E pronto, o elefante entrou na sala. Apavorados, PSD e PS agarram-se um ao outro, esquecendo, por agora, as desavenças dos últimos anos, dando prioridade ao salvamento da realidade que conhecem por recearem a outra realidade que empurrou o animal para os salões. A mudança, que mais não é do que estado natural das coisas, apesar de muitas vezes parecer adormecida, lá emergiu e abalou as cabecinhas dos donos deste regime que chegou ao fim de linha.

Os sinais vinham sendo dados há muito. Começou com o BE. Irreverente, desgoleirado e azedo, o BE atraiu o radical com conversa pseudomoderna de Bairro Alto e que ia prosperando nos meios académicos das sociologias de Lisboa e demais centros desequilibrados de Coimbra. Mas por só ter patetices para oferecer acabou por estacionar nos 5% apesar de todos os ventos favoráveis.

Recentemente apareceu o Chega e a IL. Ambos aproveitaram bem os disparates do CDS, onde os tiros nos pés dos actuais incumbentes, duros de cabeça, conservadores até à medula, praticantes regulares de fogo amigo (que o diga Passos Coelho e Rodrigues dos Santos; cuidado Montenegro) e desconhecedores da mensagem do fundador (“A moderação na política serve-se da mudança para evitar a ruptura”), trataram de provar que a mensagem estava certa e que também incluía o próprio partido. E apesar do exíguo espólio eleitoral do CDS, pertencente de um grupinho de compinchas, houve o suficiente que servisse de rampa de lançamento para o que depois veio a acontecer.

E o que veio a acontecer, e que atormenta as almas, é explicado parcialmente pela evolução diferente destes dois intrusos no dia 10 de Março. A IL, semi-desgoleirada, mas com tino no essencial, a economia, surpreendeu ao abraçar os mesmos defeitos do CDS do Paulo, parecendo embirrar com qualquer ideia que soe diferente da dos incumbentes daquilo. Talvez por isso algum entusiasta IL se tivesse aborrecido com o apoio imediato de Cotrim a Rocha, e subsequente desfeita feita a Castro, e acabasse por votar útil na AD, impedindo assim que mais voto na IL desse mais força a esse liberalismo que realmente faz cá muita falta. Cumulativamente, a IL deu também ares de estar muito sequiosa de saltar para dentro do barco deste sistema. Não que a pretensão à governação seja pecado, mas ficou-se com a ideia, nada liberal, de que se iam atirando mais com aqueles trejeitos de quem quer só ir para lá, e menos com a verve de quem quer entrar sem cerimónias para realmente mudar. “O futuro está nesta mesa” soou mais a um cenário à DDT e menos a uma vontade profunda para mudar, e as gentes deste lado político já disseram que escola deste CDS, não obrigado. Ainda por cima com aromas wokistas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Já o Chega, sem pruridos, e com toda a aparência de querer mudar qualquer coisa (é bom que assim seja, senão também experimentarão um pontapé), dilatado para lá da medida, e talvez surpreendido pela imensa inépcia e previsibilidade de todos os incumbentes do regime, desde partidos à comunicação social, passou a mensagem de que quer mesmo mudar o estado a que chegámos. E é esse facto, e não qualquer outro argumento que os senhores dos últimos 50 anos se esforçam por verberar, e que mais não fazem do que revelar a jactância típica dos que se acham, que determinou a engorda do animal.

E assim, chegada toda esta nova mole à Assembleia da República, e mal o árbitro deu o pontapé de saída, foi vê-los danadinhos em busca de provas de vida. Ventura, cheio de genica, aproveitou logo o golo na própria baliza de Rangel e o fogo amigo de Melo (saudadinhas, hem), disparando para o próximo alvo, o PSD. PNS, muito mais bem secundado pelo seu partido do que o paralisado Montenegro, astuto, e já com o olho nas próximas eleições, não enjeitou a oportunidade para marcar pontos. Primeiro, esforçando-se por passar a mensagem de sensato, uma impossibilidade que só os iludidos compram. Segundo, ao colocar o tempo de vida do governo dependente da conveniência do PS, uma habilidade do socialismo pós Soares. Os outros, os malucos, coitados, à parte do articulado professor de História, já ninguém os ouve. No processo, Aguiar Branco, com postura sénior e muito enfiado na sua cadeira, até cumpriu. Pacheco de Amorim terá de olear o discurso.

E é assim, em plena polvorosa política, que Portugal dá os primeiros passos no ajustamento que faltava, o ajustamento político, pois que os outros dois ajustamentos, o financeiro e o económico, estão bem adiantados. Nas finanças temos a ditadura do excedente, e na economia temos as exportações elevadas a totem. E é este ajustamento político que os portugueses esperam que seja levado a cabo em algum ponto, pois o actual regime deixou um legado tal que a curiosidade actual é sobre como os livros de História de 2086 irão abordar nas suas páginas os 75.800 euros encontrados nas caixas de vinho e estantes de livros na residência oficial do PM, as malas daquela “coisa que eu gosto” transportadas de Lisboa para Paris, ou ainda como interpretar o verdadeiro significado das palavras de um proeminente líder político na sua despedida de líder do partido quando disse, à boca cheia, num congresso, para não se judicializar as relações com Angola. Ou ainda como é que as sucessivas e volumosas imparidades, esse eufemismo de prejuízo, estavam sempre relacionadas com as empresas e actores ligados ao regime.

É tudo isto, e muito mais, sejam os malefícios da insana agenda wokista, ou ainda a evidente rampa deslizante do SNS e da escola pública à custa de fanatismos ideológicos, ou as perspectivas sobre os montantes das pensões futuras, completamente reféns de um modelo cujas determinantes do sucesso no passado já não se verificarem, ou ainda os inenarráveis espectáculos das comissões de inquérito, que mais não fizeram do que revelar o verdadeiro “brilho” dos podres que se julgavam a nata da nata, que revoltaram os portugueses e os fizeram empurrar o Chega para dentro da sala. Não, não se tratou de ir atrás de uma quimera, moda internacional, ou um qualquer D. Sebastião. Antes, tratou-se muito mais de passar a mensagem de que o regime tem mesmo de mudar, coisa que aos incumbentes muito assusta, ou não fosse a natureza humana feita do mesmo barro vai para milénios.

Neste processo de mudança que se impõe, roga-se, para efeitos de suavidade do mesmo, que os incumbentes se abstenham de proferir disparates e de cometerem muitos erros. Optar por falatório desdenhando arrogantemente os votantes do Chega, ou optar por subtilezas várias para os trazer de volta ao “bom caminho” através de propagandeadas distribuições de amendoins, ou esperar sentado pois isto vai ser como foi com o PRD, será contraproducente e dará asneira. Frases patéticas como as de Pinto Luz ao dizer que “temos de acarinhar esse eleitorado”, ressoam muito mal e têm péssimo acolhimento. Esse eleitorado não quer carinho nenhum. Fartou-se, quer mudança, quer ser tratado como adulto, e começa a estar demasiado inconformado.

Por isso a mensagem foi clara. É mesmo para mudar. É para acabar com o modelo de seita em que os partidos se tornaram. É para conversar com quem quer mudar e não negando o diálogo como instrumento das Democracias maduras. É para se ser mais aberto e abandonar os pedantismos de matrona ressentida. É para reflectir sobre a infelicidade das linhas vermelhas impostas pelos principais responsáveis do estado a que chegámos, e para quem a mudança é muito mais dolorosa do que arrancar um dente a sangue-frio. É também impedir a destruição de uma sociedade liberal de matriz judaico-cristã, a verdadeira raiz que levou à construção das sociedades mais evoluídas que jamais existiram à face da terra, e nunca para brincar à sociologia com os filhos dos outros enquanto se pensa, de régua e esquadro na mão, como melhor desenhar a sociedade de acordo com último devaneio, ou enquanto se atropela o Estado de Direito com a colonização do Estado por um bando (já agora pede-se ao Governador do Banco de Portugal que fale substancialmente menos, ou, idealmente, que venha a ser substituído por alguém verdadeiramente independente).

Isto é simples. Por isso recomenda-se pouco póquer político, esquemas e outros calculismos. Sentem-se, conversem, e deixem-se de tretas. Senão quando o PS achar que sim a relação de forças pode acabar por se revelar bem diferente. E nessa altura acreditem que se vai falar, quer se queira, quer não.