A arte da guerra de Sun Tzu é mais um tratado em tom de poesia. É um compêndio de ensinamentos para a vida, para além do rol de lições militares. Escrito há milénios, não deixa de ser um recurso que inspira líderes políticos, gestores e aqueles que se debatem consigo próprios para um melhor aperfeiçoamento na relação com os outros.

Por vezes, o limite entre nós e os outros pode provocar uma clivagem, quando a visão não é integracionista de uma complementaridade e respeito pela diferença. Assim, quando tal acontece, tecem-se radicalismos entre nós igual a bons, outros igual a maus. Instala-se a clivagem.

Em resumo, a clivagem é um tipo de funcionamento psicológico que, perante o sentimento de conflito interno, provoca uma dissociação da realidade ou de dilaceração do próprio Eu, levando a uma divisão entre um objecto bom, de maneira a preservar esse objecto, e um objecto mau, que pode ser alvo de pulsões destruidoras. Posto isto, percebe-se como se origina facilmente um objecto idealizado e outro odiado, sendo normalmente o idealizado e perfeito, o do nosso lado, e destrutivo e maléfico, o outro lado.

Desde a antiguidade que o discurso sobre os outros está patente sob a forma de diferenciação entre uns e outros, e como se constatou muitas vezes, em sobreposição de uns sob os outros. Os não gregos, eram os “bárbaros”. Na idade média, distinguiam-se os cristãos e os não cristãos. Ora, o ponto de vista de quem se posiciona no nós, olha para os outros de forma egocêntrica e sobranceira, acentuando o sentimento de superioridade de uns em relação aos outros.

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Lévi-Strauss conciliou perspectivas antropológicas dicotómicas, como o universalismo e o relativismo, identificando as “estruturas inconscientes” culturais sendo universais e fazendo parte de todas as culturas, bem como de igual modo, em aparente paradoxalidade, fazendo das mesmas as responsáveis pelas particularidades de cada cultura. Acontece que esta duplacidade que une e respeita o singular, não é tolerada aquando uma visão dicotómica cortante, quando se assume uma posição clivada.

Quando dois grupos entram em guerra, esta clivagem amplia-se e cegam-se os eventuais pontos de contacto que possam existir. O outro é o inimigo, sem qualquer importância a dita singularidade que poderia ser considerada, passando a ser um alvo a abater.

A arte e estratégia de Sun Tzu, ora numa desenvoltura filosófica elevada, quando materializada numa guerra no terreno que resulta numa enchente de mortos, reduz-se a uma crueza sanguinária. O conhecimento do  shih e do tao dissolve-se na passagem áspera aos actos impulsivos decorridos na batalha, onde o conflito agido deixa de ser pensado. Qual a ética e a arte da guerra?

A ética da retórica perde-se na realidade profana de crueldade e condutas desumanas. E onde param os valores humanos e o valor da vida quando se vive num permanente  contacto com a morte? – ora via o atentado à vida do outro, ora colocando a própria vida em risco.

Não há arte na guerra porque não há espaço para a criatividade e somente para a destruição. Não vinga a pulsão de vida, só a pulsão de morte. Não há ligação nem união;  ao contrário, só  corte e desintegração. Não existe amor, só ódio.

anaeduardoribeiro@sapo.pt