O primeiro nível da participação política é a responsividade dos nossos eleitos internos nos partidos políticos (se formos militantes ou simpatizantes de um), dos deputados e vereadores eleitos pelo nosso círculo eleitoral (distrito ou concelho) e, logo a seguir, a dos nossos eleitos em funções e órgãos autárquicos e do Estado Central. Mas a sensação que fica é que, cada vez mais, a ligação entre eleitos e eleitores não funciona e que aqueles que ocupam cargos eleitos no Parlamento Europeu, Assembleia da República não sentem que exista valor no tempo que poderão dispensar a ler e a responder aos pedidos de contacto dos cidadãos e que todos os mecanismos que renovam a sua continuação nas listas que os apresentam a eleições dependem mais de factores internos (influência junto do aparelho ou dos dirigentes de momento) do que da sua interacção, em quantidade e qualidade, com os eleitores e cidadãos “comuns”.

Obviamente que isto não acontece porque os nossos eleitos na Assembleia da República ou no Parlamento Europeu sejam “maus” ou sintam um desprezo intrínseco pelos cidadãos que, recorrentemente, os elegem e reelegem. Isto acontece porque não existem mecanismos de estímulo que os convidem a abrir canais de comunicação com os cidadãos nem a empreenderem diálogo profícuo e eficaz com os seus eleitores. E são esses mecanismos em falta que devem ser instituídos com urgência, porque é neste vazio aberto pela falta de responsividade dos nossos eleitos que também cresce o populismo e se degrada a democracia. Isto também acontece por cálculo “económico”: os eleitos não respondem porque o esforço da resposta não é recompensado.

Esta separação e falta de comunicação entre eleitos e eleitores é o produto directo da “bolha” que – cada vez mais – se instala nos partidos e que determina a endogamia crescente da rotação interna dos cargos dirigentes e dos nomes que são apresentados a listas eleitorais. Cada vez mais observamos a existência de laços familiares directos (pai/mãe-filha/o ou mulher/marido) ou pela via do casamento entre representantes electivos e isto está a tornar a maioria dos ditos “partidos de poder” em Portugal (PS e PSD) em aristocracias onde é cada vez mais difícil penetrar (excepto pela via académica). Esta endogamia crescente da classe política profissional afasta-se da população e do eleitorado e está na directa razão dos crescentes níveis de abstenção, já que a democracia e as funções representativas são vistas como exteriores ou alheias à maioria da população e contribuem para criação e preservação de autênticas aristocracias que hoje em dia dominam praticamente todos os partidos políticos.

Esta endogamia está na base da actual decadência dos partidos políticos, como surge demonstrada pela sua erosão em termos de quantidades das bases de militantes, da sua crescente profissionalização em torno do Estado central, empresas públicas e municipais e autarquias e pelo consequente afastamento da “realidade” do comum dos cidadãos e do mundo do trabalho e das empresas. Este aumento da distância entre eleitos e eleitores coloca em risco a democracia tal como a conhecemos. Mas se a democracia  depende da existência de partidos políticos, se as associações ou movimento cívicos são facilmente tomados ou monitorizados por “controleiros” dos partidos (geralmente de extrema esquerda e, mais recentemente, pelos populistas de direita) e se a democracia directa depende de graus de maturidade política e cívica que não estamos prestes a alcançar, então estamos perante um problema.

E esse problema é o de que a decadência dos partidos políticos leva directamente à decadência da democracia e, se queremos salvar a democracia, ou salvamos os partidos (renovando-os e reinventando-os, o que não é a mesma coisa) ou reinventamos a democracia, reduzindo, suprimindo ou (idealmente) mudando o papel que os partidos políticos desempenham na democracia representativa tal como a conhecemos hoje.

A este respeito caminhamos em terreno desconhecido, mas sendo a democracia um constructo mental daquilo que – enquanto comunidade – acreditamos que deve ser uma comunidade de cidadãos livres de pensarem e exprimirem as suas opiniões, de viverem em Justiça e em forma de administração da comunidade e da “coisa pública” que representam a sua opinião e onde o seu pensamento e vontade tem influência na condução do destino da comunidade, então temos o dever de fazer algo para reconstruir a democracia.

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