Há muito que no debate político se discute a necessidade de uma revisão Constitucional. O mais importante texto do nosso Estado de Direito, que deverá espelhar a evolução da nossa sociedade a todos os possíveis e mais abrangentes níveis, não tem só uma grande relevância e importância histórica, política e social mas deve ser entendido que o peso da Constituição é de facto o único que impõe e garante ao cidadão os limites do poder da actuação do Estado sobre ele.

Se todos concordarmos com a necessidade de uma revisão constitucional, imperiosa no sentido mais absoluto possível, para que ela possa cumprir de forma eficaz o seu papel no espelhar social e económico da nossa sociedade, que é o que verdadeiramente lhe está subjacente, não poderemos nunca aceitar que uma possível revisão ao texto fundamental se faça com base na restrição de direitos fundamentais.

Aliás, foi exatamente por as decisões em sede de conselho de ministros pela altura da pandemia restringirem liberdades individuais consagradas e defendidas pela nossa Constituição que o Tribunal Constitucional veio mais tarde considerá-las normas inconstitucionais.

De grosso modo, o órgão emissor das normas jurídicas não teria competência para tal porque estas afectavam um pressuposto constitucional, restringindo direitos, liberdades e garantias que só poderiam ter respaldo numa decisão parlamentar alargada em sede de revisão constitucional.

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À luz da nossa Constituição, existem duas grandes categorias de direitos fundamentais: os “direitos, liberdades e garantias”, por um lado, e os “direitos e deveres económicos, sociais e culturais”, por outro.

Se no passado recente foi nulo o efeito jurídico das normas consideradas inconstitucionais aquando da crise pandémica, politicamente a história legislativa e constitucional ficou gravemente manchada por um governo legislar sobre o que não podia e não devia. O que se passou foi tão simples como isto: tanto o governo como o Presidente da República, desrespeitaram a constituição e sabiam perfeitamente o que estavam a fazer, tornando a questão ainda mais grave do ponto visto político.

Se o presente texto constitucional é a ferramenta mais eficaz no combate contra o poder estatal absoluto, poderemos hoje afirmar com total clareza, pelas inconstitucionalidades que mais tarde foram conhecidas, que a Constituição cumpriu de facto o seu papel, muito embora os alguns homens da justiça e da política se tenham esquecido da sua importância.

Hoje, a revisão constitucional é de novo o tema dos dias políticos e se o é, analisando as razões expostas para essa revisão, então não podemos deixar de tecer alguns importantes considerandos.

A sua importância extrema é desde logo revelada na necessidade de existir um “casamento” parlamentar que é necessário para o efeito.

A Constituição da República Portuguesa prevê, nos artigos 284º a 289º, os mecanismos em que assentam os processos da sua própria revisão.

A iniciativa de revisão deverá partir dos deputados à Assembleia da República, a quem compete preparar o projecto de revisão Constitucional (CRP, artº 285).

Quaisquer alterações à Constituição deverão ser aprovadas por uma maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções (CRP, artº 286).

De notar que a nossa Constituição foi objecto de sete processos de revisão: em 1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 sendo a sua última revisão efectuada em 2005.

Mas afinal qual é a razão de fundo para que agora o tema venha à discussão?

A resposta, infelizmente é simplória:

Tentar que as normas inconstitucionais decretadas na crise pandémica deixem de o ser, ferindo de novo, mas desta feita de forma legal, os cidadãos na parte mais elementar nos seus já consagrados Direitos Fundamentais.

Todo o processo de revisão constitucional deve ser claro e transparente e não podemos ter enquanto cidadãos nem dúvidas nem deixar que possa pairar sobre este tema qualquer nuvem que assombre o Estado de Direito.

A função de uma revisão constitucional não se pode cingir a tornar constitucional o que antes não o foi. A nossa Constituição não é uma brincadeira qualquer, muito embora o pareça ser até nas mãos daquele que jurou solenemente, e sobre ela, cumprir e fazer cumprir o seu texto.

A Constituição da República Portuguesa, que deve servir de forma robusta o cidadão, protegendo-o contra o poder absoluto, não se pode transformar em mera e corriqueira forma de o Estado se servir dela.

A Constituição serve única e exclusivamente as pessoas, e não é (ainda) um mero documento legislativo que esteja ao serviço de um qualquer executivo, tenha ele maioria parlamentar ou não.

O caminho perigoso que está a ser seguido por parte de alguns agentes políticos neste processo de revisão constitucional pode por em risco a nossa democracia na medida em que pode o cidadão ser alvo de restrições, tal como aconteceu no passado recente, de forma inconstitucional.

Mas como nada disto se pode fazer com um só um conjunto de deputados de um único partido, vejamos como o PSD, o cônjuge disto tudo, se comportará e esta será a maior prova de fogo de Montenegro .

O consenso que resultar deste “casamento”, num ambiente político tão adverso como aquele a que temos assistido, quer socialmente quer economicamente, deverá demonstrar a todos nós, que a Constituição deve continuar a cumprir o seu papel como até aqui, tornando a democracia um sistema político cada vez mais reforçado, defendendo sempre os interesses do seu maior acionista: os portugueses.