Assunção Cristas anunciou a sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa (CML) há pouco mais de uma semana. Sim, as eleições autárquicas ocorrerão daqui a um ano e, até lá, sobra muito tempo para escrutinar os candidatos. Mas, desde já, convém perceber o que está em causa para os partidos à direita, sobretudo em Lisboa: a oportunidade de reafirmar a força do seu projecto político no território que esteve (e, de certo modo, ainda está) sob domínio de António Costa. Assunção Cristas, em entrevista ao Expresso deste sábado, mostrou ter compreendido isso ao remeter os resultados das autárquicas para leituras nacionais. O PSD, entre o vazio de candidatos e as garantias da sua concelhia lisboeta de que não apoiaria Cristas, evidencia não ter captado a mensagem. E, com o passar do tempo, tornar-se-á cada vez mais difícil evitar o erro que os sociais-democratas parecem dispostos a cometer: apresentar um candidato próprio em vez de apoiar a Presidente do CDS. Uma ambição compreensível, tratando-se de um partido com a dimensão do PSD, mas mesmo assim um erro estratégico face aos seus próprios interesses. Porquê? Vamos, então, ponto por ponto.
Primeiro ponto: para ganhar as autárquicas, a direita tem de conquistar Lisboa. Sem Lisboa e, portanto, sem vencer as autárquicas, qualquer leitura nacional destas eleições será favorável à esquerda (e ao PS em particular). Recorde-se que Medina é o herdeiro de António Costa, que saltou da CML em pleno mandato, pelo que também é o seu trabalho que será escrutinado pelos lisboetas. E, lembre-se ainda, Marcelo apontou para após as autárquicas a avaliação da vitalidade da geringonça, pelo que, com Lisboa nas mãos, a direita ficaria com uma palavra a dizer nesse processo.
Segundo ponto: o PSD não tem para apresentar um candidato com reais possibilidades para disputar a vitória. Mesmo Santana Lopes, tido como a melhor opção dos sociais-democratas, tornou-se particularmente impopular após a sua passagem por São Bento e dificilmente verá vantagem, nesta fase da sua vida, em aventurar-se numa eleição autárquica – ainda para mais, com elevado risco de a perder contra uma figura de segunda linha do PS. As restantes opções de que se fala (José Eduardo Martins, Jorge Moreira da Silva), apesar dos seus méritos, nunca encabeçariam uma candidatura vencedora.
Terceiro ponto: o CDS é o aliado inevitável do PSD. A formação da geringonça impôs novas regras na política portuguesa, nomeadamente a obrigatoriedade de a direita ser maioritária para poder governar, a cisão do espectro parlamentar em dois blocos (esquerda/direita) e, portanto, a impossibilidade da constituição de um bloco central (PSD-PS). Ou seja, sem o CDS, o PSD deixou de poder ambicionar o poder. Como tal, a articulação destes dois partidos, sobretudo após a experiência da legislatura 2011-2015 e da coligação vencedora “Portugal à Frente”, deveria ser ágil e estratégica face aos combates que têm pela frente e que só em conjunto vencerão.
Quarto ponto: apoiar Cristas é uma opção sem risco para o PSD. Por ser líder do CDS, a candidatura de Assunção Cristas tem uma elevada carga simbólica no actual contexto político nacional – maior carga simbólica só seria possível se o PSD avançasse com a candidatura de Passos Coelho (o que, podendo até nem ser má ideia, parece impossível). Como tal, se a candidatura de Cristas envolvesse o PSD, isso retiraria aos sociais-democratas muita da pressão pelo resultado. Se Cristas ganhasse, a vitória seria de ambos e do seu projecto comum, concedendo ao PSD a maior parte dos cargos municipais. Se Cristas perdesse, seria ela o rosto da derrota, fragilizando inclusive a sua posição na liderança do partido, enquanto o PSD evitaria expor um dos seus dirigentes à humilhação da derrota.
Quinto ponto: apoiar Cristas agora pode até favorecer o PSD a médio prazo, no contexto das próximas legislativas. Porque, vencendo a CML, o CDS deixará de ter a sua líder no parlamento e perderá a sua figura de primeira linha para as eleições nacionais. E porque isso permitiria ao PSD absorver o CDS na sua estratégia eleitoral, impondo uma coligação pré-eleitoral nos seus termos. Ou seja, o preço de um apoio em Lisboa pode muito bem ser o CDS assumir nova coligação pré-eleitoral com o PSD, voltando a não ir a votos sozinho e ficando crescentemente na dependência dos sociais-democratas.
Estes cinco pontos conduzem à conclusão que devia ser espontânea e evidente: não faz sentido o PSD não apoiar Cristas em Lisboa. Fernando Medina é um político inteligente mas uma figura secundária do PS, que não tem a legitimidade natural de quem venceu eleições e que, para mostrar trabalho, se sentiu obrigado a cobrir a cidade de obras nos meses que antecedem o acto eleitoral. Tem, portanto, tudo para perder. E se a direita não é capaz de se entender para o tirar da CML, então terá tremendas dificuldades em convencer o país de que é capaz de se organizar para derrotar António Costa. É isso que, mesmo a contragosto, o PSD terá de perceber. Sem recuperar a capital, dificilmente regressará tão depressa a São Bento.