Segundo se ouviu dizer esta semana, parece que há um “fascista” no PS. Desde que, há uns anos, André Ventura começou a ganhar votos, os socialistas portugueses foram à cave do PREC buscar uma máquina detectora de “fascistas” e começaram a aplicá-la, de forma metódica, em todo lado. Primeiro, claro, o PS detectou “fascistas” no Chega. Depois, como não poderia deixar de ser, o PS detectou “fascistas” no CDS. A dada altura, como é evidente, o PS detectou “fascistas” na Iniciativa Liberal. A seguir, como seria de esperar, o PS detectou “fascistas” no PSD. De cada vez que denunciava, diligentemente, cada nova vaga de “fascistas”, o PS apresentava-se à pátria como a reencarnação da Pasionaria, garantindo, com olhos rútilos, que estes novos, velhos e velhíssimos inimigos do povo “não passarão”.

Esta semana, aconteceu o inevitável. Depois de terem descoberto “fascistas” no Chega, no CDS, na IL e no PSD, os socialistas portugueses descobriram agora um “fascista” no próprio PS. Essa assombração surgiu na inesperada figura de Ricardo Leão, presidente da Câmara de Loures. É sempre assim: quando uma determinada organização política se dedica a aplicar uma “linha justa”, acaba a exigir uma absoluta pureza ideológica e uma inquebrantável obediência aos ditames das lideranças — mesmo quando isso obriga, ou especialmente quando isso obriga, a ignorar a realidade, feita de nuances e subtilezas. O problema é que, para um sectário, não há ninguém que seja suficientemente puro ou suficientemente obediente. Mais cedo ou mais tarde, todas as pessoas sucumbem à fraqueza moral ou à indisciplina de pensamento — e, nesse momento, mesmo o mais firme aliado transforma-se no mais repelente inimigo. É por isso que, há muitos anos, surgiu a frase célebre segundo a qual as revoluções acabam sempre por devorar os seus próprios filhos.

Um dos casos famosos de um filho devorado por uma revolução foi Georges Danton. No começo da Revolução Francesa, foi um dos principais defensores da violência, chegando a apoiar a criação de um Tribunal Revolucionário. Mas seria esse mesmo Tribunal Revolucionário que o levaria, pouco depois, a perder a cabeça de forma literal e involuntária. Robespierre tinha decidido que Danton passara de símbolo da revolução a inimigo da revolução e decretou a sua prisão e execução. Perplexo, a dada altura Danton perguntou: “Um conspirador? Eu?” Sim, um conspirador — ele. Numa das biografias de Danton, escreve-se que, “na sua confusão, a revolução parecia ter a capacidade de acelerar as coisas, fazendo com que um ano parecesse uma semana e uma semana parecesse uma hora”.

Por cá, não temos uma revolução, mas também temos uma aceleração. Lá está: no tempo que demora a acender um fósforo, a caça aos “fascistas” já chegou ao interior do PS. Num dia, Ricardo Leão era um autarca-modelo, alegremente eleito pelo partido para presidente da poderosa Federação da Área Urbana de Lisboa. No dia seguinte, já era um pestilento seguidor de André Ventura que, com a sua mera existência, ameaçava a “honra” do PS. É possível que Ricardo Leão esteja tão surpreendido com o que lhe aconteceu como Danton: “Eu?”. Mas, se está surpreendido, não deveria. Tinha obrigação de saber que estas histórias acabam sempre da mesma maneira. Ele pode ter sido o primeiro “fascista” do PS. Mas não será o último.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR