Ia eu escrever sobre o novo canal televisivo Now – que muito me tem impressionado pela positiva – quando eis senão quando me desafiaram: “Porque não escreves sobre a beleza?” Fui aliás desafiada duplamente! Com efeito ontem fui à inauguração da exposição de uma artista, amiga de infância que sempre teve inclinação para as artes. Com o título “A Força que Vem de Dentro” trata poeticamente a guerra que em 2022 estalou naquele que foi o condado de Kiev, como teve ocasião de lembrar o cônsul honorário da Ucrânia, ao proferir umas palavras de enquadramento desta iniciativa que contou com o Alto Patrocínio da Embaixada da Ucrânia em Portugal.

A Luísa diz-nos o porquê da sua escolha: “O que me levou a pintar sobre a guerra foi o exemplo de superação que o povo ucraniano nos dá todos os dias, a começar pelo Presidente. “

Percorri as paredes da famosa IPSS Dona Ajuda _ que cedeu o espaço_ com essas palavras no meu coração. E não por acaso permaneci mais tempo diante de uma das peças que me feriu, com o título “Vidas  suspensas”.

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A Luísa chama as coisas pelo nome – gesto que vai caindo em desuso e que só acontece  quando não é inconveniente – e de facto detive-me diante daquelas pessoas, a olharem para mim nos olhos de forma inexplicável. Foram naquele momento a presença de  algo que fazia o meu coração estremecer, com extrema comoção.

A experimentar uma correspondência a acontecer entre aquelas cores e as fibras mais íntimas do meu ser. Cores que foram informadas, tratadas, abençoadas por alguém que tem o talento, fazendo o material acolher o espiritual.

Talento que exige ascese, e eu sei que a artista não dorme sobre o talento que tem, ou recebe, mas pelo contrário estuda e trabalha para o merecer e desenvolver. Entre Lisboa e Cucujães, no atelier e nas formações que dá e recebe, ela é a formiga da fábula de Jean de La Fontaine.

Da guerra tenho também presente outras obras e outros artistas que me aproximam da Beleza. Sim, não prescindo deste conceito porque ele é o que melhor caracteriza a experiência estética.

Então para confirmar fiz-lhe outra pergunta: “Como se pode falar da Beleza neste caso, numa Guerra?”

E, um pouco à moda de  Kafka, vem o murro no estômago:  “A guerra pode ser bela no sentido em que as pessoas nos mostram como a vida continua como se podem ajudar e cuidar uns dos outros”. Verdade que a Luísa sabe expressar nas imagens que pinta: “Tento nas imagens que pintei representar essa coragem, esse cuidar, essa beleza, que pode ser vista pelas cores. “

Mas do ponto de vista da filosofia o que posso eu dizer da beleza? Não será a beleza apenas para ser sentida, sem dela se poder falar?

É simples e não me perco pelo caminho porque mais uma vez, como sempre, procuro nos grandes filósofos razões que me satisfaçam. Não que eles me substituam, mas porque me remetem para a experiência que tenho que ser eu a fazer.

O pôr-do-sol é o exemplo que me convém. A Beleza que experimento ao contemplá-lo ensina-me a entender a Beleza como algo que me espanta, me fere, me atinge, me inquieta, e me leva até à discursividade. Contudo não há narrativa que abarque o que se experimenta ao contemplar certos fenómenos naturais.  A literatura é incansável nessa tentativa, destacando-se as obras primas nas quais reconhecemos uma grandeza inatingível.

Contudo nem tudo são obras-primas, há muitas que nos tocam também pela sua capacidade de falar (logos) à minha razão (logos), ou seja tocam-me porque me dão uma humanidade à minha humanidade.

E ao regressar à Ucrânia, ao quadro das vidas suspensas, experimento a Beleza e o conceito que dela deu S. Tomás de Aquino: a Beleza é o brilho ou esplendor da Verdade.  “A vida fica igual para todos quando nos tiram o chão debaixo dos pés”, acrescenta a minha bela amiga.  Experimento a mesma humanidade. A dela e a daqueles que ontem me deu a conhecer.