O foco desta semana vai para o bem-estar dos professores portugueses no trabalho! Com a publicação do Relatório da Comissão Europeia sobre a carreira, o desenvolvimento e o bem-estar dos professores na Europa, coloca-se uma vez mais a escrutínio público a já conhecida exposição dos professores a fatores de stress psicossocial, nomeadamente ao nível das condições e da organização do seu trabalho, ou até das relações que estabelecem com as diferentes estruturas e intervenientes nas escolas. Os dados reportam essencialmente aos resultados no âmbito do questionário TALIS 2018, no qual participaram 27 países da União Europeia, portanto, ainda antes das pegadas deixadas pelo flagelo da crise pandémica provocada pela Covid-19.

O estado da “antiga arte” vinha relatando as preocupações dos professores com a sobrecarga do trabalho relacionada com as avaliações e a atribuição de notas, turmas com muitos alunos, inúmeras reuniões antes e depois das aulas, um conjunto significativo de tarefas administrativas, ou ainda o tempo que despendem no planeamento de aulas (preferencialmente tendo em conta a necessidade de chegar a todos os alunos de todas as turmas de forma diferenciada e personalizada). No top 5 podem juntar-se as responsabilidades sentidas face ao desempenho dos alunos (muitas vezes associadas a sentimentos de culpa ou à exposição à crítica), a necessidade de lidar com problemas como a indisciplina, a necessidade de adaptação às sucessivas mudanças e exigências das políticas e práticas educativas, ou a perceção de fraco empoderamento, sempre que as suas opiniões e/ou o seu trabalho não são suficientemente valorizados, ou sempre que percecionam baixa autonomia para desempenharem o seu papel enquanto professores. Isto para não falar das preocupações de longo tempo, relativas à carreira e às condições de trabalho, como salários baixos, ausência de progressões ou a dependência de avaliações de desempenho sujeitas a quotas e muitas vezes percecionadas como injustas (já agora, neste mesmo relatório, Portugal é o país cuja variável “avaliação para progressão na carreira” se encontra significativa e positivamente correlacionada com a pontuação elevada obtida no índice de stress dos professores, e no extremo face à média da União Europeia), a baixa valorização do investimento no desenvolvimento profissional contínuo, ou ainda o problema da mobilidade e estabilidade.

Por tudo isto, não é de estranhar que os níveis de stress dos professores portugueses se afigurem neste relatório como os mais elevados quando comparados na relação entre os 27 países (dados relativos ao 3º CEB).

Como se não bastasse, neste tempo sem precedentes que vivemos, os efeitos da pandemia multiplicam-se, trazem mudanças profundas para as rotinas e as vidas de todos e atingem de forma particular grupos específicos de profissionais, nomeadamente os profissionais de saúde e os profissionais da educação, tal como têm vindo a evidenciar estudos internacionais. São profundas e rápidas as transformações que estão a ocorrer nas vidas de cada um, e no mundo da educação e do ensino à distância, que resultam nos esforços dos professores para lidar com as mudanças ao nível do ensino e da aprendizagem, para adaptar modelos tecnológicos e pedagógicos e torná-los suficientemente dinâmicos e motivadores para os alunos (numa tentativa sôfrega de os recuperar em envolvimento e aprendizagem e de diminuir as iniquidades agora mais acentuadas), para acompanhar as novas necessidades e dificuldades sociais e emocionais dos alunos e das famílias, amplamente afetados pelas consequências da crise, e, por outro lado, os esforços para lidar com as suas próprias vivências da incerteza, do isolamento, de situações de luto ou perdas afetivas e/ou económicas, para conciliar teletrabalho e trabalho com a vida familiar e o apoio aos filhos, num enorme gesto de generosidade para com a escola e os alunos e tantos outros desafios que aqui não caberiam!

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Há muito que a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) vem alertando para o impacto incomensurável do stress e da falta de saúde física e psicológica na sociedade e na economia (vide Relatório do Custo do Stress e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho, em Portugal. OPP, 2019). As transformações pessoais, sociais e económicas agravadas pela pandemia e o seu impacto para a educação (e vice-versa) são agora mais do que evidentes, bem como o ritmo de trabalho e as exigências de recursos internos e externos de rápida adaptação à mudança por parte dos nossos professores, aumentando exponencialmente os riscos psicossociais a que estão sujeitos, com forte impacto para a sua saúde física e mental e com uma elevada probabilidade de aqui se arrastarem consequências ao nível do absentismo ou presentismo dos professores, da sua produtividade, da qualidade do seu trabalho e, desta forma, também podendo comprometer o sucesso da escola e da educação e influenciar de forma irremediável o futuro de várias gerações de alunos e famílias.

A preocupação e o foco terão, desde hoje, que ir muito mais além do que a segurança e saúde no trabalho em contexto escolar, e incluir um investimento público, sólido e permanente na prevenção e valorização da escola e de uma cultura promotora de bem-estar e de saúde psicológica para toda a comunidade educativa, geradora de relações interpessoais significativas, e de um sentido de pertença, envolvimento e inclusão dos professores, alunos e restantes intervenientes, enquanto bem imprescindível ao sucesso educativo, à equidade e à diminuição das desigualdades.

Muitas têm sido as iniciativas e protocolos de colaboração da OPP, nomeadamente com autarquias, centros hospitalares e outras entidades públicas e privadas, e foi, inclusive, realizada uma parceria para o desenvolvimento de uma estratégia de prevenção de riscos psicossociais na administração pública, em articulação com a Direção Geral de Administração e Emprego Público, com vista a apoiar a caraterização do ambiente psicossocial, da saúde física e psicológica e do bem-estar nos locais de trabalho, através de ferramentas de Avaliação dos Riscos Psicossociais, para depois desenhar, implementar e avaliar Planos de Prevenção e de Intervenção nos Riscos Psicossociais, os quais podem incluir, por exemplo, a promoção da literacia em saúde, e a capacitação das pessoas e grupos na área da saúde e bem-estar.

Muitos têm sido também os esforços no sentido de criar e implementar políticas e práticas progressivamente mais promotoras de autonomia, flexibilidade, cooperação, sucesso educativo e inclusão nas escolas, incluindo uma cada vez maior preocupação com a promoção do desenvolvimento e a recuperação social e emocional dos alunos, contribuindo assim para a construção de escolas SaudávelMente.

Mas para quando, a avaliação de riscos psicossociais nas escolas portuguesas, enquanto estratégia concertada e sistemática de implementação de verdadeiras políticas e planos de prevenção e de promoção do bem-estar e da saúde dos professores, e da própria sustentabilidade da carreira docente?