Em 1947, George Orwell disse-nos porque escrevia: porque tinha coisas importantes a dizer. Não sendo Orwell, e não sendo escritor, também eu escrevo porque há factos importantes para os quais quero chamar a atenção.

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Os resultados da atividade doméstica apresentados pelos seis maiores bancos no final do 1º semestre de 2020 evidenciam quedas muito significativas em relação ao ano anterior. O ROE deste conjunto de bancos, embora muito influenciado pelo elevado prejuízo de um deles, voltou a ser negativo.

 Não é de estranhar a queda dos resultados e é muito provável que se intensifique. A atual crise e os seus impactos levaram os bancos a efetuar um reforço de provisões/imparidades. Apesar de o setor bancário se apresentar muito melhor preparado para enfrentar choques adversos, é irrefutável que a brutal recessão provocada pela Covid-19 terá efeitos profundos, afetando inevitavelmente a banca.

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Sendo o incumprimento do crédito um indicador retardado das recessões, é quase certo que o volume de imparidades se venha a tornar mais significativo no próximo ano, em especial findo o período de vigência das moratórias.

A dimensão dos impactos e o seu reflexo em termos de imparidades estará muito dependente do nível de apoios públicos dados a famílias e empresas e da clarividência com que se olhe para o papel decisivo e insubstituível dos bancos na superação das dificuldades e na retoma da economia.

Não há uma economia pujante sem uma banca saudável, resiliente e rentável, preparada para a apoiar nas suas necessidades de financiamento. Ter um setor bancário estável é essencial para assegurar a competitividade de uma economia e, mesmo, a soberania de um Estado.

Sendo a rentabilidade determinante, por um lado, para a geração orgânica de capital (elemento essencial para que um banco possa operar) e, por outro, para atrair o interesse de investidores no setor (particularmente crítico se se verificarem situações que requeiram aumentos de capital), é difícil de explicar que, num momento como o atual, se adotem no nosso país medidas que condicionam ainda mais a capacidade de o setor ser rentável, competitivo e inovador, ao aumentar custos e reduzir proveitos, como foram os casos recentes do novo imposto aplicado exclusivamente à banca – o Adicional de Solidariedade – e das iniciativas legislativas de limitação de comissões legitimamente cobradas.

Acresce que, em vez de se procurar garantir que a nossa banca dispõe de condições que lhe permitam concorrer em pé de igualdade com a restante banca europeia, se continua a penalizá-la, diminuindo a sua capacidade de inovação e de atração de investidores, e afastando-a do tão desejado level playing field europeu.

São ainda particularmente gravosos os sinais (de desvios a princípios fundamentais da economia de mercado) que se passam para os investidores estrangeiros, especialmente num momento, como o atual, em que são vitais quantidades brutais de novo investimento (re)produtivo privado.

Infelizmente, não tem prevalecido a racionalidade, nem a visão da importância determinante do setor bancário no crescimento económico e no aumento da prosperidade do nosso país e dos seus cidadãos. É imprescindível ter presente que o pior que podia acontecer no nosso país era assistir a uma crise financeira a seguir à atual.

2 Porque é que isto acontece?

Com base na perda de reputação (principalmente a que resultou dos casos conhecidos que levaram ao colapso de instituições bancárias e à necessidade de intervenção do Estado para assegurar a estabilidade financeira) e numa animosidade latente em relação ao setor bancário, temos assistido a um aproveitamento populista da imagem da banca. Se este pode ser compreensível vindo daqueles que tradicionalmente rejeitam a economia de mercado e são hostis ao capital e à banca privada, como entendê-lo quando parte dos que pretendem que, em Portugal, haja um setor privado competitivo que desempenhe um papel motor no desenvolvimento económico-social do país?

Em Portugal temos, desde há muitas décadas, uma escassez de capital privado, o que tem acentuado a importância do setor bancário na resposta às necessidades financeiras do tecido empresarial. Os bancos foram decisivos para suprir insuficiência de capitais próprios de muitas empresas. Também relativamente às famílias portuguesas, os bancos têm desempenhado um papel crucial, proporcionando-lhes créditos para adquirirem habitação própria, num país em que o mercado de arrendamento não é uma opção efetiva, e oferecendo serviços de pagamento de qualidade, segurança e comodidade. E também, ao participar decisivamente nos investimentos públicos e privados, contribuindo para a modernização do país.

Os bancos têm sido, desde há muitos anos, com profundo sentido de responsabilidade social, um verdadeiro motor da economia, do desenvolvimento do nosso país e do bem-estar dos cidadãos.

É importantíssimo que isso seja compreendido.

No entanto, o foco nos aspetos negativos tem vindo a prevalecer sobre os imensos benefícios e serviços que os bancos têm aportado a Portugal e aos portugueses. O preconceito contra a banca, as situações negativas do passado recorrentemente revisitadas (a par de uma cultura de suspeição e culpabilização prévia) causticam todo um setor que levou a cabo um enorme trabalho de recuperação no pós-crise da dívida soberana e vem dando provas inequívocas do seu empenho e esforço em apoiar a economia e as famílias, ajudando a minorar os efeitos da atual crise.

3 O sistema bancário vai ser determinante para ultrapassar as dificuldades do presente e promover a prosperidade futura. É, e será, certamente, parte fulcral da solução.

Quando Portugal enfrenta uma das mais duras batalhas de que há memória, a banca é imprescindível, financiando projetos e empresas, concedendo crédito às famílias, encontrando soluções para não deixar cair empresas viáveis, continuando a desenvolver um ágil e moderno sistema de pagamentos, sem nunca deixar de proteger o dinheiro que os depositantes lhe confiam.

Os bancos têm estado à altura dessa missão. Logo no início da crise tomaram um conjunto de iniciativas próprias e deram contributos importantes às autoridades para que se desenvolvessem medidas de apoio à economia e aos cidadãos mais afetados pela crise. São disso exemplo as moratórias, a suspensão ou redução de comissões por prestação de serviços, especialmente nos pagamentos e transferências, a participação nas linhas de crédito garantidas, a concessão de créditos não contemplados por essas linhas, o esforço significativo para atuar com maior celeridade e eficiência, garantindo a todo o momento a segurança dos seus colaboradores e clientes. O aumento da concessão de crédito no primeiro semestre por todos os seis maiores bancos, comparativamente ao ano anterior, mostra bem o e empenho dos bancos no apoio à economia.

Face ao atual contexto, os agentes económicos precisam, com redobrada importância e urgência, de contar com um sistema financeiro saudável e moderno. Por sua vez, os bancos querem continuar a ser motor crucial do desenvolvimento do país. Às autoridades e forças políticas importa garantir que o enquadramento é ajustado a estes novos tempos, criando condições que permitam ao setor bancário contribuir para uma mais rápida e robusta retoma económica. Os cidadãos comprometidos com a prosperidade do país esperam que o sistema bancário aguente a crise sem sobressaltos e ajude à sua ultrapassagem.

Há que fazer tudo para que isso aconteça.