Nos últimos 30 dias, Portugal sofreu um agravamento da poluição causada por gasolina e gasóleo. No dia 22 de Janeiro, os portugueses foram informados que o custo de tal agravamento foi contabilizado em 4 cêntimos por litro de gasóleo e 5 cêntimos por litro de gasolina consumidos. Em 4 de Fevereiro, descobriu-se que estes custos para o ambiente tinham crescido ainda mais e agora necessitavam que os impostos verdes fossem actualizados para 6 cêntimos por litro de gasolina e de gasóleo rodoviário. Será que foi mesmo isto?
O ministro das Finanças, Mário Centeno, justificou a necessidade de actualizar os impostos “verdes” com o facto de a descida no preço do petróleo ter reduzido as receitas fiscais de IVA. Poderá isto ser uma promessa de que, assim que o preço do petróleo começar a subir, o que acontecerá muito provavelmente este ano, o governo eliminará este agravamento do imposto sobre os produtos petrolíferos? Os carros mais novos irão pagar menos do que os mais velhos porque poluem menos, mas o governo quer que as pessoas comprem mais carros para gerar mais receita (página 72, OE 2016). Quer-se que os portugueses andem menos de carro, mas que haja mais carros. Talvez ter o carro estacionado seja um impulsionador de crescimento.
Já o governo PSD/CDS/PP, em 2014, achou por bem justificar o aumento dos impostos sobre a gasolina e gasóleo com o facto de os carros se terem tornado mais eficientes e menos poluentes, o que tinha causado uma erosão da base tributável (ver página 118 da Reforma dos Impostos Verdes, 2014). Trocado por miúdos, a redução de poluição tinha tido tanto sucesso que o governo decidiu castigar os consumidores por deixarem de poluir tanto e por isso aumentou a tributação “verde”. Tem lógica ou não?
Os impostos verdes em Portugal são uma das formas com que os sucessivos governos justificam aumentos de tributação. Não têm nada a ver com o nível de poluição causada, nem o nível de qualidade ambiental; têm a ver com a necessidade de justificar receitas fiscais, que são depois usadas para financiar despesas de valor duvidoso para a economia. Para mascarar o esquema, os governos invocam políticas seguidas noutros países, dando a impressão que Portugal é moderno. Seguimos políticas ambientais que os países mais ricos seguem, numa clara prova de que somos tão bons quanto eles. Isto é independente dessas políticas fazerem sentido ou não para Portugal, já que os outros países modernos poluem muito mais do que nós.
Em 2007, antes da recessão mundial, Portugal emitiu 5,8 toneladas de CO2 per capita, mas Espanha e Itália emitiram 7,9, Alemanha 9,5, e Irlanda 10,2. Os dados mais recentes de emissão de dióxido de carbono (CO2) disponibilizados pelo Banco Mundial referem-se a 2011. Vejamos esses dados combinados com o PIB per capita para a Zona Euro, em 2011:
Só a Letónia e a Lituânia emitiram menos CO2 do que Portugal, O país que mais emitiu foi o Luxemburgo, que é também o país que teve Jean-Claude Juncker, actual Presidente da Comissão Europeia, como Primeiro Ministro entre 1995 e 2013. O Luxemburgo tem o PIB per capita mais alto da Zona Euro. Graficamente, podemos ver a correlação de emissões de CO2 com o PIB per capita.
Portugal aparece um pouco acima da linha de tendência. Não há mais nenhum país que consiga um PIB per capita melhor do que o nosso dado este nível de emissões de carbono, ou seja, tecnologicamente estamos perto da fronteira do possível. Para o PIB português crescer, será difícil não emitirmos mais CO2, mas isso nem é grandemente problemático, pois ninguém visita França, Alemanha, Luxemburgo, por exemplo, e vem de lá completamente perturbado pela deterioração ambiental e má qualidade de vida dos cidadãos e todos eles emitem pelo menos 10% mais CO2 do que nós — o caso da França é paradigmático, pois mesmo produzindo cerca de três quartos da sua energia em centrais nucleares, não consegue ter menos emissões do que nós.
Nos países mais ricos, as pessoas ganham mais, sendo natural que estejam dispostas a pagar mais para manter o ambiente limpo. Impostos verdes mais altos são assim expectáveis. A protecção ambiental é uma preferência das sociedades mais ricas e é nestas muito mediatizada. Nos países mais pobres, as pessoas estão mais preocupadas com outras coisas, como ir para o emprego ou arranjar comida para a refeição seguinte. Mesmo assim, não há grande evidência que nos países ricos se sacrifique o PIB por qualidade ambiental tanto como Portugal o faz. Ou seja, é uma completa hipocrisia a União Europeia dar lições ou fazer exigências de qualidade ambiental a Portugal em termos de emissões de CO2.
Ao contrário do que muita gente pensa, o nível óptimo de poluição não é zero. Há custos e benefícios com a poluição. Enquanto o benefício for superior ao custo, não se deve ter medo de aumentar a poluição. Exacto, leram bem, poluir também está associado a benefícios. Por exemplo, para ir para o trabalho pode ser mais vantajoso utilizar um meio de transporte poluente do que ir pé, pois poupamos tempo e energia física. Também podemos pensar num exemplo extremo: se poluir o ambiente fosse sempre mau e toda a poluição fosse indesejável, então a solução óptima seria exterminar todos os seres vivos, pois todos eles causam danos ao ambiente, uns mais pequenos, outros maiores.
Poluir é um mal para a economia, mas assim como não é óptimo produzir a quantidade máxima possível de um bem, também não é óptimo reduzir a quantidade de um mal, como a poluição, a zero. A poluição não acontece sozinha, está sempre associada a outra coisa. Em economia dizemos que a poluição é uma externalidade negativa, um efeito secundário e prejudicial associado à produção/consumo de um bem, e é considerada uma falha de mercado. Quer isto dizer que, sem a intervenção do estado, os preços que nós pagamos pelo consumo dos bens não representam todos os custos para a economia, pois o mercado não tem em conta os custos da poluição associados à produção ou consumo desse bem. O papel do estado é forçar o mercado a internalizar a externalidade, ou seja, fazer com que os cidadãos produzam ou consumam o bem de acordo com todos os benefícios e custos para a sociedade associados a esse bem.
Os custos para a sociedade dividem-se em dois tipos: os custos privados, que estão incorporados nos preços de mercado, e os custos ambientais, que são o custo da externalidade negativa; no caso que estamos a discutir, o custo ambiental seria o custo que a poluição causa à sociedade. Para determinar o custo ambiental teríamos de efectuar um estudo de impacto ambiental. Por exemplo, no consumo de gasolina, o custo privado da gasolina está no preço que nós pagaríamos antes de impostos. Já o custo ambiental, seria o custo de viver num ar mais poluído, de ficar doente mais frequentemente, de algumas pessoas morrerem mais cedo, de a chuva interagir com os resíduos dos fumos e danificar edifícios, de haver dias com menor visibilidade porque o ar tem mais resíduos da poluição atmosférica, dos efeitos na atmosfera e no clima dos gases de estufa, etc. Os impostos verdes deveriam reflectir estes custos ambientais.
Nos países da Europa do Norte, emite-se mais CO2 do que em Portugal, mas nem por isso as pessoas ficam muito mais doentes do que em Portugal, ou seja, é muito improvável que, se houvesse mais consumo de produtos petrolíferos, a saúde dos portugueses sofresse muito. Possivelmente melhoraria. Um aumento do rendimento per capita associado a uma actividade económica mais vigorosa poderia, por exemplo, permitir que mais gente pudesse comprar comida mais variada e saudável e beneficiar de actividades de lazer e de desporto, melhorando a sua saúde.
Como disse acima, o imposto óptimo para uma externalidade negativa representa o seu custo ambiental. Para calcularmos o imposto óptimo, teríamos de estimar o custo da poluição. Depois, o mercado encarrega-se do resto, dado que cada pessoa apenas estará disposta a pagar se o benefício de comprar gasolina for superior ao seu custo (que está reflectido no preço que inclui os custos privados de produção e os impostos que captam os custos ambientais).O nível de imposto verde óptimo é o que compensa o custo ambiental, dada a quantidade óptima a produzir. Ou seja, o imposto óptimo é aquele que induz a sociedade a poluir apenas o nível óptimo: nem mais, nem menos:
- Se a sociedade poluir menos do que o óptimo, o PIB será mais baixo do que o desejável e teremos pior qualidade de vida. Por exemplo, no caso da gasolina, transportam-se menos coisas e pessoas do que seria desejável e isto baixa o PIB, causa desemprego, as pessoas ficam mais ansiosas, comem pior, etc.
- Se a sociedade poluir mais do que o óptimo, as pessoas ficam mais doentes, o ambiente mais poluído, o que também diminui a qualidade de vida. Quando se polui demais, o PIB até pode aumentar porque estaremos a corrigir problemas, mas o custo de correcção excede os benefícios de termos poluído tanto, logo não cria mais riqueza líquida, apenas se gasta mais. Gastamos mais em medicamentos, o custo de manter os serviços de saúde é mais alto porque há mais doentes, etc. Um aparte: essa é uma das críticas que se faz ao PIB — não contabiliza muito bem as actividades de correcção de externalidades.
Nada desta informação nos é dada quando os governos decidem mudar a fiscalização verde da gasolina, logo podemos concluir que o impacto da poluição não foi estudado de forma a determinar qual o imposto que causaria menos danos para a economia. Em vez disso, insiste-se em aumentar os impostos verdes para manter níveis de receita fiscal desejáveis. Mesmo se o objectivo fosse apenas aumentar a receita de impostos, ao poluirmos um pouco mais poderíamos diminuir o desemprego e aumentar o rendimento per capita mais depressa, sem por isso sacrificarmos grandemente nem a saúde dos portugueses, nem a qualidade ambiental, nem as receitas fiscais, pois o crescimento do IVA, IRS, e IRC, TSU, etc., compensariam a descida dos impostos “verdes”. E ao termos menos desemprego, o estado também teria menos custos nos programas sociais de apoio ao desemprego.
O imposto verde deve ser igual ao custo ambiental, logo não faz qualquer sentido aumentá-lo ou reduzi-lo consoante o preço do petróleo diminui ou aumenta. O preço do petróleo está reflectido nos custos de produção de gasolina e é um custo privado. Que os governos manipulem o imposto ao sabor do preço do petróleo é a prova empírica de que a fiscalidade de verde não tem nada. O objectivo da fiscalidade chamada “verde” em Portugal é gerar receitas fiscais a curto prazo, não há qualquer consideração pelo ambiente, nem pela economia.
A autora tem um Ph.D. em Economia Agrária na área de Economia Ambiental e Gestão de Recursos Naturais, e uma especialização em Estatística. É DirectorofResearch na Tlaloc Capital, em Houston, TX (EUA). A opinião da autora não reflecte necessariamente a opinião da empresa onde trabalha.