Os professores do ensino básico e secundário (PEBS) estão insatisfeitos. Os assistentes e técnicos operacionais também. Não são os únicos. Penso que a larga maioria dos trabalhadores em funções públicas está insatisfeita, essencialmente por duas razões. A mais transversal é que uma percentagem muito significativa não tem praticamente nenhuma atualização remuneratória desde 2010, apesar do descongelamento das carreiras em 2018. Isto deve-se, nas carreiras com uma única categoria, como os PEBS, às dificuldades de progressão pois terão progredido em média um escalão desde 2010. Nas carreiras com várias categorias, a que se acede por concurso, como os professores do ensino superior, às dificuldades nas promoções. Aqui, há professores e investigadores auxiliares que após quarenta ou mais anos de profissão se aposentam nesta categoria na mesma posição remuneratória que estavam vinte anos atrás. Quase estagnação remuneratória em período inflacionista gera ainda maior descontentamento. Isto só se resolve com um crescimento económico do país mais forte, e uma política orçamental menos restritiva, mas compatível com a sustentabilidade da dívida, como tenho vindo a defender. A segunda razão prende-se com as condições laborais, e, no caso, dos PEBS, à burocracia excessiva e à precariedade que leva a que muitos andem com a casa às costas em situação de incerteza durante muitos anos e com deslocações de centenas de quilómetros devido a quadros de zona pedagógica (QZP) grandes demais.
Há, assim, várias razões compreensíveis para o descontentamento docente associado a uma profissão desgastante. Umas são estruturais e comuns a toda a administração pública – resultantes do atraso económico do país – pelo que devem ser discutidas e analisadas numa perspetiva geral dos trabalhadores da administração pública. Outras são específicas e devem ser discutidas caso a caso. O principal mérito destas greves foi terem alertado novamente para problemas reais que subsistem e que necessitam solução. O principal demérito é que estas greves, a persistirem, acentuam as desigualdades sociais e a penalização dos alunos mais carenciados e com necessidades educativas especiais já fortemente penalizados na pandemia.
A estratégia sindical no passado era associar reivindicações justas e exequíveis com reivindicações ou injustas ou inexequíveis, de modo a que, umas e outras fossem aprovadas. Já abordei isto quer no Público, numa conversa animada com Paulo Guinote, quer aqui no Observador e não repetirei argumentos. A solução adoptada no passado que tem a ver com contagem de tempo de serviço (os célebres dois anos, nove meses e dezoito dias) é, ao que parece e bem, um assunto encerrado e uma linha vermelha do governo. Pois representa equiparar a contagem de tempo de serviço dos professores do básico e secundário à considerada para as restantes carreiras gerais da função pública. Ceder aqui seria injusto para os trabalhadores das outras carreiras, gerais e especiais, que também sofreram congelamento salarial, significaria abrir uma caixa de pandora e mostraria não só fraqueza como contradição do primeiro-ministro que ameaçou demitir-se em 2019 se a contagem integral do tempo de serviço fosse adiante. Outra questão diferente é a de saber se a política de emprego público e as atualizações remuneratórias na função pública têm sido adequadas ou não. Tive ocasião de defender aqui, já em Maio de 2022, que o governo poderia e deveria ter ido mais além do que o aumento salarial dos 0,9%, para evitar uma perda tão acentuada do poder de compra. Se o tivesse feito não necessitava de ter realizado tanta despesa extraordinária no final do ano, para evitar ter um excedente das contas públicas em 2022 e talvez a insatisfação fosse menor.
Claro que o novíssimo STOP, cujo líder pretende destronar o eterno Mário Nogueira da FENPROF, parece insaciável não apenas nas reivindicações, mas nas formas de luta promovendo uma greve self service de tempo ilimitado não se sabendo quando começa e quando acaba para exaspero de pais (e avós) que vão buscar filhos (netos) à escola com o eterno papel na porta de “Pré-aviso de greve” e sem que lhes saibam dizer se no dia seguinte há aulas! A adicionar a esta incerteza é questionável, legalmente, e injustificável eticamente, que fundos de greve dos professores possam financiar as greves dos assistentes e técnicos operacionais (carreiras completamente distintas dos professores), havendo aqui porventura algum vazio legal face a estas formas “inovadoras” de luta. Se a moda pega poderíamos ter amanhã os juízes, restringidos no seu direito à greve (matéria controvertida), a financiar a greve de funcionários judiciais e oficiais de justiça. A greve é um direito constitucional, neste caso regulado pela lei geral de trabalho em funções públicas. Não me parece que tenha respaldo na lei os serviços mínimos (pois não estamos em exames), mas o “aviso de greve” do STOP deixa dúvidas legais. Aguardemos então os pareceres em curso.
O governo, através do ministro da educação, tem negociado e continua a negociar tendo apresentado as suas propostas aos sindicatos sobretudo ao nível do combate à precariedade e à mobilidade excessiva. O aumento proposto dos quadros de zona pedagógica de 10 para 63, permite reduzir drasticamente a distância máxima que um professor pode ser colocado. O aumento dos professores do quadro em cada escola e a não necessidade de ir a concurso de x em x anos, dá maior estabilidade ao corpo docente, sendo que a colocação é feita pela graduação profissional. Ceteris paribus, a estabilidade do corpo docente é um dos factores que contribui para o sucesso da aprendizagem. Haver uma mais rápida vinculação dos professores é um fator que reduz a precariedade. É bom que os sindicatos digam também ao que veem e mostrem flexibilidade.
Já se percebeu que há quem esteja de boa fé no diálogo e quem esteja sobretudo na disputa pela liderança do movimento sindical. As greves podem e devem servir para resolver alguns problemas que simultaneamente afetam negativamente o desempenho dos alunos e o bem-estar dos docentes. A radicalização a durabilidade das greves e a intransigência negocial dos sindicatos, a ser vitoriosos, levariam a que pela janela fosse o bebé com a água do banho. Acredito que tal não acontecerá pois ainda tenho fé na existência de algum bom senso.