Nos últimos dias, muita gente tem escrito sobre o chamado “politicamente correcto” como algo absurdo, que inviabiliza o debate democrático. Isso está certo. Mas também não vem ao caso. Até à data, nenhum regime totalitário surgiu espontaneamente, do nada, suprimindo direitos e reprimindo dissidências. O povo tem de estar pronto para o totalitarismo. Ele tem de aprender a abraçar os seus princípios básicos e práticas voluntariamente ou sem grande resistência. Nesse sentido, mais importante do que descrever o “politicamente correcto” é saber quantas pessoas sabem como se prepara o caminho para o totalitarismo. Pelo que se vê, poucas. A maior parte pensa que o totalitarismo é um achado arqueológico, associado a guerras genocidas, impossível de implementar nas sociedades livres. Nada mais errado: o totalitarismo impõe-se, sempre que o poder se concentra nas mãos de uma pequena elite – “a vanguarda”, leninista.
A “vanguarda”, que no passado fomentou a guerra de classes para alcançar o poder absoluto do Estado sobre cada ser humano, é a mesma que hoje tenta fazê-lo através do último dogmatismo em voga, o “politicamente correcto”. O “politicamente correcto” é a sonhada Revolução falhada do século XX reduzida à mutação lexical, no sentido de que, não podendo mudar a realidade das coisas e a imperfeição da humanidade, mudam-se as palavras para indicá-las, adoptando uma nova linguagem.
Se o leitor não acredita em mim, observe as sociedades livres que vivem uma divisão exacerbada e sem precedentes e o facto de, praticamente, todas as fontes oficiais de informação e controlo de opinião estarem nas mãos da “vanguarda” politicamente correcta, incluindo as Big Techs. Observe também as actuais tendências, que se desdobram a uma velocidade vertiginosa.
Não enganam. É melhor conhecê-las se queremos evitar a erosão da liberdade e o crescimento de um poder centralizado, não? Identifiquei seis passos, que nos mostram a mão oculta da “vanguarda”, sem a brutalidade soviética, a saber, resumidamente:
1. Formação das bases
O processo que coloca as sociedades livres na rota totalitária pode durar anos, ou até mesmo décadas, e começa, regra geral, com a infiltração da ideologia totalitária em importantes áreas tradicionais de ensino. É através do controlo das instituições de ensino que os “intelectuais orgânicos” entorpecem as mentes e promovem directamente a ideologia totalitária entre os jovens. Fazem-no de várias formas, que vão desde a burocratização excessiva da vida, que permite políticas que promovem a polarização, a dependência e o isolamento humano, como é o caso das políticas identitárias, que substituíram a luta de classes; atrofiando o pensamento livre e independente com modismos educacionais que cultivam a ignorância e evitam o conhecimento, ou por meio do ataque às ciências humanas e sociais.
Quando ingressam na sociedade, a maior parte dos jovens não consegue pensar fora da narrativa distorcida totalitária, o que os torna vulneráveis à manipulação, exercida, também, pelos meios tecnológicos que são incorporados à base.
2. Propaganda
A propaganda alimenta-se de ignorância e de arrogância. Ela pode assumir várias formas, mas a manipulação orwelliana da linguagem continua a ser a chave para a reforma do pensamento. A propaganda actual assume a forma de politicamente correcto, que Mao Tsé-Tung usou para controlar a dissidência no início da Revolução Cultural. A ideia era simples: quem apoiasse as políticas do regime era considerado politicamente correcto. Quem se opusesse, era punido, atacado, morto.
A propaganda politicamente correcta funciona como uma fábrica de tendências em série, em doses liofilizadas, cuja aplicação isenta de raciocínio, economiza o esforço do julgamento crítico, induz a autocensura e a falsificação de preferências para criar a ilusão de apoio da opinião pública.
Ela é usada para dividir o mundo entre oprimido e opressor e identificar o sistema pelo qual a opressão ocorre.
Ela é usada para estender a moralidade do presente ao passado, julgar palavras e actos do passado com os olhos, palavras e preconceitos do presente, aplicando retroactivamente as lentes ideológicas a todas as eras passadas, que tiveram outras visões do mundo. É a suprema presunção de que a civilização, a idade da razão e da humanidade começaram com o presente. O resto é barbárie, pré-história.
Ela é usada para isolar a vida de um personagem a uma frase, um episódio, independentemente do contexto, para, em nome daquele particular detalhe, o difamar, demolir e decapitar a sua memória. A aberração deste revisionismo consiste na condenação de personagens falecidas, quando, no afinal, a proibição recai sobre os vivos, atingindo, por um lado, quem tem opiniões diferentes sobre a história e, por outro, afectando e inibindo historiadores, as suas pesquisas, julgamentos e interpretações.
Ela é usada para reduzir a liberdade de todos os dissidentes, antagonistas e insubordinados a “racistas”, “nazistas”, “fascistas” e assim por diante.
A lista continua.
3. Agitação social
Lenine dizia que agitação e propaganda andam juntas e são absolutamente essenciais para a revolução. O objetivo da propaganda é levar as pessoas à acção. Não à acção pacífica, mas àquela que cultiva o ódio e a frustração. É por isso que a “vanguarda” precisa sempre de alguém para odiar e quando sonha com um mundo melhor é apenas para punir a humanidade presente pelas suas imperfeições. O ódio disfarçado de ideologia leva-a a empenhar-se em manter uma grande subclasse de pessoas dependentes e ignorantes, porque isso gera sentimentos de frustração e de alienação que podem ser canalizados para práticas radicais. Fá-lo, seguindo as instruções de Lenine, ocultando sempre as suas verdadeiras intenções com encenações que parecem razoáveis ou inofensivas em si mesmas e segundo as regras de Saul David Alinsky, que aconselham acções que não gerem questionamentos na opinião pública, porque sempre que se consegue mobilizar as pessoas em torno de uma causa que faça sentido para elas, o povo ficará pronto para outras acções.
4. Controlo das instituições
A “longa marcha pelas instituições” gramsciana começou há cerca de um século e nunca mais parou. Destruir as instituições da sociedade por dentro permite ao totalitarismo preencher o vácuo. A instituição da família, por exemplo, foi totalmente desmantelada. Ontem, com a abolição do pai. Hoje, com a da mãe. A mãe tornou-se uma entidade supérflua, reduzida a um útero alugado para alegria dos casais homossexuais que querem comprar filhos. Os termos “pai” e “mãe” também estão em vias de extinção.
5. Conformidade
A conformidade baseada no medo de ser socialmente isolado é a essência do totalitarismo. Não se engane: a “vanguarda” sabe que o seu poder é proporcional ao medo incutido. E tem sido muito, como podemos ver pelo pelotão de conformistas que marcham uniformizados, indiferentes à tentativa orwelliana de remover todas as sementes de dissidência e pensamento crítico das redes sociais. Não há uma voz pública de relevo que condene este atentado à liberdade, só silêncio-assentimento, quando não um mandato para empestar o ar com este cheio nauseabundo censório que se respira. O mesmo se pode dizer da falta de coragem de historiadores para condenar, veementemente, o linchamento retroactivo de acontecimentos históricos e personagens do passado. É o seu silêncio cobarde que legitima a demência totalitária que criminaliza o passado, reduzindo-o a uma colecção de horrores. A lista podia continuar com o desejo sombrio de censura que domina os media, mas o leitor já percebeu que estamos a falar de pessoas que temem qualquer exposição ao risco, que sabem que se levantassem o véu da hipocrisia totalitária, comprometeriam o seu acesso a cargos de prestígio ou a cátedras, visibilidade na TV e nos jornais, colaborações e posições. Resta-nos a dissidência popular.
6. Solução final
Este é o passo em que a “vanguarda” revela de que é feita. É quando, em nome da igualdade e da injustiça ou do verniz humanitário, elimina brutalmente qualquer um que exponha a sua farsa. Agora, sem o Gulag. A eliminação física do dissidente foi substituída pela eliminação moral, civil, intelectual, ou seja, ele é considerado morto ou nunca vivido. É a certidão de óbito em vida.