Goste-se ou não, os resultados do PSD nas últimas eleições legislativas foram um desastre.

É preciso recuar mais de 35 anos para encontrar resultados semelhantes. Pela primeira vez assistiu-se à fragmentação do espaço político à direita, o PSD não beneficiou com o esmagamento do CDS e repetiu-se o que só sucedera em 2005 – e não se via desde 1976 – com o PSD a não eleger deputados no Alentejo.

Não surpreende que a liderança do PSD recorra à comparação destes resultados com os de eleições autárquicas ou europeias. É o argumento que resta, mas que desdiz quem sempre afirmou que não se “misturam alhos com bugalhos” e até usou os números das legislativas de 2005 como exemplo do que não devia suceder.

Mas estes resultados não são inesperados.

São o produto de uma estratégia, conscientemente conduzida por esta liderança do PSD, que iniciou o seu mandato a proclamar que o partido “não foi fundado para ser um clube de amigos” – como se alguma vez tivesse sido –, depois comparou o PSD a um “albergue espanhol” e termina agora dizendo que se parece com “uma gaiola de malucas”.

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De forma recorrente, a liderança do PSD cultivou o atrito e o conflito interno a pontos de convidar os que “discordam estruturalmente” – vai-se lá saber o que isso é – a sair do PSD. E terminou a noite das eleições a desculpar-se com a situação interna.

Em vez de unir, dividiu. Em vez de mobilizar, afastou. Em vez de incentivar, desalentou.

Quando revemos os 18 meses que antecederam a campanha eleitoral, encontramos um enorme deserto e uma inexplicável ausência de ação política. Recordam-se de alguma causa, alguma bandeira ou algum ato de oposição protagonizados por esta liderança do PSD?

Infelizmente, a inação no combate político foi uma constante.

Mas houve uma exceção: os pactos de regime celebrados com o PS.

Só que, decorrido ano e meio sobre a assinatura dos acordos sobre descentralização e sobre fundos europeus, o que ficou? Restam algumas notícias, umas quantas fotografias da cerimónia e a constatação da sua vacuidade.

Mas estes acordos não foram o produto de uma qualquer inabilidade.

Inseriram-se no discurso, profusamente repetido, que era necessário recentrar o PSD. Curiosamente, este discurso é feito pelos mesmos que no tempo da governação de Pedro Passos Coelho alimentaram a ideia que o PSD se tinha afastado da sua matriz social-democrata e tinha virado à direita.

Foi esta manobra que serviu primorosamente os interesses eleitorais do PS em 2015 e legitimou o argumentário de António Costa que tanto glosou a “viragem do PSD à direita”. Deliberadamente, confundiu-se a opinião pública fazendo crer que a política de austeridade ditada pela bancarrota, resultava de uma opção ideológica de viragem à direita. A confusão foi tão profícua que até desapareceram as referências aos “cortes” iniciados em 2010, com o descalabro da governação do PS.

Agora, repetem à exaustão a sua fé na social-democracia, quais detentores dos direitos de pureza ideológica. Eles, ao contrário dos outros, não querem que o PSD seja de direita. Não há memória de uma liderança no PSD tanto recorrer ao posicionamento ideológico. Nem ao tempo das “Opções Inadiáveis” se assistiu a semelhante dislate.

Para aqueles que escrevem artigos de opinião pregando sobre “ideologia” social-democrata e que até recorrem a cartazes do PPD de 1974 para ilustrar esses artigos, recomendo que releiam o programa do PSD aprovado no Congresso do Porto em novembro de 1992 e o comparem com o primeiro programa, aprovado em novembro de 1974 no I Congresso do PPD realizado em Lisboa (aproveito para recomendar ao PSD que corrija o seu website, pois estes dois documentos, lamentável e indignamente, aparecem na biblioteca misturados com os programas eleitorais e como tal intitulados).

Entre o primeiro e o segundo programa mediaram 18 anos. O que está em vigor tem quase 27 anos.

Quando os comparamos, realiza-se que o PSD compreendeu e assimilou as enormes mudanças que ocorreram em Portugal, na Europa e no Mundo naquelas duas décadas. Percebemos que o PSD não se deixou apanhar por dogmas ideológicos, nem andou preocupado com rótulos ou posicionamentos ao centro, à esquerda ou à direita. O reformismo e o pragmatismo moldaram o programa aprovado em 1992.

Foi neste período que uns “perigosos liberais” iniciaram as privatizações e a abertura da economia. Ocorreu-me, que se fosse hoje, o que diriam dessa “gente de direita” que mudou a delimitação de sectores na economia, privatizou a banca, abriu a comunicação social à iniciativa privada ou iniciou as PPP.

Seremos de direita porque queremos que o nosso país tenha um estado social forte, que não se transforme numa fábrica de parasitas? Teremos virado à direita porque não queremos a regionalização? Abandonámos a matriz social-democrata porque acreditamos que a iniciativa privada pode e deve ter um papel em áreas como a saúde, os transportes, o abastecimento de água e o arrendamento urbano?

E não resisto a perguntar: por que razão a CGD, a TAP e a RTP1 devem continuar públicas? O que é que os portugueses ganham com estes tabus?

Todos os líderes do PSD que ascenderam a primeiro-ministro, não se perderam nem distraíram com esta “peta” sobre social-democracia e sobre estar mais à direita ou mais ao centro, porque sabiam que tal seria politicamente redutor. Esta liderança usa isto para proveito próprio, mesmo sabendo que tal prejudica o espaço político do PSD. Alguns até anunciam que não se importam que o partido fique mais pequeno…

Hoje, habitam pelo PSD alguns complexos de esquerda que se horrorizam com a simples ideia que alguém possa rotular o PSD de direita.

Tanta sofreguidão pelo centro e pela social-democracia, relembra-me o famoso conto infantil “The emperor’s new clothes”, em português “O rei vai nú”.

As únicas coisas que esta liderança do PSD tem para oferecer aos portugueses são uma panaceia sobre o recentramento do partido e uns ominosos acordos de regime com o PS.

A primeira só serve para reduzir o espaço eleitoral do PSD.

Os segundos, talvez sirvam para afugentar o rótulo de partido que virou à direita, mas certamente não se traduzem em oposição ou alternativa a esta governação.

Quando se revisita os quase dois anos de mandato desta liderança, percebe-se o contraste entre a oposição que fizeram à governação do PS e o frenesim que agora mostram por causa da disputa interna. Gastam hoje as energias que pouparam nos últimos dois anos.