Baixar o IVA da eletricidade não contribui para melhorar a competitividade das empresas, tem efeitos distributivos muito duvidosos e é contrário aos esforços de melhoria ambiental. Há outros impostos e taxas sobre a energia cuja descida seria mais interessante. E existem todos os outros impostos (sobre o trabalho, capital, património, etc.), cuja diminuição pode ter efeitos mais benéficos.
Partindo de uma base de orçamento equilibrado e de perspetivas de crescimento da economia, há espaço para baixar taxas e impostos e/ou para reforçar despesas de investimento na saúde, educação, cultura, ciência ou inovação. Mas esse espaço é limitado.
Qual deverá ser a nossa prioridade para 2020? Esquecer todos os assuntos que têm dominado a discussão política do último ano (como as necessidades de despesa na saúde e educação, ou de reforço do investimento público, baixa do IRS, ou de melhoria das carreiras dos funcionários públicos), e utilizar uma parte importante da margem existente para baixar um único imposto, reduzindo o IVA da eletricidade de 23% para 6%?
Neste artigo defendo que essa seria uma má opção, por várias razões, nomeadamente, porque a descida do IVA da eletricidade: 1) não contribui para a competitividade das empresas; 2) não promove de forma eficiente a equidade; 3) é contrária aos objetivos ambientais amplamente defendidos; 4) está associada a uma perda de receita que implicaria que o orçamento de Estado para 2020 deixaria de ter espaço para desenvolver outras prioridades.
1. – Ao contrário da descida de outros impostos, por exemplo os que incidem sobre os fatores, incluindo alguns dos que incidem sobre a eletricidade, a descida do IVA da eletricidade não melhora a competitividade das empresas, sendo estranho que esse fosse a descida de tributação escolhida por partidos como o PSD, CDS e Iniciativa Liberal, que têm enfatizado a necessidade de baixar os impostos para aumentar a competitividade da economia. Se esse é o argumento, como justificar escolher baixar um imposto que em nada melhora a competitividade das empresas?
Há várias taxas e impostos que incidem sobre a eletricidade, incidindo sobre as empresas e famílias (IVA, CIEG, contribuição audiovisual, IEC e a taxa de exploração DGEG). No caso do IVA, como a eletricidade é um input e o imposto incide apenas sobre o valor acrescentado, as empresas já hoje recuperam o montante de IVA pago. Assim, a descida do IVA sobre a eletricidade não contribui para melhorar a competitividade das empresas portuguesas, ou para baixar os seus custos de operação.
Este facto significa que escolher baixar o IVA, em vez de baixar qualquer outro imposto sobre a eletricidade, implica escolher perder receita com o único elemento da carga fiscal sobre a eletricidade que não se reflete nos custos das empresas. Uma escolha a meu ver errada.
2. – A descida do IVA na eletricidade não beneficia de forma idêntica todas as famílias. A descida de 23% para 6% pode significar uma poupança de 2 euros para as famílias que têm a tarifa social, uma poupança de 5 ou 6 euros mensais para famílias de rendimento mediano, e poupanças de 50 ou 60 euros mensais para famílias que estão entre os 10% com maior rendimento. Neste sentido não é difícil pensar em alternativas de redução fiscal, ou de reforço de apoios sociais, ou de prestação de serviços públicos, que sejam mais equitativas. Isto faz com que o facto de alguns partidos de esquerda surgirem a apoiar a redução do IVA, colocando-a à frente de outras alternativas, surja como algo estranho ao que dizem ser as suas prioridades.
3. – A questão da tributação coloca-se também a nível ambiental. A tributação sobre o consumo de energia incentiva à moderação do consumo. Mesmo tendo Portugal cerca de 60% da produção com base em renováveis, o consumo adicional feito pelas famílias terá sempre um efeito incremental na emissão de gases. Num momento em que praticamente todos os partidos assumiram um compromisso com a redução de emissões de gases com efeito estufa, e sabendo que a produção de energia é uma das mais importantes fontes de emissões, a redução de impostos sobre o consumo de energia é contrária aos objetivos ambientais assumidos.
Já no que se refere aos impostos que incidem sobre a indústria, o efeito pode ser mais complexo. Se um produtor de componentes deixar de produzir em Portugal, a produção dessas componentes será deslocalizada para outro país. Taxas elevadas sobre a energia podem fazer deslocar a produção intensiva em energia, de Portugal para países com menor proporção de produção com renováveis, aumentando assim as emissões a nível mundial. Neste sentido, a diminuição dos impostos sobre a energia que recaem sobre os produtores, no caso português, pode, em alguns casos, ter efeitos ambientais positivos. No entanto, como vimos a diminuição do IVA, ao contrário das restantes taxas e impostos, apenas incentiva o aumento do consumo e não contribui para atrair ou reter produção em Portugal, pois não reduz a fiscalidade sobre as empresas.
4) No primeiro semestre de 2019 os preços da eletricidade em Portugal diminuíram 4% face ao ano anterior, registando a segunda maior descida da União Europeia. As tarifas de acesso diminuíram cerca de 16%. Esta diminuição do preço por KW e das tarifas de acesso já tinha começado em 2018, e resultou do trabalho feito na redução de rendas, nomeadamente nas questões da interruptibilidade, na redução dos encargos com a garantia de potência, na diminuição dos encargos com os CMEC, na diminuição dos juros da divida tarifária, e também de uma medida fiscal: o ter-se utilizado a receita da CESE para baixar as tarifas.
Depois de mais de uma década em que os preços por KW e as tarifas de acesso subiram todos os anos, o atual Governo conseguiu assegurar, em ter em três anos consecutivos, descidas do preço da eletricidade, para as famílias e para as empresas, o que é positivo. Estas descidas foram ainda mais marcadas para os cidadãos com menor rendimento, por se ter conseguido, em 2016, alargar a tarifa social, passando de 100 mil para 800 mil famílias a beneficiar da redução de 33,8% do preço da eletricidade. Estes resultados foram conseguidos sem encargos adicionais para os contribuintes, nem encargos futuros para os consumidores, uma vez que ocorreram em paralelo com a redução de mais de 1,8 mil milhões na divida tarifária.
No final, os preços da eletricidade, se comparados com o rendimento médio dos portugueses, são ainda muito elevados. É preciso continuar a trabalhar para reduzir as rendas e aumentar a eficiência no mercado da energia elétrica, o que hoje, com a evolução tecnológica nas energias renováveis e com o aproximar do fim de alguns dos contratos que mais oneram o sistema, é possível realizar.
É perfeitamente razoável defender a redução das taxas e impostos que recaem sobre a energia. O que aqui defendi é que, se reduzirmos esses encargos fiscais devemos: a) começar pelas outras componentes de taxas e impostos sobre a energia e não pelo IVA, fazendo com que essa redução possa contribuir para a competitividade, e possa ser mais equitativa; b) devemos ter a consciência de que a diminuição de receita que existir limita outras eventuais diminuições de impostos, eventualmente mais interessantes para a competitividade ou para a melhoria da equidade, e limita a capacidade de se investir e melhorar os serviços públicos.
A redução de receita que resultaria de diminuir o IVA de 23% para 6% comprometeria todo o exercício orçamental de 2020, limitando fortemente o espaço para desenvolver as prioridades de política fiscal que foram defendidas pela quase totalidade dos partidos políticos (como o investimento público ou a despesa em saúde), para além de não promover a competitividade, nem a equidade, e ser contrária aos objetivos ambientais que todos apregoam. Seria assim, uma má decisão.
Ex-Ministro da Economia, Professor da Universidade do Minho