Esta semana, durante o primeiro dia de debate do Estado da Nação, Pedro Sánchez declarou guerra à inflação – pensa ele – e aos grandes bancos e empresas energéticas (seguir-se-ão as grandes eléctricas). Resta saber se no fim, isto é, quando o país entrar em recessão, sobreviverá alguma outra fonte de receita. Mas adiante.

Pedro Sánchez conseguiu a proeza discursiva e dialéctica de usar a primeira metade da sua intervenção para, por um lado, se mostrar um estadista e se posicionar como candidato à sucessão de Jens Stoltenberg nos destinos da NATO, e, por outro, anunciar um pacote económico e fiscal mais alinhado com o radicalismo e o tropicalismo do Unidas Podemos do que com a moderação que se esperaria do Governo da quarta maior economia do Euro. É sobre esta segunda parte do seu discurso que me centrarei nas próximas linhas.

Perante uma inflação de 10,2% – confirmada a 13 de Julho pelo INE espanhol –, a mais alta desde 1985, o Governo espanhol anunciou dois novos impostos (temporários, dizem) sobre os grandes bancos e as grandes empresas de petróleo e gás, e que serão cobrados a partir de 2023. Com estas medidas Pedro Sánchez pretende cobrar 7.000 milhões de euros, sendo que 20% dessa (esperada) receita será paga pelos bancos durante o primeiro ano da medida, ou seja, 1.500 milhões de euros.

Ora, minutos depois do anúncio da medida, os bancos cotados no IBEX 35 – a bolsa de Madrid – cairam a pique. Em “números redondos” o Santander caiu 4% – o banco espanhol com o footprint geográfico mais diversificado, e portanto menos exposto ao mercado Espanhol – o Bankinter e o BBVA cairam 6%, o Sabadell 8% e o CaixaBank 9%.

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O caso do CaixaBank é paradigmático da ineficácia de aumentar impostos ao sector financeiro: em poucas horas, o banco, onde o Estado  detém uma participação de 16,1%, perdeu mais de 2.000 milhões de euros, ou seja, perdeu mais do que o valor total que o Governo Espanhol espera arrecadar com todo o sector financeiro num só ano. Em duas palavras, desastroso e contraproducente.

Mais: não parece difícil concluir que quaisquer novos impostos serão necessariamente repercutidos nos preços finais, e portanto pagos pelos consumidores dos serviços financeiros prestados pelos bancos, e pelo petróleo e gás fornecido pelas energéticas – segundo o INE espanhol, durante o mês de Junho os produtos pretrolíferos subiram 40,7%, tendo sido o principal motor e influenciador de uma inflação de dois dígitos.

Na mesma linha, não parece igualmente difícil de concluir que estamos portanto perante medidas draconianas, que resultarão numa perda de poder de compra e num empobrecimento generalizado, onde a classe média e os mais pobres – por falta de alternativas e com menores níveis de poupança – serão as primeiras vítimas.

Apesar de tudo isto, e apesar do título de economista de Pedro Sánchez, há uma pergunta por responder: o que terá levado o Governo Espanhol a abraçar o pior radicalismo económico e a agenda do Unidas Podemos?

Segundo o editorial do El Mundo de 13 de Julho (que não poderia estar mais de acordo) “entregarse al populismo para sobrevivir”. No fundo, para “acalmar” o Unidas Podemos e garantir o apoio da extrema-esquerda a um aumento da despesa e investimento em Defesa (e assim cumprir as metas definidas no quadro da NATO), Pedro Sánchez, qual zombie político, rendeu-se e entregou-se ao radicalismo económico e fiscal. Com isto, consegue aguentar-se na Moncloa mais uns meses e atrasar a inevitável derrota que o PSOE sofrerá nas generales de 2023.

Há ainda dois aspectos de natureza política que merecem igual reflexão. Com a guinada à esquerda, Pedro Sánchez pode até engolir o Unidas Podemos e roubar o discurso do “novo” Sumar da Vice-Presidente Yolanda Díaz, e com isto “estancar” o flanco esquerdo do PSOE, mas abre simultaneamente caminho para a hegemonia do PP como o grande partido do centro e da direita. Eu, assumido eleitor de centro direita, até posso regozijar com o erro táctico do PSOE, mas temo que seja a pasokização de um partido central da Democracia espanhola.

O segundo aspecto tem que ver com a rua. Se é certo que a actual preocupação dos espanhóis é sobreviver a mais uma onda de calor insuportável e fugir para as Costas, não é menos certo que se espera un parón económico a partir de Setembro que, no limite, poderá ser a antecâmara de uma ressessão que muitos já dão como certa – a paridade Euro/Dólar é apenas mais um sintoma dessa crise que se avizinha. E aí, com as ruas inundadas de protestos, greves e manifestações, tenho sérias dúvidas que Pedro Sánchez dure até ao fim da legislatura. Em resumo, a tentativa de “peronização” da economia espanhola e as consequências sociais daí resultantes poderão obrigar Pedro Sánchez a sair pelas traseiras, qual Fernando de la Rúa no seu helicóptero ao abandonar a Casa Rosada argentina a 20 de Dezembro de 2001.

Nota final: horas depois do anúncio de Pedro Sánchez, o Ministro das Finanças português, Fernando Medina, declarou que está atento e que vai estudar “todas as propostas” que visem tributar lucros extraordinários das empresas, para que haja “uma partilha de custos sociais”.

Por todos os motivos apontados neste texto, espero que Portugal não siga o caminho de Espanha. O PS governa sozinho e, com a sua maioria absoluta, já não depende da extrema-esquerda, pelo que não haveria motivo político algum para copiar o radicalismo económico de Pedro Sánchez. O custo social seria demasiado alto para o País.