O que têm em comum uma mulher que quer criar uma padaria como instrumento de capacitação social, um homem que entende que todos temos direito à cor e uma jovem que sonha com o dia em que todos saibam quais são os seus talentos e criem as suas oportunidades na vida com base neles? Aparentemente nada. E, no entanto, quase tudo.

Kátia Almeida, responsável, em Portugal, de uma grande organização social internacional – PRESSLEY RIDGE -, há mais de 20 anos que cria formatos, metodologias, ações e iniciativas para transformar a vida daqueles que diz que “ninguém tem coragem de trabalhar”. Crianças e jovens em situação de risco e com comportamentos disruptivos, com famílias desestruturadas e sujeitas a graves condicionamentos sócio-económicos, psicológicos e emocionais. Muitas vezes, senão sempre, sem rumo, sem ambição e sem Norte. Especialista em orientação, que pratica como desporto e que assume na sua vida como uma missão em relação às “suas famílias”, ela é provavelmente das profissionais de psicologia com mais experiência, conhecimento e competências nas metodologias ativas e vivenciais, das quais fala como se fossem a última Coca-Cola do deserto. E a avaliar pelos resultados, a Coca-Cola que se cuide porque, neste campo, tem concorrência à altura.

O Miguel vive no Porto. É um artista. O seu apelido, Neiva, rima com a força da natureza, com a seiva que lhe corre nas veias. Designer de formação, que abraçou com a vida. Louco de paixão pelo design, pela cor, pela linguagem visual e a sua importância na vida das pessoas e no seu desenvolvimento funcional. A determinada altura do seu percurso descobriu que, para 350 milhões de pessoas no mundo (10% da população mundial masculina), a cor era um motivo de exclusão. O daltonismo e a dimensão do problema não lhe permitiram continuar a ser mais um simples designer. Criou a COLORADD. Um sistema inovador e revolucionário que permite que estas pessoas reconheçam as cores através de códigos visuais. Tornou-se provavelmente um dos maiores especialistas nesta matéria. Porque o Porto é uma cidade linda, mas quando se trata de paixões, sabemos bem que não pode haver limites.

A Carolina é provavelmente das maiores inspirações que conheci nos últimos tempos. Percebi, depois de a conhecer, o porquê de dar nomes de mulher aos furacões. A Cruz que carrega orgulhosamente no nome, leva-a também pelo simples facto de se recusar a desistir do sonho. E isso, meus caros, todos sabemos bem o quanto custa. Depois de, muito nova, trabalhar na ONU e de ter a possibilidade de ver tudo o que de muito bom (e muito mau) se faz por grandes organizações pelo mundo fora, a trabalhar com tráfico humano, decidiu fazer a sua viagem para dentro, passando pelo Nepal, Tibete e Índia. Quando voltou de dentro de si mesma criou, com apenas 26 anos, uma ONGD a que deu o nome de SAPANA (que significa sonho em Nepalês). Quis mudar o seu mundo e o dos outros trabalhando o desemprego de longa duração, os reclusos e as minorias étnicas mas com um elemento comum – acordar os talentos de todos eles e dar-lhes uma oportunidade de terem uma segunda vida. Com 3 anos de organização está a criar também um modelo inovador de sustentabilidade numa tribo da Índia esquecida pelo tempo e pelos homens. Uma tribo sem identidade – os Katkari.

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Para os leitores que não os conheçam, como eu tenho o privilégio de os conhecer, poderão pensar que acabei de retirar estas personagens de um qualquer filme de ficção, romanceado pela pena do sonhador que sou. Imagino até alguns: Não, não é possível! No mundo que eu conheço, onde tudo são dificuldades e todos os dias me ligo à nuvem (cinzenta) da informação apenas para tapar qualquer réstia de alegria que ainda me pudesse, eventualmente sobrar, nada disto acontece. É só ladroagem e malta que não vale a pena. De certeza que se estão a aproveitar.

Mas não. O mundo não é só isto. O Portugal que eu vejo é tudo menos isto. Está mais do que provado por especialistas em várias áreas que a realidade que vivemos é aquela para onde decidimos apontar os nossos recursos – visão, vontade e ação. Se estivermos realmente interessados em acreditar que é tudo mau e que não há esperança para o País, será fácil descobrir factos, histórias e notícias que nos dêem guarida a essa versão da vida. E é de facto muito mais fácil não querer ver as sementes da mudança positiva que também lá estão. Mesmo à nossa frente. Mas quem, no seu direito, escolher esse caminho, não tente por favor levar os outros nessa corrente de mesmice e de nada. Quero continuar a acreditar num sonho de um Portugal onde as pessoas, organizadas, motivadas e colocando os seus dons, recursos e competências ao serviço das suas paixões, contrariam o status quo do negativismo que tomou conta de tudo e de todos como uma epidemia sem causa, nem responsável.

Não escamoteio, não negligencio e não sou demagogo na análise dos desafios que se nos apresentam na sociedade em que vivemos. Como empreendedor social mas, sobretudo, como ser humano, seria de uma absoluta insensibilidade e até grosseira estupidez fazê-lo. Mas não me atirem areia para os olhos quando vejo água limpa a entrar pela minha porta. À porta, e em todas as esquinas deste Portugal que amo, nascem histórias de amor de pessoas que se apaixonam pelos problemas de outros. Porque sabem que os outros, amanhã, podem ser eles. Ou outros mais próximos. Ou simplesmente porque se preocupam. E que se recusam a ligar-se à nuvem escura que nos deita, a todos, para baixo.

A Kátia acabou se receber um prémio internacional que nenhuma outra entidade portuguesa recebeu em muitos anos, de uma prestigiada organização internacional da área financeira. Um prémio que lhe granjeia cobertura de media do Reino Unido e apoios financeiros para lançar uma padaria “do bem”. O Miguel é o empreendedor social mais condecorado e reconhecido em Portugal e que tem levado ao Mundo com a cor portuguesa que criou para tantos. Primeiro português apoiado pela Ashoka, maior organização mundial de empreendedorismo social do mundo, e recentemente condecorado pelo Presidente da República. A Carolina, com 3 anos de organização, desenhou uma metodologia que apresenta uma taxa de sucesso de mais de 70% na criação de empregabilidade para desempregados de longa duração. Trabalho reconhecido pelo Estado e, a nível nacional e internacional, por grandes empresas. Com 29 anos foi chamada pelo Prémio Nobel da Paz, Muhammad Yunus, para representar Portugal na reflexão sobre algumas das maiores problemáticas sociais da actualidade.

Ora eu pergunto – mas como podemos constantemente ignorar este Portugal das pequenas grandes pessoas que mudaram mundos e que continuam a mudar?! Bravo meus amigos! E obrigado por continuarem a alimentar esta alma de um País que tanto precisa de a reencontrar.

Frederico Fezas Vital, Terra dos Sonhos