A separação entre Esquerda e Direita remonta à Assembleia Constituinte, criada pelo terceiro estado no apogeu da Revolução Francesa, separação que, à luz da política contemporânea, é profundamente redutora, e até anacrónica. Do lado direito, uma pequena parte do ancien régime (aristocracia, nobreza e clero) e os girondinos, alguns dos quais jacobinos reconvertidos que desertaram da versão radical em que o clube se havia transformado. Do lado esquerdo, “A Montanha”, os enragés em defesa dos sans-cullotes e dos jacobinos radicais, de onde despontou Robespierre e as guilhotinas do Reino do Terror (que, ironicamente, também lhe levaram a cabeça). Ao centro sentava-se, por exemplo, Frederic Bastiat, liberal que votava ora à esquerda, ora à direita.

Hoje, seriam precisas várias bancadas na vertical e na horizontal para situar o posicionamento político contemporâneo na Constituinte de 1789. Na sua forma mais simples, duas. Uma que posicione as liberdades civis, que oscilaria entre uma visão mais libertária ou mais autoritária. E outra que descreva a posição face à economia, mais orientada ao intervencionismo estatal ou mais orientada à ordem espontânea, à catalaxia ou ambiente cooperativo, que surge da existência de mercados livres e da acção dos indivíduos. Ora, em 1789, numa economia profundamente agrária, os problemas económicos não eram propriamente relevantes, até porque eram virtualmente inexistentes (excepto, claro, o eterno problema das finanças públicas, motivo que terá certamente catalisado o fim do regime — o então ministro das finanças, Jacques Necker, que o diga). O debate travava-se assim na esfera das liberdades civis, que eram poucas ou nenhumas para a vasta maioria da população, camponesa e a trabalhar para um qualquer suserano. Era a luta entre um regime absolutista, estratificado e feudal, e um regime onde todos são iguais perante a lei, e que os mais radicais pretendiam extremar até à igualdade material.

Debeladas as grandes causas da Revolução Francesa, o debate que se trava hoje, pelo menos num país conhecido pelo seu progressismo em matéria de liberdades civis como é Portugal, é também económico ou até mesmo apenas económico: maior ou menor intervenção do Estado na economia. Curiosamente, conseguimos encontrar adeptos do intervencionismo estatal tanto à esquerda como à direita, como conseguimos encontrar adeptos do liberalismo económico à esquerda e à direita, sendo que a direita tradicional portuguesa é, por defeito ou feitio, simpatizante de um estado interventivo. Concordemos, porém, em distinguir que para a esquerda o igualitarismo é um fim em si mesmo, enquanto que para a direita não. Para a direita, a prosperidade alcança-se pelo progresso económico e não pelo papel mais ou menos interventivo do Estado, que apenas deverá garantir que o campo do jogo não está inquinado, amparando quem efectivamente precise. Com efeito, a direita não renega essa igualdade material, desde que resultante de um processo natural, espontâneo — a igualdade material que deu origem à classe média resultou do desenvolvimento e do crescimento económico pós-Revolução Industrial, tendo sido o Estado pouco mais do que um observador. Se outras distinções são menos óbvias, esta é relativamente consensual.

Historicamente, o PSD pertence a apenas uma destas realidades, embora haja quem o tente empurrar para a outra. Produto do 25 de Abril e da social-democracia, ideologia cujo objectivo (pecado) original era alcançar o marxismo pela via democrática, não revolucionária. Todos os partidos sociais-democratas europeus, e o PSD não é excepção, rapidamente abandonaram esta visão de Rosa Luxemburgo e de Bernstein, este último que julgava ter expurgado da teoria marxista a metafísica Hegeliana. A origem anti-fascista, anti-comunista e anti-monárquica (as três setas do partido social-democrata alemão, que ficaram particularmente conhecidas com a Frente do Bronze, que as desenhava em cima das suásticas nazis) do PSD também está ela desactualizada. O nazismo, felizmente, eclipsou-se. O comunismo está em vias de, e Portugal deixou de ser uma monarquia faz mais de um século. Sobra então a visão personalista, burguesa, de liberdade perante o Estado, da primazia do indivíduo.

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A corrida à liderança do PSD reabriu o debate sobre qual deverá ser o posicionamento do partido. Uma corrente interna, e também uma externa, quer recentrá-lo à esquerda (a combinação das palavras é intencional; em Portugal o centro político está à esquerda), onde a concorrência é vasta e o contributo para o país é reduzido. Clamam por um PSD que volte à tal matriz social-democrata, embora não se perceba bem o que tal possa ser no século XXI. Na prática, significaria ocupar o espaço que um PS mais moderado deixou livre ao ocupar a área política que geralmente pertencia ao Bloco de Esquerda. O PSD não pertence — nunca pertenceu — a esta esquerda. Se não está à esquerda, e mesmo com todas as limitações do binómio, estará algures à direita. Que direita?

Uma direita desassombrada, que não se acanha e não tem medo de dizer que não é de esquerda — que é direita. Não uma direita da juventude de Marcello Caetano, quando contribuía para a Ordem Nova, revista que se afirmava “anti-moderna, anti-liberal, anti-democrática e anti-burguesa”, entre outros epítetos. Não uma direita salazarista, do “Deus, Pátria e Família”, um pequeno reduto além plantado do “Tudo pelo Estado, nada contra o Estado”. Não uma direita de Rolão Preto e do integralismo luso, uma versão indígena do arianismo e da supremacia branca. Não uma direita beata, que verte na sua ética e na sua política apenas a moral da religião. Não uma direita populista, que faz do discurso anti-elites a sua força motriz.

Precisamos, sim, de uma direita moderna, liberal, democrática e burguesa, que tem as suas raízes na classe burguesa, hoje classe média, que nasce com a Revolução Industrial e com a Revolução Francesa, e não num qualquer projecto torpe de socialismo. Uma direita que representa os self-made men, os homens e as mulheres que não vivem do Estado nem para o Estado. Uma direita que não tem medo de se declarar defensora indefectível das liberdades individuais, do indivíduo sobre o Estado e não do Estado sobre o indivíduo, feroz apoiante de uma carga fiscal baixa que lhe permita tomar decisões autonomamente sem requerer o aval e o dispêndio público, e, por isso, uma direita que não tenha medo de ser apelidada de “neoliberal” — seja lá o que isso for.

Esta direita é muita coisa, mas não é de esquerda. E talvez por isso seja tão difícil de a encontrar em Portugal. Mas existe uma maioria silenciosa que se revê nesta direita. Essa maioria silenciosa não pode votar nas primárias do PSD, conquanto haja um candidato que se reveja minimamente nesta matriz desalinhada, mas pode fazer ouvir-se. Pode enviar emails, partilhar nas redes sociais, partilhar com os amigos e com os conhecidos. Essa direita existe, quer votar, mas não tem onde o fazer. Se o PSD se reformular à imagem do PS, como que uma extensão, um apêndice, um PS+D, poderá ter por certo que as pessoas preferirão sempre o original à cópia. Em Portugal não há espaço para outro PS. Pelo contrário, o que Portugal precisa é de um partido capaz de ser contra-poder, e essencialmente capaz de ser poder. Ou isso, ou correrá o risco de desaparecer.