Os números são, em Portugal, entidades místicas. Como numa sociedade numérico-panteísta. Quanto maior o número, maior a devoção. E os “projectos”, ideias para sermos mais precisos, quanto mais grandiosas, mais dignas de adoração. Foi sempre com sentimentos de grande misticismo que recebemos as notícias que nos diziam que a ponte ferroviária sobre o Douro era o maior vão do mundo, que a Vasco da Gama também não lhe ficava atrás em grandiosidade, só talvez as pirâmides e mesmo assim apenas a de Quéops. Não é para estranhar que o “novo” aeroporto seja pensado como o maior “Hub” aeroportuário. O facto de uma maioria de 95 em 100 não fazer ideia do que é um “Hub” é apenas um pormenor que deve ser ignorado. Também pormenores foram o facto de “o maior vão” ter tido um significativo custo acrescido a uma solução menos homérica, com os pilares mais próximos. Eu, pessoa de pouca visão destas exclusivas maravilhas lusas, fico mesmo atemorizado com as promessas de grandeza. Por norma têm acabado por se pagas pelos suspeitos do costume – os contribuintes – e noutras ainda se acrescenta aquela palavra que não se pode dizer (bancarrota).
O número mais recente, tirado de uma cartola dourada, é o número 300. Mais especificamente 300 milhões, o valor que, segundo a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) perdemos diariamente por ainda não ter sido feita a obra digna de Ramsés IV, o aeroporto. Ocorreu-me pegar neste número sagrado e juntá-lo a outros. Aos 100€/ dia que, em média um turista gasta em Portugal. Ou seja, os 300 milhões diários vão trazer, em charters, 300.000 turistas/dia (valor obtido através da operação cósmica da divisão dos dois números). Se, outro número, os turistas ficam em média (outra grandeza matemática) cerca de 7 dias em Portugal, em cada semana acrescem 2 milhões de turistas, um pequeno aumento de 20% da população. Outra divisão que teria de ser feita é a das 457 818 camas (Pordata) de oferta turística que Portugal tem pelos 2 milhões, qualquer coisa como 3 pessoas por cama. Sempre se ganha em intimidade.
A CTP, certa e segura de números ainda mais maravilhosos, poderá (deverá) ser a fazedora do novo aeroporto. Com os ganhos de 300 milhões/dia conseguirá pagar os 8 mil milhões em escassos 26 dias, o que lhe garantirá o financiamento em qualquer sindicato bancário sem ter de pedir ao povo, que não tem asas, que pague com os seus impostos esta barbaridade de que não vai usufruir.
Devo ser muito pessimista ao não ver a luz nesta ideia, talvez seja de termos o sétimo mais baixo PIB per capita da UE.
Ainda convinha que me dissessem, os defensores do novo aeroporto, em vez de optimizarmos os que temos, o que pensam que será o tráfego aéreo dentro de 15 anos, com as limitações ambientais. E como vamos construir mais 1,5 milhões de camas. Ou como vamos coabitar no dia a dia com este acréscimo de população, se os actuais já tanto irritam os lisboetas. Ou onde vamos arranjar mão-de-obra para dar apoio a esse turismo se já nem para os actuais existe.
E outro exercício numérico que proponho é as alternativas para o emprego destes valores. As alegadas 70.000 casas em falta em Portugal custariam 10 mil milhões. Implementar um plano para resolver as carências da água custa 4,5 mil milhões na bacia do Tejo e talvez outro tanto no Alentejo e Algarve. Podemos pensar noutros como as carências na saúde ou na educação. Mas será que vale a pena?