Vivemos tempos estranhos. Tempos em que o moderado é o novo radical e onde grande parte dos cidadãos e eleitores oscilam facilmente, e em deslocações nem sempre facilmente compreensíveis, dentro do espectro político e eleitoral. Este fenómeno pendular (que em França transferiu eleitores do PSF para a Frente Nacional, em Itália do centro-esquerda para a Liga Norte e em Portugal do CDS e PCP para o Chega) tenderá a intensificar-se nos próximos anos com a crise social e económica provocada pela Covid-19, sabendo-se que estas crises favorecem sempre a erosão dos partidos moderados de centro e o crescimento dos partidos populistas de esquerda ou de direita. Mas existem outros combustíveis que alimentam o crescimento dos extremismos em Portugal:

1 Desde logo, registam-se em certos movimentos ou correntes minoritárias de opinião uma “profissionalização da contestação”: alguns nichos, organizados na forma associativa, pediram financiamentos ao Estado central e às autarquias para manterem equipas profissionais e alimentam o seu funcionamento corrente com estas verbas. Desta forma, o Estado (local ou autárquico) consegue manter controlada essa contestação (domesticando-a via “quem paga: manda”) e, simultaneamente, esses “contestadores profissionais” logram a manutenção de uma estabilidade financeira que – nestes tempos tão instáveis – é sempre muito apreciável. De permeio, perde, contudo, o todo colectivo, já que a “contestação” se cristaliza, doméstica e, sobretudo, profissionaliza, passando estes activistas profissionais a fazerem parte do lado que – no fundo – prefere que nada de muito substancial mude já que se mudar… perdem a sua fonte de rendimento.

2 O extremismo tende a auto-alimentar-se: quando um discurso extremista é vocalizado e externalizado isso provoca reacções contrárias e a resposta reforça as posições de nicho originais. Este fenómeno de duplo feedback extrema as posições e reforça o radicalismo. Se esta interacção ocorre num contexto de redes sociais todo o desvio para o extremismo é exacerbado.

3 A ascensão de um extremista a uma posição de destaque mediático ou de um palco de primeira linha aumenta a sua inclinação para o extremismo através do mecanismo da recompensa: este fenómeno foi observado aquando da ascensão da antiga deputada do Livre, Joacine K. Moreira ao Parlamento, sendo que a sua deriva extremada para o antirracismo e para o feminismo radical acabou por anular a tendência mais moderada do partido que representava, levou ao afastamento de ambos e à perda de credibilidade eleitoral do partido a um nível tal que será, agora, difícil de recuperar.

Esta tendência para o extremismo colocou no poder personagens como Trump, nos EUA, e Bolsonaro, no Brasil, e dividiu a sociedade desses países em dois campos extremados, sem espaço para o diálogo, nem para a moderação. O mesmo fenómeno ocorre hoje – em gradientes diferentes – na Europa, em países como a Roménia, a Polónia, ou a Hungria. Portugal parece ainda imune a esta deriva extremista (embora o Chega pareça inclinado a assumir essa posição, faltando-lhe, todavia, um contraponto adequado à sua extrema-esquerda). Para que este extremar de posições não se instale, também, entre nós é preciso desenvolver o diálogo entre cidadãos e as várias instâncias de poder representativo, muito para além daquilo que hoje já existe e que, manifestamente, é insuficiente e, sobretudo, desenvolver as ainda incipientes ferramentas já existentes de democracia participativa. Mas o problema está em que o poder representativo está hoje cada vez mais fechado num círculo íntimo de amizades, aparelhos partidários e círculos familiares e ouve, cada vez menos, os cidadãos. Por outro lado, o sectarismo militante e quase pseudo-religioso está a erodir o espaço entre as pessoas e, sem diálogo, não teremos capacidade para integrar a diferença, ouvir o outro e respeitar, com tolerância e vontade efectiva de resolver essa diferença, o seu pensamento e opinião. E este é o terreno fértil das ditaduras. E é aqui que residem todos os perigos.

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