Portugal não é o problema, mas tem problemas. Hoje, ocupo-me de um dos mais graves para o qual desconheço a solução técnica, muito menos se, caso seja encontrada uma solução, ou respostas parciais, haverá condições políticas para as implementar. Trata-se da fraqueza do Estado provocada pela sua instabilidade organizacional, pelo desinvestimento institucional, pela excessiva politização dos dirigentes (pouca seleção por mérito) e por baixas remunerações, que dificultam a atração de trabalhadores qualificados. São tudo aspetos que se reforçam mutuamente. Em Portugal a governação é sempre um jogo de “baralhar e voltar a dar”. Formar um novo governo é sempre um exercício de inovação, no mau sentido da palavra. O primeiro-ministro da nova legislatura, quer suceda ao do partido de oposição, ou se suceda a si próprio (como é o caso de António Costa nesta legislatura), altera sistematicamente, em maior ou menor grau, a orgânica do governo. Há duas interpretações que explicam porque tal acontece. A mais simpática é a de que, para implementar o seu programa de governo, precisa de fazer alterações na sua estrutura. A menos simpática é a de que um governo é uma distribuição de poder entre ministros sectoriais, coordenados pelo primeiro ministro (PM). Cada ministro, ou ministra, tem legítimas ambições pessoais e maior ou menor influência junto do PM, desse encontro de vontades resulta uma distribuição de organismos que ficam sob a tutela de cada ministro bem como dos fundos sob sua responsabilidade. Se há áreas e organismos que são relativamente estáveis nas orgânicas ministeriais (saúde, justiça, educação básica e secundária), outras há que têm, nuns casos, vindo a saltitar entre os vários ministérios e a Presidência do Conselho de Ministros, noutros a assumir uma tutela partilhada entre vários ministérios/ministros (desporto, cooperação, florestas, energia, administração pública, gestão de fundos comunitários!).

A instabilidade organizacional da administração central do Estado é assim um problema grave porque não permite a coerência e a eficácia das políticas públicas, que exigem clarificação estratégica, durabilidade na sua implementação, um claro modelo de governação, a definição de objetivos, medidas e indicadores. Sem estabilidade organizacional e sem alguma continuidade dos cargos dirigentes não só não é possível implementar políticas, como é difícil identificar os verdadeiros responsáveis pela implementação dos principais programas orçamentais para que se possa fazer uma avaliação dessas políticas. Em resumo, a instabilidade governativa premeia a incompetência, a irresponsabilidade no Estado e não incentiva os bons desempenhos.

A esta instabilidade organizacional do Estado associa-se um desinvestimento institucional (e.g. Instituto Nacional de Administração), uma seleção de dirigentes e de emprego público que é baseada menos no mérito e em grande parte no alinhamento político. Na Dinamarca, país que nos devia servir de referência, tal não acontece. “O sistema de empregos do setor público dinamarquês é hoje principalmente um sistema baseado no mérito. Os concursos são divulgados e existe um processo competitivo para cada um. Cada ministério anuncia as suas próprias posições. Não há competição central para entrar no setor público. Os empregos são agora anunciados com mais frequência na Internet, mas também em revistas especializadas (…) e jornais nacionais. As pessoas são escolhidas com base nos seus méritos. As pessoas não recebem empregos por causa de favores pessoais ou qualquer coisa desse tipo. O sistema baseado no mérito parece ter funcionado bem para o setor público dinamarquês.”

O governo acaba de aprovar uma “Estratégia para a Inovação e Modernização do Estado e da Administração Pública 2020-23” que define quatro prioridades: investir nas pessoas, desenvolver a gestão, explorar a tecnologia e reforçar a proximidade (leia-se promover a desconcentração e descentralização). As três primeiras estão claramente associadas aos cargos dirigentes, para os quais se prevê formação, mobilidade e intercâmbio. Porém, por um lado nada se diz sobre o seu processo de seleção e a necessidade de aprofundar, e melhorar, o modelo atualmente em vigor (CRESAP) nomeadamente reforçando a componente de mérito. Por outro lado, essas prioridades exigem que se invista em melhor seleção e maior formação de outros trabalhadores em funções públicas. Também aqui deveria haver um maior debate sobre o melhor modelo de formação a ser implementado.

A recuperação económica de Portugal em 2020-30, para a qual o documento de Costa Silva contribui com ideias interessantes, será obra sobretudo das pessoas e empresas e não do Estado. Porém, os fundos que Portugal receberá da União Europeia serão canalizados através do Estado e será o governo a desenhar, bem ou mal, os incentivos para os agentes económicos. É importante que essa afetação de fundos seja transparente, tenha um modelo de governação claro, seja monitorizada, e dê a devida relevância à capacitação dos quadros do Estado. Ter, e conseguir, implementar uma estratégia para superar a atual fraqueza do Estado é um dos grandes desafios que temos pela frente, sendo que um Estado capaz não necessita ser um Estado pesado.

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