No palco é tudo luz, tudo palco, tudo sorrisos. É o mundo virtual da Web Summit. Lá fora, são apedrejados autocarros. Primeiro foi na Ajuda. Depois em Camarate. Porquê? Não se sabe. Por quem? Isso não interessa nada. Aqui, neste outro Portugal, os nómadas chamam-se imigrantes, os contribuintes são mais vigiados que os ladrões e o lucro indigna mais que o roubo.

Na Web Summit, os nossos políticos gastam o nosso dinheiro a tentar que venham para Portugal unicórnios, ou seja empresas que se espera venham a ter em pouco tempo lucros extraordinaríssimos. Fora da Web Summit os mesmos políticos promovem um discurso contra os lucros extraordinários, milionários, grandes ou nem tanto. Mesmo que não se consiga mais receita, como provavelmente vai acontecer com a tributação dos lucros extraordinários dos grupos do sector alimentar, há que dar um sinal, dizem. Um sinal de quê? De que se está contra os lucros extraordinários das empresas. E então os unicórnios o que são eles senão empresas que conseguiram lucros extraordinários? A cada dia que passa vemos crescer as contradições entre a realidade e o que sobre ela se diz. Querido nómada digital leva-me para o teu Portugal. Para esse Portugal dos regimes fiscais especiais, das pessoas sempre a sorrir e em que os lucros extraordinários não são das nefandas grandes empresas mas sim dos unicórnios.

Na semana que agora acabou, certamente inebriados com o facto de termos acabado de salvar o Brasil (agora as eleições não são eleições mas sim operações de salvamento dos países do apocalipse da ultra-direita), e já a fazermos exercícios de aquecimento motivacional para a salvação dos EUA e do planeta (salvações para que seremos convocados nos próximos dias), nem reparámos que pagámos mais um calote da TAP, no que se pode designar como unicórnio versão Portugal socialista.

O último unicórnio da variante Portugal Socialista (a mais ruinosa de todas as variantes de unicórnios lusitanos) é a TAP. Sim, eu sei que no resto do mundo um unicórnio é uma empresa que num ápice valoriza mil milhões. Mas neste outro Portugal, o dos contribuintes que não podem fugir, os unicórnios são desígnios que proporcionam popularidade a curto prazo para pouco depois deixarem buracos superiores a mil milhões no deve e haver com o contribuinte (português, claro pois há lá outro capaz de pagar tanto com tamanha resignação?)

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A 2 de Novembro fomos informados, como se fosse a coisa mais banal do mundo, que a “TAP confirma que não irá devolver os 3,2 mil milhões de euros ao Estado”. Assim, sem mais: a TAP não paga e pronto. O CFO da companhia (antigamente chamava-se a esta figura Director Financeiro agora é Chief Financial Officer), esclareceu que a devolução do montante cedido pelo Estado não está prevista no modelo do plano de reestruturação assinado entre a TAP e a Comissão Europeia. Perante esta declaração, que era absolutamente contrária ao que nos tinha sido garantido, o ministro Pedro Nuno Santos, com a desfaçatez com que há meses anunciou um aeroporto à revelia do primeiro-ministro, declarou que a TAP está a pagar através do apoio à economia nacional, raciocínio que em si mesmo devemos reivindicar para a demais economia e para nós mesmos. Por exemplo, porque havemos nós de pagar o que pedimos emprestado ao banco? Não contribuímos nós com as nossas compras para a dinamização da economia? Claro que sim, logo já estamos a pagar, logo o banco que se dê por satisfeito. Estes pagamentos à moda de Pedro Nuno Santos são um bom exemplo da variante dos unicórnios Portugal Socialista: em pouco tempo geram prejuízos extraordinários a serem suportados invariavelmente pelos contribuintes portugueses.

Há semanas que andamos nisto: uns auto-denominados activistas pelo clima anunciam ir ocupar escolas na próxima segunda-feira. Querem o fim do uso dos combustíveis fósseis até 2030. E basta-lhes querer para se acharem no direito de impor tal propósitos aos outros. Tudo para salvar o planeta, claro.

Sempre existiram criaturas imbuídas de imaginários apocalípticos. O que varia é o poder que lhes damos. Eles por eles acham-se com o direito e o dever de mandar em tudo. Uns acham-se no direito de  ocupar escolas e empresas. Outros de destruir carros e explorações agrícolas. Outros pretendem que deixemos de comer carne. Ou que comamos insectos. Ou apenas plantas. Outros que não andemos de avião. Para mais, a invocação do cenário do apocalipse serve-lhes para legitimar acções que doutro modo seriam tratadas como vandalismo ou mesmo terrorismo.

A velha luta de classes juntou-se à urgência da salvação do planeta. O resultado são acções em nome do ambiente cada vez mais espectaculares e agressivas, tudo envolto numa prosa em que o místico e a política se combinam para legitimar a violência. Nos últimos dias, em França, a construção de uma barragem para fins agrícolas, em Saint Soline, passou a símbolo do fascismo. Consequentemente interrompê-la tornou-se um dever e a violência uma inevitabilidade. O resultados foram 91 feridos, 61 dos quais polícias. Os museus estão de prevenção à espera dos próximos vandalozinhos apoquentados com o clima.

Os desmandos da eco-seita beneficiam da hipocrisia dos políticos ávidos de se colar ao que lhes parece render popularidade e do activismo de jornalistas. Como é que nos salvamos destes pretensos salvadores?