AI , porque produzida por agente humano, é ela também output do input de ser que a fere. Uma evidência? Que seja! Então não é verdade que o rei vai nu? Sem medos, é a criança que o diz. Com olhos esbugalhados, feridos pelo que lhe acontece!