Será o socialismo1 compassivo2? E o warxismo3 humano4? E fraternais5 os seus dirigentes e militantes? A história dos regimes socialistas, e das suas revoluções6, dão uma resposta clara e inequívoca sobre a sua compaixão sistémica. Que é confirmada, a um nível mais pessoal, nas biografias7 dos grandes líderes socialistas russos e romenos, cubanos e chineses, não só salpicadas, mas todas elas encharcadas de sangue humano.
Mas não será isso uma coisa do passado? Não será o socialismo atual ainda mais tolerante e não serão os seus presentes dirigentes, no ps & pc, os camaradas Maduro & Xi8, de trato ainda mais suave que Lenine e Pol Pot? A compaixão com que os apátridas, ladrones & fascistas são tratados na Venezuela socialista e o respeito com que Uigures & Tibetanos, trabalhadores migrantes & ativistas pró-democracia são tratados pelo governo socialista chinês dão-nos uma pista. Que é, de algum modo, confirmada pela campanha em curso na China contra a xenofobia, à qual o Supremo Líder tem dedicado especial atenção durante os últimos 10 anos.
Esta campanha começa na escola primária, onde japoneses são diplomaticamente9 descritos às criancinhas como demónios10 e os americanos como monstros, e continua na universidade, no serviço militar, e pela vida fora nos meios de comunicação tradicionais e modernos, nos jornais e nas redes sociais, onde os vietnamitas são afetuosamente chamados macacos11 e os filipinos formigas12. Este meritório esforço na promoção da concórdia e fraternidade universais, tão próprio do socialismo antigo e moderno, está finalmente a produzir frutos.
Assim, até recentemente, os wàiguórén13 eram observados com curiosidade e recebidos com cordialidade pelos populares na China dita Popular. Não se ouvia falar de crimes ou violência contra eles, nem nas conversas de amigos & conhecidos nem, como é óbvio, nos meios de comunicação oficiais. No entanto, presentemente os guǐlǎo14, os rìběn guĭzi 15, y os outros estranjas têm de começar a ter mais cuidado: este ano, num incidente isolado, quatro professores americanos que visitavam uma universidade em Jilin foram apunhalados a 10 de Junho; num caso que, de modo algum, deve ser politizado, uma mãe e um miúdo japoneses à espera de um autocarro em Suzhou foram esfaqueados a 24 de Junho, e uma local, que os tentou proteger,16 foi morta com a mesma faca; e, noutro incidente isolado mas que a imprensa estrageira tem sinistramente usado para tentar denigrir o socialismo chinês, um aluno japonês de 10 anos foi golpeado até à morte quando se dirigia para a sua escola em Shenzhen a 18 de Setembro. O motivo comum a todos estes casos? Fraternidade universal socialista com características nacionais chinesas.
Estes incidentes sem qualquer relação entre si, à parte da campanha anti-xenofóbica nas escolas, comunicação social & redes sociais geridas pelu partidu nu guverno, são lamentáveis, mas a sorte que tiveram os patriotas que as executaram é um mistério. O que lhes aconteceu? Apesar de terem sido detidos após os incidentes, não se sabe que recompensa lhes terá sido dada. Terão sido julgados? Condenados ou libertados & agraciados? Não se sabe, nem sequer, à exceção de um caso, os seus nomes.
E qual foi a reação popular na China? De grande unidade: grande aplauso nas redes sociais acompanhados, como não podia deixar de ser, de alguns comentários de forças provocadoras a lamentar o sucedido. Estes comentários lamechas & de teor subversivo com o objetivo de insinuar de que algo não está bem no socialismo chinês, foram rapidamente apagados, não se sabe bem por quem. Mas especialmente interessante foi a atitude das autoridades nacionais & socialistas aos atos deliberadamente organizados por forças antissocialistas com a intenção de criar problemas e minar a estabilidade da sociedade chinesa a pretexto do homicídio de 18 de Setembro.
O primeiro ato deliberado ocorreu imediatamente a seguir ao esfaqueamento: familiares & amigos, colegas & simples desconhecidos começaram, numa atitude claramente reacionária, a depositar ramos de flores e comentários inapropriados, sobre quão querida era a criança, no portão de entrada da escola para onde ela se dirigia quando foi assassinada. Para neutralizar pacificamente esta provocação, polícias e outros funcionários limparam regularmente o local, várias vezes ao dia, durante mais de uma semana, atirando as flores e o outro lixo para o caixote e, quando avistavam algum provocador, prevenindo-o devidamente das consequências dos seus atos.
O segundo, deu-se no dia seguinte ao assassinato: uma missiva atribuída ao pai da criança começou a circular nas redes sociais. Nela, o pai japonês da vítima declarava que quer ele, quer a sua mulher chinesa, consideravam que eles e o seu falecido filho pertenciam quer ao Japão, quer à China e, garantindo que jamais odiariam a China ou o Japão pelo sucedido, davam a entender que perdoavam o que tinha acontecido. Exprimia ainda o desejo que tragédias semelhantes não voltassem a acontecer no futuro. Esta mensagem recebeu comentários favoráveis, likes e shares orquestrados por sinistros grupos anti chineses infiltrados na China. Mas alguns dias depois, o post inicial e todos os shares desapareceram algo que, garantem alguns interesses estrangeiros, só poderia acontecer através da ação dos serviços de censura oficiais.
Porquê esta reação? Que mal tem perdoar, livre e conscientemente, os que nos fizeram mal? Aqui surgem duas possibilidades. A primeira é que, no socialismo, matar um inimigo de classe de uma das “classes boas” não é crime, e não sendo crime, o perdão feito pelos familiares da vítima é um insulto intolerável que não deve ser permitido. Neste caso, o puto tinha sangue japonês, o que além de constituir uma conspurcação da pureza étnica do “bom” povo chinês, o estabelecia como representante uma nação inimiga e de um sistema capitalista “mau” e sem qualquer referência ao warxismo. Estas características tornavam a criança automaticamente uma inimiga do povo e justificam a sua morte. O seu homicídio pode assim ser visto como um ato heroico, se bem que imprudente, dada toda a atenção internacional que levantou. Assim se explica que o post insultuoso tenha sido banido e não haja notícias de qualquer condenação do herói.
A segunda possibilidade é que o homicídio de uma inocente criança é de facto um crime que deve ser severamente punido numa sociedade socialista. Se assim for, este homicídio pode ser visto como que algo não está bem na sociedade chinesa com características socialistas. Assim torna-se essencial para a honra do socialismo chinês que o acontecimento passe desapercebido: que a pena de morte do perpetrador não seja noticiada e que, obviamente, as vítimas não publicitem os seus perdões aos quatro ventos nas redes sociais.
Em qualquer caso, perdoar não é permitido no socialismo chinês. Mas será admissível para outros tipos de socialistas & de socialismo? Claro que não, não só por razões semelhantes às expostas acima, mas também por uma outra. Assim, a rainha de Inglaterra apresentar as suas desculpas, Sua Santidade pedir perdão, ou o embaixador17 de qualquer país não socialista dizer que está contrito por eventuais malfeitorias praticadas gerações atrás é absolutamente inútil. Não são palavras de desculpa que os warxistas querem. O que querem é dinheiro. Será, então, que pagar reparações resolve o problema & obtém perdão? Só um palerma faria esta pergunta, mas aqui fica a resposta: é obvio que não! Perdoar é equivalente a cancelar uma forma de explorar o hétero-patriarcado que trabalha e equivaleria perder uma importante fonte de rendimentos para os movimentos neo-warxistas. No dia que em um grupo warxista dissesse “estão perdoados” deixava de poder exigir mais massa.
PS — Fontes oficiosas revelaram, já depois deste artigo ter sido escrito, que o presumível autor do assassínio de 18 de Setembro se apelida Zhong, é de sexo e género masculino, tem 44 anos, e que o governo chinês pretende processá-lo judicialmente. Esta acusação, a se concretizar, será uma indicação de que, das duas possibilidades acima sugeridas, o homicídio de uma criança ainda é considerado um crime no socialismo chinês. Cabe às forças socialistas impedir que seja usado com objetivos demagógicos pelos conspiradores contra-revolucionários.
Us avtores* não segvew as regras da graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein as du antygu. Escreuew covmv qverew & lhes apetece. #EncuantoNusDeixam
* Vs avtoresidentificam-se como pluralidade. Com uma boa cerveja identificam-se até como multitudinários.
- Socialismo: uma visão do futuro que pertence ao passado; sistema social que elimina a cupidez da posse no campesinato, proletariado e pequena burguesia satisfazendo uma cupidez mais vasta na nomenclatura de acordo com a máxima de Warx “de cada proletário de acordo com as suas capacidades, para cada nomenclado de acordo que as suas necessidades”; organização social em que não há mandriões e que de acordo com a doutrina do camarada Xi Jiping, é completamente diferente da “ratoeira do welfarismo que encoraja a preguiça”; sistema religioso niilista motivado pelo instinto para a autodestruição que assenta nas três abolições: da propriedade, família e religião (para detalhes, ver Igor Shafarevich, The Socialist Phenomena); a sua grande vantagem é que acaba sempre por se abolir a si mesmo.
- Compaixão: um tipo de gozo com a desgraça alheia, que nos une ao que sofre com a vantagem de não nos obrigar a compartilhar uma perda.
- Warxismo: sistema político que faz guerra ao que é bom, belo e verdadeiro na Humanidade; ideologia que vê a realidade natural e social ao contrário, de pernas para o ar, tal como um M a fazer o pino; filosofia política que confunde as caraterísticas essenciais com as acidentais, e vice-versa. Os warxistas clássicos são militantes do pc; os neo-warxistas estão filiados no ps, bloco e ILiberal.
- Humano: membro da raça humana, cuja humanidade frequentemente não chega à de um animal. Não confundir com humanista18 ou humaníaco19.
- Fraternidade: sentimento desconhecido a Adão e pela primeira vez sentido por Caim.
- Revolução: processo de substituir uma tirania por outra ou, ainda melhor, uma ditadura por um totalitarismo; introdução de numa versão alternativa da lei & da ordem; alteração abrupta na forma de desgoverno; implementação de reformas radicais com a promessa, nunca cumprida, de aumentar meio grama a felicidade do povo.
- Biografia: uma forma de literatura ficcional semelhante, e frequentemente indistinguível, ao romance.
- Xi Jinping 习近平 (1953-dia da esperança): um dom Pedro Nuno com caraterísticas chinesas; dirigente carismático chinês que surgiu num momento providencial para salvar o socialismo na China e para projetar a China para glórias nunca antes vistas no socialismo; referido usualmente na China apenas como “líder“, ou mais afetuosamente entre as camadas jovens como Xitler 习特勒.
- Diplomacia: o uso para fins patrióticos da mentira & engano, da ilusão & subterfúgio.
- Demónio: ativista cujas mortandades, crueldades e esbulhos são encomiadas na comunicação social subsidiada pelo governo.
- Mais concretamente Yuènán hóuzi 越南猴子.
- Isto é, ma yi 蚂蚁, que significa, na China socialista, sem qualquer ironia, “numerosos & insignificantes”.
- Wàiguórén 外国人: expressão não nacional para estrangeiro20.
- Guǐlǎo 鬼佬: homens fantasma, o que é equivalente à mais poética expressão foreign devil.
- Rìběn guĭzi 日本鬼子: demónios japoneses ou, incluindo uma nuance mais sínica21, demónios orientais.
- Esta senhora chinesa foi depois apelidada milhentas vezes de “traidora!” nas redes sociais certificadas pelos poderes púbicos chineses.
- Embaixador: funcionário enviado a outro país para aí encarnar e tornar visível a hostilidade do seu soberano.
- Humanista: filósofo antigo que defende que a humanidade não necessita de redenção, mas acha que o redentor precisa da humanidade; termo usado por ativistas residentes em condomínios fechados que defendem a abertura das fronteiras para se referir a si próprios.
- Humaníaco: militante do pan ou organização afim que acha que a humanidade é a única responsável pelo aquecimento global, os terramotos, a extinção dos dinossauros, as erupções vulcânicas e a expansão do universo.
- Estrangeiro: pessoa que não teve a felicidade de nascer no nosso país e que é, portanto, merecedora da nossa condescendência de acordo com preconceitos baseados em princípios universais.
- Sínico: membro de uma nação cujos vícios são a arte, a cultura, o empreendedorismo, a frugalidade, a indústria, e a perícia; referente à terra onde a indústria barateia uma miríade de produtos de modo a os tornar acessíveis aos pobres em todo o mundo, até em Portugal, e torna possível que os portugueses trabalhem em gabinetes y escritórios (não nos campos ou nas fabricas); vocábulo usado para referir país cujo desenvolvimento capitalista não causa nem perplexidade a warxistas nem admiração a eurocratas, mas ressentimento & inveja a ambos e a muitos outros; não confundir com cínico22.
- Cínico: clínico a quem amputaram o “l” e sobreviveu; deficiente visual que vê as coisas como elas são, não como o governo quer; daí o costume de, em alguns povos asiáticos antigos, os clínicos amputarem os olhos aos cínicos para lhes melhorar a visão; não confundir com sínico.