Há 20 anos exactos, no plenário do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, foi aprovada a minha proposta para instituir o Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo, que hoje se assinala uma vez mais. A proposta previa ainda o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Terrorismo, que seguiu longo processo, vindo a ser criado pelas Nações Unidas em 2017, para cada 21 de Agosto. A ideia é a de que só o foco continuamente posto nas vítimas e sua memória, independentemente de quaisquer lados, conduzirá à ilegitimação real do terrorismo e sua consequente erradicação. Enquanto o olhar sobre o terrorismo continuar enleado nas malhas da armadilha política, não conseguiremos. E estas datas convidam também a pensar e são oportunidade para reflexão e decisões inspiradas.

Manhã cedo daquela quinta-feira, 11 de Março de 2004, estávamos a entrar no Edifício Louise Weiss, quando chegavam notícias horríveis de Madrid, dando conta dos atentados terroristas que tinham acabado de acontecer, com 193 mortos e mais de 2.000 feridos. Em memória desta tragédia, emendei a data da proposta para 11 de Março e assim ficou estabelecido. De então para cá, este é o dia em que, na União Europeia, evocamos anualmente todas as vítimas deste terrível flagelo, que ainda subsiste: o terrorismo. Choque paradoxal com o mui declarado humanismo do nosso tempo.

Em 2024, as atenções deste 11 de Março deveriam estar concentradas principalmente nas vítimas dos ataques do Hamas em 7 de Outubro, nos arredores de Gaza, sul de Israel. A selvajaria do ataque e a sua dimensão mais do que justificam as atenções gerais. Diz o Global Terrorism Index 2024: «O maior ataque terrorista ocorrido em 2023 foi, de longe, o ataque de 7 de Outubro perpetrado por militantes do Hamas em Israel. Este ataque matou 1.200 pessoas e foi o maior ataque terrorista desde o 11 de Setembro e um dos maiores ataques terroristas da história.»  O massacre pelo Hamas, de brutalidade atroz, foi ímpar na sua crueldade sádica e sanguinária: foram quase 800 civis, mortos em assassinatos individuais, um a um, incluindo muitas mulheres (algumas, vítimas de violência sexual) e 35 crianças. E fez 250 reféns, em desafio frontal aos princípios fundamentais da ordem internacional, de que ainda mantém 130 cativos, passados cinco meses, com chocante complacência da opinião mundial e passividade efectiva da generalidade dos governos. Dizendo de outro modo: pelos reféns, o Hamas prolonga, ainda hoje, o hediondo ataque terrorista de 7 de Outubro, troçando do direito internacional perante o mundo inteiro.

Os que se manifestam contra Israel sem pedirem à cabeça a libertação dos reféns, deviam corar de vergonha, pela cumplicidade com o terrorismo. Os que colocam moções contra Israel sem exigirem a devolução imediata de todos os reféns às suas famílias (ou pedindo-a apenas, sem nada fazerem para que aconteça), deviam abandonar a hipocrisia e confessar estarem alinhados com os extremistas do Hamas.

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Se, no dia de hoje, as atenções do Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo não estão focadas, por toda a Europa, no massacre de 7 de Outubro, não é porque as vítimas o não mereçam e a sua enorme dimensão não o justifique. Poucos acontecimentos como este desencadeariam a emoção espontânea: “Nunca mais!”  Até porque, na verdade, o 7 de Outubro ainda está a acontecer, hoje, em cada um dos reféns do Hamas.

O silenciamento ou a subvalorização acontecerão porque o veneno político apoderou-se do tema e desculpa ou justifica o terrorismo do Hamas, em antissemitismo explícito ou implícito. A atitude de boa parte da opinião europeia e mundial é ruidosa do lado palestiniano, movendo-se para ignorar e apagar as vítimas israelitas como de valor zero – as pressões em redor do festival da Eurovisão são tragicamente reveladoras. O cinismo é tão grande que parece que o 7 de Outubro nunca existiu. Esta atitude, enviesada, não hesitando em tomar partido pelo lado que usa o terrorismo, é ilustrativa do problema que temos: o mundo ainda não o ilegitimou, apesar dos milhares de vítimas todos os anos –  em 2023,  8.352 mortos em 47 países.

Um dos aspectos mais reprováveis na política do Hamas é como usa o povo de Gaza como escudo e muralha. Já o escrevi e mantenho: todos os mortos que acontecem em Gaza são da responsabilidade principal do Hamas. Primeiro, pelo ataque terrorista feito ao sul de Israel, quebrando uma situação sem-guerra e provocando Israel à guerra. Segundo, por, ao longo de anos (perante a indiferença internacional, senão cumplicidade), ter construído um vasto campo militar subterrâneo em toda a faixa de Gaza, em especial, nas zonas urbanas, transformando quase todas as construções em alvos legítimos: só por elas se atingia o Hamas. Terceiro, ter feito da população carne para canhão, para retardar e condicionar as operações do exército israelita e agravar o quadro para condenação de Israel. Quarto, manter reféns em seu poder, para prolongar a acção militar de Israel e provocar-lhe maiores danos reputacionais. O Hamas é uma organização desapiedada, incapaz de sentimentos comuns a respeito dos palestinianos que sofrem: usa o seu sofrimento como arma de guerra. Haverá os fanáticos, que acham que são mártires – e, por isso, os fazem para sua maior “glória”. Mas os cínicos querem-nos a sofrer, para assim engrossarem as hostes e demolirem (assim pensam) o crédito de Israel.

Aqui, o governo Netanyahu também tem responsabilidade. Em momento algum, pode parecer ver como arma de guerra o sofrimento israelita ou, mais amplamente, judeu. E sobretudo não pode demitir-se da sua responsabilidade na região. Israel tem todo o direito a defender-se, mas tem, como todos, o dever de construir a paz. O discurso do governo de Israel sobre o futuro é, normalmente, um desastre. E ajuda a difamar a nação judaica um pouco por todo o mundo. Não há direito. É inaceitável que o 11 de Março europeu falhe a memória justa da tragédia do 7 de Outubro. É fundamental que o 21 de Agosto mundial não falhe. A memória das vítimas exige-o.

Não se entende que Israel não tome iniciativas capazes de embaraçar a acção político-militar do Hamas e apressar o fim do conflito. Em qualquer caso, Israel já devia ter dito e repetir que, a seguir à guerra, quererá: (1) construir um quadro de paz para 100 anos; (2) cooperar na construção da solução de dois Estados, viável e estável; (3) concluir o quadro dos Acordos de Abraão, consolidando o ambiente de paz e segurança na região; (4) ser parte do mecanismo internacional de segurança do Estado palestiniano, país neutro e sem armas; (5) contribuir para a reconstrução da faixa de Gaza; (6) desenhar uma zona de comércio entre Israel, Palestina e todos os signatários dos Acordos de Abraão, que favoreça o dinamismo económico da região e promova o seu rápido desenvolvimento e bem-estar.

Só haverá paz nestas condições. E só assim se banirá o terrorismo e a sua ameaça. Todos têm de alinhar por esta pauta. Podemos, infelizmente, ter ainda guerra, hoje. Mas temos de estar a ver a paz, amanhã – e a acreditar que será para durar. Os que quiserem insistir no erro, crendo que poderão voltar à guerra uma e outra vez, tirem daí o sentido: o mundo está farto da guerra no Médio Oriente. O mundo quer confiar na boa-fé e recta intenção dos que dirigem.

Quase 80 anos depois de 1947, o mundo só acreditará nos que empunhem a agenda da Paz e mostrem que querem mesmo construí-la.