Portugal perdeu a noção de multipolaridade nas últimas décadas. A macrocefalia caótica de Lisboa e Vale do Tejo é evidente e, aparentemente, incontrolável como a epidemia veio demonstrar. Seria legítimo esperar que a nova “visão estratégica para a recuperação económica e social 2020-2030”, de António Costa Silva para o Governo de Portugal, introduzisse factores críticos de coesão e redistribuição geoeconómica, mas repete, ao invés, a hiperconcentração que nos trouxe até à cauda da Europa desenvolvida.

O falhanço das políticas de coesão e ordenamento do território condenou a região Centro a uma das periferias mais pobres e subdesenvolvidas da UE. Coimbra, líder regional natural, foi arrastada nesse vórtex autofágico, numa subalternidade de identidade e missão, com grave prejuízo para o todo pela perda de factores de diferenciação e competitividade nacionais.

Ao longo do plano estratégico nacional de 120 páginas de Costa Silva, Coimbra é referenciada três vezes de forma absolutamente inconsequente:

  • No plano de investimento para reforçar o SNS, no projecto para a terapia oncológica com protões baseado em Loures (!) mas “cooperando estreitamente com Coimbra e Porto”;

Ora, a capacidade científica e tecnológica de Coimbra na área da Medicina Nuclear e, em concreto, no projecto da protonterapia é absolutamente incontornável, com base no único centro português de referência internacional neste domínio. O Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS) detém, por exemplo, um ciclotrão de dupla energia, desenvolvido em cooperação com a multinacional belga Ion Beam Applications (IBA), a maior fabricante mundial de ciclotrões. Este inovador acelerador de partículas, pioneiro a nível mundial e único em Portugal, permite optimizar a produção de Gálio-68, um dos isótopos para diagnóstico de cancro fabricados no ICNAS e exportado para diversos países. Além disso, Coimbra detém não só as equipas de I&D como a valência clínica hospitalar de referência para a terapia com feixes de protões e, seguramente, poderá articular com Loures (!) e a rede hospitalar oncológica nacional o tratamento dos doentes indicados;

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  • No capítulo das “cidades mais competitivas”, defende-se “um projecto de investimento para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto visando construir duas macrorregiões competitivas globais” (a visão passadista não poderia ser mais clara e destrutiva para Coimbra e toda a região Centro) e, de seguida, “um projecto de investimento para as outras cidades como, por exemplo, Aveiro, Braga, Bragança, Guimarães, Coimbra, Leiria, Évora, Faro e Guarda”.

Nada de novo sobre um conceito errado de desenvolvimento regional implementado ad nauseum em Portugal nas últimas décadas, mas sem comparação internacional à escala europeia – o sobredimensionamento do plano de investimento público para Lisboa e Porto continuará e ampliará a desigualdade social, económica e cultural do território nacional, desequilibrando as macro-urbes num ciclo vicioso de pior qualidade de vida, dano ambiental e ineficiência económica, facilmente perceptível pelos investidores nacionais e internacionais, condenando novamente ao fracasso a sustentabilidade económica do país.

  • Por fim, na parte relativa aos “transportes públicos e mobilidade sustentável”, mais uma tímida referência a Coimbra, para “desenvolver sistemas de transporte colectivo em sítio próprio nas cidades de média dimensão (Braga, Guimarães, Aveiro, Coimbra, Leiria, Évora, Faro, entre outras)”.

Refira-se que, neste capítulo, o autor advoga autonomamente o alargamento da rede de Metropolitano de Lisboa, bem como o reforço da oferta e expansão do metro ligeiro do Porto. Nestes casos, ao contrário do projecto de Coimbra com mais de 20 anos de “evolução”, designado Metro-Mondego, parecem não existir entraves ambientais ou financeiros à solução de metro ligeiro por carris, entretanto arrancados em Coimbra e concelhos limítrofes pelo Governo socialista e  para desespero das populações locais.

Coimbra tem sido a cidade das oportunidades perdidas. Seguramente, terá culpas próprias. Mas é continuamente desprovida da mais elementar justiça no investimento público do Estado, enfraquecendo forças essenciais de inovação tecnológica e diferenciação económica nas áreas fortes endógenas da Saúde e Biomedicina, da Ciência e Engenharias, da Educação e Cultura. Perde Coimbra, mas também perde Portugal.