Alguém já imaginou José Silvano, (o ainda) Secretário-Geral do PSD, a tentar contratar uma empresa privada de espiões para investigarem potenciais “podres” de Carlos Moedas ou da sua família? Pois bem, para um dos lados da guerra Génova 13 vs. Sol, que é como quem diz, da guerra entre Pablo Casado e Isabel Díaz Ayuso, foi isto que aconteceu. O problema – para o outro lado das trincheiras – é que o “pueblo popular” pensa exactamente o mesmo, depois de ter organizado, de maneira espontânea, manifestações de apoio a Díaz Ayuso à porta da sede nacional do PP (com cânticos mariachi incluídos).

O enredo começa em 2020 e, apesar de longo e complexo, mecere alguns parágrafos. Como contou o Observador, a trama começa com a celebração de um contrato de compra e venda (de máscaras FFP2 e FFP3 durante a primeira vaga de/da COVID-19) entre a Consejería de Sanidad do Governo da Comunidade Autónoma de Madrid – o equivalente ao Ministério da Saúde desta região – presidido por Díaz Ayuso, e a empresa chinesa Priviet Sportive. Até aqui nada de extraordinário.

O “problema”, segundo alguns, surge quando o irmão de Isabel Díaz Ayuso, Tomás Díaz Ayuso, aparece como intermediário desse contrato, e pelo que terá recebido uma comissão de 55.580 euros – já confirmados pela Presidente do Governo Regional – num contrato público de um milhão e meio de euros. Ou seja, 3,71% do valor total. Comissão esta, provada como “de mercado”, e que facilmente se poderá comprovar em qualquer base de dados comumente utilizadas em exercícios de preços de transferência.

Até aqui, igualmente nada de extraordinário. E passo a explicar porquê. Tomás Díaz Ayuso é, há mais de 25 anos, comercial no sector da saúde, tendo-se dedicado a intermediar contratos (públicos e privados) entre produtores/vendedores de bens deste sector e compradores interessados na aquisição dos mesmos. Uma espécie de delegado de propaganda médica de produtos não farmacêuticos.

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Em paralelo, também sabemos que o contrato com a Priviet Sportive cumpriu com todos os requisitos legais em vigor em matéria de contratação pública e concorrência, facto também ele já confirmado pela Consejería de Hacienda. Mais, o contrato é público, está on-line no Portal de Transparncia de la Comunidad de Madrid, bem como todos os trâmites históricos e negociais associados ao mesmo.

Posto isto, impõe-se a pergunta: que motivos teve a direcção nacional do Partido Popular ao tentar contratar uma empresa privada de espiões para investigarem Isabel Díaz Ayuso, Presidente do Governo Regional de Madrid, e figura incontornável do centro-direita liberal e democrático espanhol? Que motivos levaram de facto, a direcção nacional do PP a cometer tal conduta de cariz quase criminoso?

A resposta é simples, profundamente humana, e apenas justificada – não justificável – pela irracionalidade do medo, da inveja, da cobardia e do pânico. Não há outra explicação. Senão como se pode explicar que o maior partido da oposisão, depois de uma vitória nas eleições do passado Domingo em Castilla y León – onde o PSOE perdeu 7 deputados regionais face a 2019 – e, sobretudo, depois da vitória quase absoluta de Díaz Ayuso nas eleições regionais de Maio de 2021, tente caluniar o bom nome e a reputação do seu maior activo político?

De facto, a Política sempre foi um terreno fértil para a pior que tem a Humanidade com a sua estupidez e falta de lealdade. Ora, depois deste insólito caso de suicídio político em directo, acrescento a mediocridade. E foi este último, o maior erro de Pablo Casado: rodeou-se de gente medíocre e mesquinha, com Teodoro García Egea, (o ainda) Secretário-Geral do PP, à cabeça. Até há pouco tempo um desconhecido dos espanhóis. Um personagem dos corredores e caciques locais. Um cosmopaleto. Em português: um vulgo provinciano com ares de grandeza depois de uma ida às compras ao El Corte Inglés da Serrano 52.

A tese não é minha mas da antiga líder parlamentar do PP, Cayetana Álvarez de Toledo. Numa entrevista ao El Mundo a 13 de Novembro de 2021 Álvarez de Toledo, que acabara de publicar o Políticamente indeseable, afirmou taxativamente que “Egea ejerce un mando testosterónico y perjudica a Casado; hace bullying” e que, enquanto porta-voz dos populares no Congresso dos Deputados, viveu “experiencias de una política indeseable que ahora se repiten con Ayuso”. Parecia que estava a anticipar o impensável e o inimaginável que se materializou nos últimos dias.

Chegados aqui, temos dois vencedores: o PSOE de Pedro Sánchez e o Vox de Santiago Abascal. O primeiro porque assiste à auto-destruição do seu maior adversário político, e com isso, talvez se consiga manter no poder para lá das legislativas de 2023. E o segundo, qual abutre faminto, procura captar alguns eleitores chocados, ou mesmo desiludidos, com a novela popular.

Quanto aos derrotados, além da direcção nacional do Partido Popular, estão milhões de eleitores perdidos e desorientados. Em linguagem militar, assistimos a um verdadeiro tiro no porta aviões.

O certo é que depois deste episódio, não resta alternativa a Pablo Casado senão demitir o tóxico García Egea.

Esperanza Aguirre – baronesa do PP, antiga Presidente do Senado e antiga Presidente Governo Regional de Madrid – e Alberto Núñez Feijóo – Presidente Governo Regional Galego, o único onde o PP governa a solo e com uma maioria absoluta – já vieram pedir a cabeça do (ainda) Secretário-Geral dos populares.

Assim, antecipo que o próximo capítulo da trama inclua a batalha pela liderança nacional do PP. Elsa García de Blas, jornalista do El Pais, vaticinou que, depois do suicídio político em directo, só haverá espaço para um: ou Pablo Casado e Isabel Díaz Ayuso. E é pena que assim seja.

Nota final: na passada terça-feira, 15 de Março, o jornalista David Diniz afirmou no podcast “Comissão Política”, que Ayuso “fala a linguagem do Vox”. Ora, tal está longe de ser verdade.

A este propósito, devo aliás dizer que estou perfeitamente à vontade para criticar Isabel Díaz Ayuso e as suas posições relativamente à direita populista e radical do Vox – se for caso disso – já que fui um dos subscritores do “Abaixo assinado: A clareza que defendemos” publicado no Público a 10 de Novembro de 2020, e que defende uma separação clara e sem paliativos entre o centro direita democrático, liberal e reformista e qualquer agrupamento, associação recreativa ou partido político estilo Vox. E por isso, recomendo ao David Diniz que leia entrevista que o El Mundo fez a Díaz Ayuso em Abril de 2021 nas ruas da Chueca, e onde esta afirma que “A mí me da igual cómo configura su vida en su cama cada uno”; e ainda ao tweet que esta publicou a 10 de Fevereiro de 2022 e que se pode ler “La delincuencia no está relacionada con el origen de las personas. Vox mezcla a los menas en todo. Las bandas latinas están compuestas en su mayoría por jóvenes que han nacido en España”. El problema no es de origen, es de integración”.