Ao fundo da rua nasceu um carvalho. Cresceu para se tornar uma forte, nobre e saudável árvore. Sobreviveu aos incêndios de 2017, ao furacão Katrina, triunfando sobre as espécies infestantes, cujos donos dos terrenos se obrigam a cortar todos os anos. Transformou-se num dócil e jovem gigante, pleno duma vida verde que caracteriza as nossas florestas autóctones do centro e norte do país. Com o tempo e a idade, cresceram por ele acima, pelo seu tronco e ramagem, musgos e líquenes, os pássaros encontraram casa entre os seus galhos e folhas e os insectos (muitos e bons) transformaram-no numa entidade única, um ecossistema complexo de vida e muitas vidas, enraizados numa entidade só. Para além desta faceta natural, a sombra deste formoso, jovem e bravo carvalho tornou-se abrigo seguro para quem ali passava ou para quem ali estacionava o carro.
Certo dia, para grande tristeza de alguns de nós e contra os pedidos efusivos de um vizinho, o novo proprietário do terreno cortou rente aquele majestoso carvalho! O argumento? Estava a destruir o muro. Estava? Se assim foi, contrate-se um Hercule Poirrot beirão, doutorado em engenharia civil e de materiais, para deslindar essas raízes fantasma que “ameaçavam” invisível e silenciosamente a estrutura dum corriqueiro muro de blocos de betão. Também de referir que está planeada a construção de uma casa ali (fora do alcance da copa da árvore), por um jovem casal que está para vir da América. Em vez de um carvalho jovem e saudável, com certeza a rua terá uma McMansão, à moda de filme americano, de gosto e funcionalidade duvidosas.
Mas, perguntará o leitor: que raio tenho eu a ver com uma árvorezeca, enfiada numa aldeia da província, onde o diabo perdeu as botas, enquanto o país arde? Enquanto pessoas perdem as casas, o ganha-pão, a própria vida?
Este exemplo (tristemente) anedótico, revela a tendência muito portuguesa para odiar visceralmente a sua floresta, as suas árvores, o seu verde.
Ao longo das décadas, destruiu-se o património arbóreo do nosso país, faltando vontade das massas e, definitivamente, vontade política para sensibilizar a população para o valor intrínseco das florestas do nosso país.
Desbastou-se tudo, replantaram-se vastas áreas florestais com espécies invasoras que secam a terra, alterando o clima, construindo um verde poço de pólvora, resultando naquilo a que assistimos anualmente, ora sentados no sofá, ora a fugir do fogo.
Em todos os setembros se começa a falar de projectos de replantação. No entanto, visam o enriquecimento imediato de já ricas e poderosas entidades que se aproveitam deste ódio vilão e primevo para aumentar as suas áreas de produção. No inverno, voltam-se a fazer as mesmíssimas florestas artificiais sobre as cinzas de quem lá perdeu um filho, um marido, um saudoso amigo.
De Lisboa, cidade única portuguesa dos centros de decisão, agita-se a bandeira do verde! O Verde! O Verde! Mas pouco se distingue o verde vivo, do verde assassino, apoiando sempre os do costume, os que plantam ainda mais pólvora sobre a terra já seca, destruída, criando os desertos que as nossas gerações ainda irão ver. Porquê? Porque das esferas do poder de Lisboa se sente o ódio às árvores. E se o contrário disserem, esta pavidez sabe e lembra a ódio.
Alguns ainda há que amam as árvores, defendendo-as e às suas terras e lameiros, com sangue, suor e lágrimas. Com as próprias vidas até! Mas somos poucos e ainda que fossemos muitos, os que odeiam têm um ódio mais forte que a bonomia dos defensores desta (pouco) verde terra. Os que odeiam, têm nas mãos uma destruição que lhes dá um poder sobre todos os outros, pois é muito mais fácil destruir que criar ou preservar.
O ódio quase impossível de mitigar, cresce dum Portugal pequenino e pobre, que tudo mata e tudo destrói. Precisamos de combater este ódio, de janeiro a janeiro! De árvore a árvore. É essencial aniquilar este ódio pela riqueza intrínseca que ainda resiste nesta nossa pátria amada. Caso contrário, só acabará o ódio em forma de fogo, quando da última folha verde só restar a sua cinza.