Com as prováveis excepções dos profetas que enxergam o óbvio e das aves de mau-agoiro, categorias de difícil distinção à priori, ninguém gosta de ser o mensageiro de más notícias. E o que é ainda pior, ninguém, ou quase ninguém, gosta dos arautos da desgraça. Existe uma distendida tradição (literal ou simbólica) que consiste em matar o mensageiro quando as notícias são desagradáveis. Ergo, poderia afirmar-se que uma política de assassinato de núncios é, de um ponto de vista democrático, passível de apoio popular. Pelo menos uma de assassinato simbólico. Felizmente muita gente desmaia ao ver sangue.

Talvez por isso vivamos um processo de eliminação sistemática daquele que é o melhor mensageiro do verdadeiro estado de prosperidade e necessidade dos indivíduos e, por extensão, das nações — o preço de bens e serviços livremente transaccionados. Os preços livres são portadores de sinais, ora bons ora maus, dependendo da situação de cada um, que permitem à economia, que é o mesmo que dizer, às acções de cada ser humano tomadas individualmente, uma maior eficácia na obtenção de estados de natureza mais favoráveis. Poder desenrascar-se no dia a dia, como se diria em vernáculo.

Interferir nessa cadeia de transmissão de informação que atende ao nome pomposo de sistema de preços relativos, provoca uma distorção da percepção da realidade, benéfica para alguns, fatal para quase todos. A supressão de um sistema de preços livres impede a resolução do problema do cálculo na economia, o emprego racional dos meios para que os indivíduos atinjam os seus fins, nesse ambiente de incerteza que embrulha a condição humana.

Nenhum estado gosta de más notícias. As más noticias questionam a capacidade dos governantes e testam a fé dos governados. Pelo que a sua primeira, segunda, terceira e última reacção é matar o mensageiro. Suprimir o sistema de preços. Sobem as rendas de casa? Limita-se o aluguer a turistas, aumenta-se a construção de vivenda social, congelam-se as rendas, baixam-se as taxas de juro para o crédito à habitação, etc., etc. Desce o preço do transporte? Proíbe-se a concorrência, emitem-se alvarás, impede-se a entrada de empresas estrangeiras, outro largo, etc. Chegam produtos do estrangeiro melhores e mais baratos? Aumentam-se as tarifas aduaneiras ou restringe-se a livre circulação de bens e capitais. Quanto mais o Leviatã estatal se dedica a proteger largos sectores de actividade da concorrência, mais se vai desfazando a capacidade dos indivíduos para criar valor. Dito de outra forma, menos competentes são. E o que é pior, é que muitas vezes nem sequer têm consciência disso. Chegados a este ponto, obriga-se os que não podem escapar a consumir um produto caro e de menor qualidade. Para que não protestem, manda-se a conta ao contribuinte. O contribuinte é a câmara de pressão que ilude a entropia que se vai instalando. Pelo menos até esta se tornar intolerável.

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No país dos sovietes, onde a supressão do sistema de preços foi levada muito mais além do que se julgava humanamente possível, contava-se a conversa entre um alto membro do Partido e um observador ocidental (possivelmente da Embaixada Americana): “Quando a Revolução Mundial do Proletariado triunfar teremos que deixar que a Suíça continue capitalista”.  “Porquê?” – pergunta o interlocutor surpreendido. – “Para podermos saber o verdadeiro preço das coisas” – respondeu o apparatchik.

A Oficina da Liberdade inicia hoje uma parceria com o Observador, no âmbito da qual dinamizaremos um espaço de opinião que acreditamos ser diferente. Pela nova coluna de opinião passarão diversos autores convidados, todos eles relativamente desconhecidos do grande público. Os textos serão assinados individualmente e as ideias neles transmitidos deverão ser entendidas como opiniões pessoais. Sem prejuízo disso, a Oficina da Liberdade procurará assegurar uma linha editorial coerente: rejeitamos a crença de que a lei é o único garante da ordem social; desconfiamos do exercício do poder; combatemos a tentativa de criar um mundo novo, ilusoriamente justo, desenhado por minorias que tomam o poder. Mais do que tudo, rejeitamos a possibilidade de o estado se substituir à ordem espontânea da sociedade.  Nesta coluna de opinião estarão subjacentes os princípios da Liberdade, tais como a ‘rule of law’, o capitalismo, a concorrência, o livre comércio, a propriedade privada, o estabelecimento de relações livres entre indivíduos baseadas na ética e moral individuais. Acreditamos na capacidade do ser humano determinar o seu próprio destino e na virtude da cooperação voluntária. O nosso objetivo não é a uniformidade de opinião, mas sim contribuir para que as ideias e princípios da liberdade floresçam, inspirando todos aqueles que acreditam no potencial do indivíduo. É também por isso que esta coluna não seguirá, necessariamente, as agendas político-partidárias do momento. Não nos move dar opinião sobre tudo e mais alguma coisa, nem temos a pretensão de estar sempre correctos. Não verão aqui a arrogância de apresentar soluções simples para problemas complexos. Acreditamos sim que da troca livre de opiniões nascerá, eventualmente, alguma forma de ordem social. Não nos cabe determinar, somente fazer o caminho. Agradecemos ao Observador esta oportunidade e tudo faremos para que os nossos artigos estejam à altura da exigência de qualidade dos seus leitores. Tal como o Observador faz a diferença no panorama dos media nacionais, também nós esperamos contribuir para um clima cultural diferente, onde as escolhas assentes na autonomia e responsabilidade de cada pessoa sejam mais importantes do que as certezas dos intelectuais.

José Bento da Silva
Manuel Pinheiro
Telmo Azevedo Fernandes