Costumo dizer que admiro o otimismo da maioria das pessoas sobre a iminência de um revivalismo de se ser ocupado, ainda que só o consiga receber com uma atitude de ceticismo.

Creio que essa questão assenta, acima de tudo, sobre a clássica dialética a que o Homem está condenado no momento de percepção e/ou interpretação da sua realidade: o ato de resistir versus o ato de se adaptar. Faz parte da história da Humanidade e é algo que, sendo tão elementar, está ironicamente tão esquecido.

Este ano, dois dias depois de completar 30 anos, ingressei num doutoramento. Nesse dia, disse a mim mesma que ao nível de formação, enquanto estiver a fazer o doutoramento, não me vou ocupar com mais nada, por uma questão de maior foco e, também, melhor gestão de prioridades. Este doutoramento será conciliado com o meu trabalho. Acredito que se tivesse iniciado este desafio em 2017, teria tentado fazê-lo em simultâneo com uma pós-graduação e com uma ou outra formação complementar.

Hoje não me sinto com mais sabedoria em relação há 5 anos: apenas com mais segurança para questionar e opinar (ou simplesmente partilhar silêncios) com mais frequência sem me sentir mal por isso.

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As pessoas romantizam demasiado a ideia de que nunca têm tempo para fazer nada e, por outro lado, fazem de tudo para terem o máximo de ocupações quanto possível. Em Portugal, trabalha-se 8 horas por dia, e mesmo assim, há muitas queixas de que o dia não chega para tudo o que têm para fazer. Quando abro o Linkedin, a minha esperança é ver mais elogios a colegas, equipas e projetos; na verdade, o que vemos são tentativas de alimentar o ego com publicações sobre os sucessos individuais de cada um. O Linkedin consegue ser quase a última rede social que ainda vale a pena, mesmo assim. No entanto, as pessoas ainda se esquecem que podem fazer uso do mesmo para mostrar que a vida também é feita de fracassos antes de se chegar ao topo (como um iceberg) e que a melhor forma de nos comunicarmos para o exterior, é sendo, acima de tudo, autênticos e não perfeitos.

Nunca, como agora, estivemos tão próximos — através das tecnologias — e ao mesmo tempo tão afastados, pelo mesmo motivo. Com a pandemia, ficamos longe de alguns amigos, de alguns colegas, de alguns hábitos — os que dão verdadeiro sentido ao conceito de “influenciadores” (os do mundo real), servindo um propósito de catalisador na mudança da nossa forma de agir ou de pensar, pelo que nos ajudam sempre no abrir de portas para relações interpessoais duradouras que nos elevam a uma órbita só nossa, na qual descobrimos mais de nós mesmos diariamente. É por esses agentes de mudança que sempre acreditei que somos o somatório da manta de retalhos que é a herança individual de quem passa por nós, passando depois a sermos um coletivo, e por isso mesmo as relações interpessoais e o nosso amor-próprio é tão importante como base para uma vida equilibrada.

Se por um lado, existem as pessoas que têm apenas um trabalho e os filhos para cuidar, mas nunca têm possibilidade de estar com os amigos, porque não têm tempo; por outro, todos temos um amigo que tem tudo isso, e ainda faz um MBA, tem um trabalho em cada cidade, outro curso, viaja todas as semanas, publica em todas as redes sociais sobre a sua vida alucinante, mas parece sempre “ausente” quando está connosco, ora porque o telefone está sempre a tocar, ora porque está sempre imerso no mesmo.

Na semana passada, ouvi uma médica dizer num podcast que um estudo sugere que 80% dos motivos de consulta em cuidados de saúde primários se devem apenas ao facto das pessoas precisarem de falar e não por motivos “físicos”. É, por isso, tão importante a saúde mental não ser um tabu e as consultas de psicologia serem mais acessíveis para todos e, consequentemente, mais regulares.

Infelizmente, uma parte da população permanece distante dos verdadeiros problemas, vivendo presa numa cegueira de crenças ideológicas crónicas e limitadoras que necessitam de ser quebradas, pelo que acredito que a solução passaria por terapia e maior foco no autocuidado. Muitas das vezes o sentimento é de uma impunidade inexorável em relação ao que devemos fazer pelo nosso bem-estar – porque nos esquecemos, que se estivermos bem connosco mesmos, esse bem-estar pessoal refletir-se-á nas nossas relações interpessoais e na produtividade no trabalho. Ainda assim, o facto de estarmos confortáveis e habituados a situação, não implica que a melhor decisão seja persistir no mesmo cenário e não nos forçarmos a mudar o “ambiente” em que estamos inseridos, para que possamos crescer, evoluir e ganhar espaço em terreno fértil para sermos uma versão (muito) melhorada de nós mesmos.

Vivemos numa era em que o spectare infelizmente supera o respectare e em que a distância entre um elogio e um insulto é mínima. Vivemos numa era em que estamos perfeitamente conectados e escassamente reunidos; a era em que convivemos diariamente com pessoas sobre as quais desconhecemos que os verdadeiros motivos pelos quais julgamos as suas falhas são as mesmas falhas que insistimos em tentar corrigir em nós próprios. Um dia-a-dia de rotinas nas quais procuramos respostas urgentes para o digital, para o superficial, para o artificial e para o supérfluo, e substituímos facilmente (e erradamente) um encontro de cinco minutos na rua, por uma troca frívola e fortuita de mensagens ou e-mails. Por muito que consideremos essas micro-ações inócuas, é sempre através de micro mudanças que se conseguem, a longo prazo, grandes impactos, que embora cheguem através de um processo bilateral e de progressão não linear, valerá sempre a pena pelo investimento desse tempo que todos dizemos não ter.