Fernando Alexandre começou bem, negociou e conseguiu uns momentos de pausa, talvez mais justificados pelo advento do Verão do que pela substância das medidas, embora seja necessário reconhecer a capacidade e empatia do atual responsável da pasta face aos dois anteriores titulares, cujos retratos figurarão apenas no hall do ministério porque assim manda a tradição.

Como habitualmente, o início do ano letivo é o maior teste aos ministros, secretários de Estado, dirigentes e estruturas do Ministério da Educação, agora Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI). O I aparece aqui como um twist vanguardista, já que a inovação deve ser uma preocupação de todo o governo, e não apenas deste ministério.

É verdade que têm vindo a ser anunciadas algumas medidas inovadoras, sobretudo ao nível de apoios diversos para tentar minorar as dificuldades na captação de novos candidatos a professores do básico e secundário ou a aumentar a atratividade de escolas onde faltam docentes e se prevê a continuação de alunos sem aulas, situação intolerável e injustificável nos tempos que correm.

Há que fazer justiça ao ministro e ao governo, ninguém pode exigir a resolução em meses de problemas com décadas, nunca antes resolvidos, por razões que só não vê quem não quer, ou se muda o sistema de contratação de docentes ou se vai ainda mais longe e se muda o modelo organizacional da escola estatal ou permanecerão todos os problemas que vêm do passado.

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Este modelo centralizado não funciona e a forma como têm vindo a ser descentralizadas responsabilidades para os municípios também não, o problema mais grave do sistema não é a falta de docentes, embora este seja o mais evidente e mediático, é o modelo de gestão. Basta pensar que um agrupamento é como uma pequena empresa. Como é possível estar dependente de duas tutelas? O modelo da gestão escolar democrática é outro problema, gerir exige um conjunto de capacidades que não está ao alcance de qualquer um, a escolha dos melhores líderes exige ponderação sobre os seus conhecimentos para a função, experiência, capacidade realizadora e personalidade inspiradora.

Era urgente mudar o paradigma atual, criar condições para que os líderes escolares pudessem evoluir de agrupamentos mais pequenos para outros com maiores desafios e complexidade, o sistema atual que permite a diretores manterem-se décadas nos cargos é mau para o sistema, por muito competentes que sejam há uma componente de renovação indispensável para as organizações e que implica a mudança das suas lideranças. Se é assim em todas as organizações porque há de ser diferente nas escolas?

Também para os próprios, quando são bons e evidenciam resultados é negativo e desmotivador ter como horizonte deixar os cargos e voltar à base, não que seja mau ser-se professor sem responsabilidades de gestão, mas desperdiçar competência é negativo para todos, para o sistema e, sobretudo, para os estudantes e para o país.

O modelo de agrupamentos que se adotou representou uma evolução notável na reorganização do sistema de ensino, mas ficou-se a meio da ponte, e o desmantelamento das direções regionais não devia ter sido para fortalecer a centralização, mas para favorecer o seu contrário.

Não faz sentido que o sistema continue a ser governado de Lisboa, a lógica devia ser a territorialização, por regiões/distritos/NUT, consoante se considerasse mais eficaz, criando-se uma estrutura de gestão articulada entre todas as escolas e agrupamentos desses territórios, apostando-se na autonomia responsabilizadora, isto é, num contrato de financiamento por objetivos e prestação de contas com a criação de um órgão de coordenação regional resultante dos próprios agrupamentos.

Este modelo permitiria a criação de uma rede territorial de gestão integrada, aproximaria a decisão dos problemas, agilizaria a gestão, rentabilizaria recursos numa perspetiva colaborativa e subsidiária entre todos os agrupamentos dessa mesma região, retiraria do ministério o peso de uma máquina paquidérmica cujo mau desempenho é conhecido.

Obviamente, seria desejável que continuasse a haver cooperação e aproveitamento de sinergias entre autarquias e escolas, mas depurava-se o atual sistema contaminado pela interferência das câmaras municipais nas escolas e punha-se fim à dupla tutela de pessoal que constitui uma excrescência numa lógica de gestão eficiente e eficaz. É dos livros que um líder pode tutelar várias organizações e serviços, mas não deve responder a mais do que uma tutela.

Em linha com o anterior, o famigerado concurso nacional, onde apenas contam números – classificação académica e anos de serviço, seria substituído por novas formas de recrutamento, à semelhança do que se faz em qualquer outra organização moderna onde o mais importante não é o que se fez no passado, mas o potencial para fazer no futuro.

Nada disto é novo, mas o corporativismo, o medo de abrir a caixa de Pandora, a falta de coragem política têm mantido o sistema como está, remendando, tentando inventar a roda a cada ano, sem se perceber que o problema é de outra natureza, a escola portuguesa precisa de uma revolução quântica.

Descendo agora aos problemas de setembro, quanto mais o ministro quer avançar, mais problemas se levantam, basta ver que todos os atores institucionais, desde sindicatos a associações de diretores e similares vêm levantando a voz contra as novas medidas, é como se se tocasse num vespeiro. Claro que nenhuma das medidas apresentadas resolve os problemas de fundo e é impossível resolvê-los já; isto tem de ser dito e interiorizado e tomadas medidas de fundo que rompam com o que está errado há décadas e ninguém tem querido ou sabido resolver.

Não se trata do “Seja realista, peça o impossível!”, mas apenas do “Seja realista”, ponto. Não será por acaso que a maior reforma escolar feita em Portugal nos últimos 50 anos, tenha sido a de Veiga Simão, ainda no Estado Novo, e a despeito de termos tido dois ou três grandes ministros da educação nos tempos pós Abril de 74, nunca conseguimos alcançar o sucesso que todos, certamente, desejamos, não por incompetência daqueles, mas porque o país prefere manter-se na caverna porque tem medo do Sol, como nos relembra a alegoria de Platão.

Uma última palavra para a falta de professores e de alunos sem aulas. Não há nenhuma razão válida para isto continuar a acontecer. No tempo em que vivemos e em que o próprio Estado e a UE, via PRR, investem centenas de milhões na digitalização, no ensino a distância, em aplicações, na inteligência artificial, sempre que faltem professores deve optar-se por soluções tecnológicas alternativas em vez de deixar os estudantes sem aulas; não se trata de substituir os professores por robots, nem acabar com o ensino presencial, mas sim de criar alternativas, pedagogicamente sustentadas e experimentadas para que os alunos possam continuar a aprender quando os professores não estão disponíveis.

Já agora, é bom lembrar que hoje todos transportamos o universo no bolso e essa maquininha que muitos agora diabolizam e proíbem pode ser uma fonte inesgotável de aprendizagem, não chega, mas é apenas um símbolo de que tudo pode ser aproveitado para não desperdiçar conhecimento quando um docente não pode estar por perto.

O senhor ministro quer professores nas escolas, todos de acordo, mas como isso vai ser impossível em todos os casos o que é preferível, deixar os alunos sem aulas meses e meses ou ter uma alternativa tecnológica de qualidade? A resposta parece evidente.

De resto, sem bons professores, competentes, dedicados, inspiradores não pode haver boas escolas pelo que as políticas educativas para além de colocarem os alunos no centro têm de dar a importância indispensável aos docentes, captando os mais interessados, criando carreiras motivadoras, retribuições justas, progressões baseadas na qualidade e reforçando a imagem social dos professores, mas isto só se consegue reorganizando o sistema educativo de forma inovadora, com firmeza, visão e liderança.