Existe a ideia de que baixar as propinas, ou até eliminá-las, é a forma de garantir o acesso ao ensino superior a todos os alunos. Mas isto só seria verdade se as propinas fossem a principal barreira a impedir o acesso ao ensino superior. Neste momento no ensino superior público, na Licenciatura, as propinas são, no máximo, 697 euros por ano, tendo sido aprovado na Lei do Orçamento de Estado que este valor se manterá no próximo ano, não havendo sequer compensação da inflação.
Na verdade, a fixação de propinas muito baixas ou nulas implica uma transferência de rendimentos de famílias com menos rendimentos para famílias com maiores rendimentos. Isto porque, para que o valor das propinas possa ser 697 euros/ ano, é preciso que o custo de funcionamento das Licenciaturas no ensino público seja subsidiado. Todos os alunos no ensino superior público são fortemente subsidiados com receitas de impostos.
A população com ensino superior em Portugal aumentou nas últimas décadas de forma espectacular, permitindo-nos neste aspecto ultrapassar a média europeia (UE27). Em 2021, entre a população entre os 25 e os 34 anos, 47,5% tinha ensino superior, enquanto em 2000, a percentagem era apenas 12,8% (Pordata). Se olharmos apenas para os jovens entre os 19 e os 22 anos, as estatísticas indicam que 40% estão a frequentar o ensino superior. É uma evolução fantástica, mas também quer dizer que 60% não estão no ensino superior. E, como o “Estado da Nação” da Fundação José Neves lembrou recentemente, apesar do prémio salarial do ensino superior ter caído nos últimos anos, continua a ser verdade que, em média, os graduados do ensino superior têm salários mais elevados e maior empregabilidade do que as pessoas que apenas terminam o ensino secundário: a probabilidade de estar empregado é 16% superior para quem tem o ensino superior.
E a eliminação das propinas garante o acesso a todos os alunos ou as barreiras são outras?
Tem-se falado recentemente do custo de alojamento: para qualquer aluno que tenha que sair de casa dos pais para ir para a faculdade, este custo é certamente muito maior que o das propinas. Esta é uma barreira que condiciona e limita as escolhas. Um aluno com menos posses pode desistir do seu curso preferido, mesmo tendo média para entrar, por não poder pagar um quarto que lhe permita frequentar a faculdade. Não seria melhor canalizar para estes casos os subsídios ao ensino superior, em vez de subsidiar indiscriminadamente todos os alunos?
Os alunos deslocados, de acordo com os dados do Ministério, eram em 2020/21 cerca de 120 mil, aproximadamente 30% dos alunos do ensino superior. Não sabemos quantos destes precisariam deste apoio, nem sabemos quantos desistem de entrar na faculdade em que queriam entrar devido ao custo de alojamento. Seria fundamental haver uma política clara de apoio ao alojamento, através de residências universitárias ou de bolsas, que permitisse aos estudantes saber com suficiente antecedência que iriam ter este apoio, para que não desistam de tentar.
O custo do transporte também é, em alguns casos, quase tão elevado como o valor das propinas. O apoio aos transportes públicos para alunos universitários abrange proporcionalmente mais alunos de meios menos favorecidos e é por isso mais justificado que o financiamento público das propinas.
Mas há outra barreira, talvez menos evidente, mas muito forte, que determina a desigualdade no acesso ao ensino superior: o acesso a ensino de qualidade desde o pré-escolar que permita a aprendizagem e os resultados escolares que, no final do secundário, permitem entrar e ter sucesso no ensino superior. E se olharmos para quem são os alunos que permanecem na escola até ao final do ensino secundário e conseguem entrar numa instituição de ensino superior, penso que é claro que para favorecer a igualdade de oportunidades o investimento em educação teria que ser muito maior nos primeiros anos de escola.
Claro que também há muitos percursos de vida e profissionais que não passam por uma formação no ensino superior. Mas penso que o ideal seria que o acesso ao ensino superior não estivesse dependente das condições socioeconómicas da família de origem, mas apenas das capacidades “académicas” de cada jovem e das suas aspirações profissionais.
Tenho a certeza que é esse o desejo de quem defende a redução das propinas, mas parece-me que essa política não permite atingir o objectivo e afecta à subsidiação de todos os alunos do ensino superior público fundos que poderiam ser afectos a quem mais precisa de apoio. Citando o Reitor da Universidade Nova de Lisboa, no último Economia Viva (ciclo de conferências organizado pelos alunos do Nova Economics Club), “o que é preciso é um muito mais robusto pacote social para ajudar alunos que precisam. Caso contrário, alguns nem sequer se candidatam à Universidade. Um pequeno corte nas propinas, ou mesmo a eliminação das propinas, muda muito pouco”.
Professora de Economia na Nova SBE
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.