Vimos no ensaio anterior que o sistema político não tem respondido à necessidade de Portugal crescer e convergir para a EU. São os governos que fazem as políticas económicas e são as administrações públicas e as instituições que implementam essas políticas. Se as políticas económicas levaram à estagnação é porque os governos prosseguiram outros objetivos ou fins, ou não souberam formular as políticas adequadas aos anseios dos cidadãos de melhorar o seu nível de vida, do qual os rendimentos que produzem e recebem são uma das principais dimensões.
Vamos neste Ensaio apresentar algumas das propostas que a Sedes propõe às elites governantes para aperfeiçoar a nossa democracia e levar a que os governos deem prioridade ao crescimento e reúnam os talentos necessários à formulação das melhores políticas dirigidas àquele fim.
Em primeiro lugar é necessário criar as instituições e capacidades de elaboração das estratégias e políticas de desenvolvimento de longo prazo do País, estas não caiam do céu, e apesar das experiências internacionais serem extremamente úteis, aquelas têm que responder às necessidades específicas do País, e tomar em conta as suas instituições e comportamentos. Vimos recentemente com a experiência do PPR que não é possível, nem desejável, que estas funções sejam sub-contratadas, nem é possível produzi-las “ad hoc” num curto espaço de tempo. Estas funções devem estar enxertadas institucionalmente à semelhança dos países mais desenvolvidos.
Em segundo lugar, é a desconexão e distanciamento entre os eleitores e eleitos que provoca que estes últimos se alheiam das necessidades dos primeiros, não sejam responsabilizados no dia a dia e que não haja escrutínio dos órgãos de decisão do Estado. Por conseguinte, reformas que levem a aumentar a representatividade, responsabilidade e escrutínio da democracia são fundamentais. Abrir os partidos políticos à sociedade e promover a concorrência entre eles, de forma aberta e transparente, à governação, é outra importante dimensão. Descentralizar e desconcentrar o Estado, segundo o princípio da subsidiariedade é outra forma de aproximar os cidadãos ao poder.
As boas políticas têm que respeitar os equilíbrios macroeconómicos no curto e longo prazo, internos e externo, de forma a evitar as crises recorrentes que o País tem vivido. O facto de a nossa governação estar sujeita à supervisão das instâncias comunitárias e financeiras internacionais é um sinal de fraqueza da soberania, provocada pela ausência de mecanismos internos que garantam aquelas boas políticas.
Como vimos anteriormente, a subserviência dos governos aos grandes interesses económicos ou corporativos está por trás da extraordinária destruição de valor que ocorreu em vários setores da nossa economia e nos deixou fortemente endividados. É, pois necessário, reforçar a autonomia do Estado, mediante o reequilíbrio dos poderes de soberania, revitalizar o Estado enquanto regulador e retirar o Estado da produção onde não tem vantagens comparativas. A comunicação social, como mediadora entre eleitores e eleitos, desempenha um papel fundamental no escrutínio da governação e na formação da opinião pública necessária para guiar os governantes. Ora só assegurando a diversidade e equilíbrio social e político na comunicação social, sem monopólios públicos nem privados da informação, se poderá criar as condições básicas do funcionamento da democracia.
Finalmente a despolitização da Administração Pública e a sua valorização permitirão implementar de forma mais eficiente as políticas do governo e fortalecer as instituições para um Estado mais moderno.
Vejamos, agora, as reformas concretas que a Sedes propõe nestes domínios.
1 Criar as Instituições e Capacidade de Elaboração das Estratégias de Longo Prazo e das Políticas de Desenvolvimento do País
Temos que voltar a criar a capacidade de o País fazer os diagnósticos e formular as suas políticas de desenvolvimento a longo prazo, que possa contrabalançar as “visões de curto prazo” próprias dos partidos preocupados com os ciclos eleitorais. Para tal propõe-se:
1.1 A nível superior
Criar um Comité de Conselheiros Economia, à semelhança dos casos americano e alemão, composto por sete professores universitários (3 dos departamentos nacionais de Economia com maior rating internacional, 2 professores portugueses e 2 professores estrangeiros dos departamentos top 25 a nível internacional), propostos em lista de três alternativas pelo Governo e nomeados pelo Presidente da República. Uma das funções fundamentais seria produzir anualmente um relatório sobre as políticas macroeconómicas de curto e médio prazo, e cada 3 anos produzir um relatório sobre as políticas de desenvolvimento com o horizonte de uma década, propondo cenários e estratégias de desenvolvimento para o país.
Este Comité seria secretariado por uma Unidade de Missão, trabalhando em rede com os centros de investigação em economia e outras ciências sociais, com o modus operandi semelhante ao France Stratégies (https://www.strategie.gouv.fr/), criado pelo Presidente Macron, ou da Productivity Commission australiana que é creditada com o “milagre australiano”. O Comité encomendaria trabalhos (livros brancos) a Comissões Ad-Hoc, no estilo inglês, com termos de referência específicos, para o diagnóstico e elaboração de recomendações para solução de problemas fundamentais que enfrentamos: (i) envelhecimento populacional; (ii) descentralização e enriquecimento do território; (iii) transição climática e preservação do ambiente.
1.2 Na Administração Pública:
Criar Gabinetes de Planeamento, com especialistas de elevada competência, nos Ministérios Setoriais, que se dediquem a elaborar políticas e planos de desenvolvimento a longo prazo, sub-contratando a centros de investigação universitários, os trabalhos necessários para a sua elaboração. É necessário, por exemplo, termos um Plano para as Infraestruturas de Transportes, Plano Energético, Plano para Racionalização e Desenvolvimento das Infarestruturas de Saúde, Educação e Sistema Judicial, com processos de revisão periódica.
1.3 Ao nível do Parlamento.
A Sedes propõe a discussão de um sistema bicameral, através da criação de um Senado, cuja missão seria dar um sentido de estabilidade às políticas fundamentais do país e uma visão de longo prazo ao nível da legislatura e escrutínio do Governo. E cumpriria dois objectivos: reforçar a representatividade do território na formulação de políticas e assegurar um diálogo intergeracional mais produtivo. Tendo cada círculo eleitoral o mesmo número de senadores, independentemente do número de habitantes, as principais opções de planeamento e orçamentais estarão mais imunes a subversões eleitoralistas. Poderia ser eventualmente compensada por redução do número de deputados na AR. O Senado subsumiria as funções do Conselho de Estado. Para além dos membros já hoje nomeados haveria também membros eleitos, com um mandato de 6 anos. Variações deste sistema já existem nos EUA, Alemanha, Reino Unido e Itália.
Propõe-se também o reforço dos gabinetes parlamentares de apoio aos partidos representados. Por outro lado, a SEDES entende que é necessária a revisão do estatuto dos deputados, nomeadamente a questão da exclusividade no exercício de funções, nos casos em que a sua profissão de origem seja regulada por Ordem profissional, por forma a mitigar conflitos de interesses. Essa exclusividade deve implicar um aumento da sua remuneração, com o intuito de tornar a função mais atrativa para mais cidadãos e de dissuadir os seus titulares de atitudes e comportamentos prejudiciais ao exercício das funções. No sentido de combater o “funcionalismo” dos deputados, o Grupo defendeu o subsídio de reintegração de deputados quando cessam as suas funções, em função de rendimento anteriormente auferido.
E propõe-se o reforço e revigoramento das Comissões Parlamentares especializadas que se debrucem no estudo dos problemas de longo prazo, ouvindo especialistas nacionais e internacionais nestas matérias.
1.4 Nos Partidos
Recomenda-se que os partidos revejam e atualizem periodicamente as Cartas de Princípios e Programáticas, que vão aprofundando as suas identidades e reputação, para maior transparência perante o eleitorado.
Propõe-se, dada a sua importância, o reforço dos Gabinetes de Estratégia e Estudos dos Partidos Políticos, requerendo que estes apliquem 25% do seu financiamento público nestes centros para elaboração dos seus programas de governo.
1.5 Apoiar a Sociedade Civil e Universidades
A nível da sociedade civil propõe-se que o Estado incentive o apoio dos think-tanks e fundações que se dediquem aos estudos económicos e sociais de longo prazo do país, possibilitando, por exemplo, a dedução em sede de IRS e IRC, das contribuições para estas instituições, acreditadas por regulador independente da I&D no País.
Também se propõe o reforço dos financiamentos destinados aos estudos do desenvolvimento económico e social nas nossas Universidades e Centros de Investigação, através das fontes oficias, como a FCT.
2 Aumentar a participação dos Cidadãos nas Estruturas e Processos Políticos
Como vimos no anterior Ensaio, os cidadãos dão grande importância aos resultados económicos da governação. Existe ampla evidência de são fundamentais as políticas que fazem crescer a economia, aumentar o emprego de qualidade e fazer subir os seus rendimentos. Esta é uma constatação comum a todos os regimes democráticos. Por conseguinte, não podemos dizer que os portugueses são diferentes e não dão importância a estes resultados. O problema é que ou os partidos prometem esse crescimento e ou (i) abandonam essas promessas depois de ser eleitos, ou (ii) não propõem as políticas apropriadas para conseguir aquele objetivo.
Qualquer que seja a razão, é fundamental a aproximação dos eleitos aos eleitores, para que aqueles saibam interpretar as suas preferências e traduzi-las em resultados concretos, aumentando a sua responsabilização (accountability).
Os estudos que se têm feito sobre as eleições em Portugal baseiam-se nos inquéritos feitos aos eleitores que exercem o seu direito de voto, e, por conseguinte, não abrangem os que se abstém. As principais razões porque o eleitor que se abstém são (i) nenhum dos partidos a votos lhe oferece um programa que se aproxima das suas preferências ou merece a sua confiança; (ii) é indiferente em relação ao partido que poderá ganhar, ou seja, os programas que os dois partidos com probabilidade de ganhar são muito semelhantes; (iv) que o seu voto não contribuiria para alterar o resultado provável; ou (v) rejeita o sistema vigente. Esta falha séria dos estudos não nos permite avaliar a verdadeira “desconexão” entre eleitores e eleitos.
Serão necessárias um conjunto de reformas aproximem os cidadãos dos que governam e aumentem o incentivo para o cidadão participar nas eleições e sintam que o seu voto possa influenciar as políticas futuras. Para isso propomos a reforma do sistema eleitoral que respeitando o princípio da proporcionalidade cria o sistema dos “deputados da proximidade”, a abertura dos partidos aos cidadãos, e a descentralização do Estado.
2.1 Reforma do sistema eleitoral
É essencial estabelecer uma relação mais direta ao nível do círculo eleitoral, entre os eleitores e o deputado que os representa. Este elo existe já existe de há longa data em muitas das democracias mais avançadas, como nos EUA, Reino Unido e Alemanha.
A proposta das Sedes corresponde à plena implementação do artigo 149º da Constituição, que diz: “os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais e uninominais, bem como a respetiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional …”. Ora é exatamente isto que a proposta da Sedes e APDQ asseguram e corresponde ao sistema alemão já há muito em prática.
Conforme relata Manuel Braga da Cruz, no seu livro “O Sistema Político Português”, FFMS, 2017, o regime misto chegou a ter o apoio de António Guterres, Mário Soares e Cavaco Silva.
A Figura 1 mostra o tipo de lista que cada votante tem que preencher, do lado esquerdo vota num partido e do lado direito vota num candidato.
Figura 1
Os 229 lugares de deputados seriam divididos em 210 mandatos correspondentes a 15 círculos, baseados nos distritos, 4 mandatos das comunidades e os restantes 15 para assegurar a proporcionalidade no círculo nacional.
A sua distribuição por círculos eleitorais encontra-se na Figura 2, em que o número de deputados é proporcional à população.
Têm sido levantadas três tipos de questões sobre esta proposta. A primeira levanta o problema da governabilidade dos partidos, na medida em que os deputados dividem a sua lealdade entre o partido e o círculo que representam. Ora, o regime já existe em muitos países que mostram um elevado grau de governabilidade. Além disso, a escolha dos deputados é feita pelos dirigentes do partido que conhecem o comportamento dos seus membros, e a sua nomeação para eleições tem subjacente um contrato entre o deputado e o partido. Mas o principal conflito é entre a conceção do partido tipo diretório que é o sistema vigente entre nós e o partido multifacetado, mais democrático, que propomos. Este último parece-nos claramente superior, respondendo também à necessidade de maior abertura dos partidos à sociedade.
A segunda objeção argumenta que os pequenos partidos sairiam sub-representados. Simulações feitas com os resultados das eleições de 2019 mostram o contrário, ou seja, o sistema proposto ao assegurar a proporcionalidade, preserva esta propriedade, na medida em que mantém um círculo nacional em que os deputados serão eleitos em proporção às percentagens nacionais, caso os círculos uninominais não o tenham produzido.
Outra objeção é que esta reforma não baixaria a abstenção eleitoral. Esta é uma questão difícil de responder. Existem experiências doutros países que poderão fundamentar ambas as respostas, mas é difícil em ciências sociais tirar conclusões definitivas porque não é possível extrapolar as condições de partida. Tomando a experiência da reforma em Itália, mas agora numa perspetiva de melhoria da competência dos deputados, é importante acompanhar esta reforma com a melhoria das remunerações e exigências mais estritas de exclusividade, sobretudo prevenindo conflitos de interesses.
2.2 Abertura dos partidos à sociedade
A evolução dos partidos em Portugal, como noutros países europeus e tal como a experiência do CDU na Alemanha, tem revelado uma descaraterização dos seus princípios e ideologia, com mutações conforme o líder ou o contexto eleitoral. Entre nós, tanto o PS como o PSD transformaram-se de certa forma em “catch-all parties” ou “big tent parties”, embora seja discutível que o abandono da ideologia a favor do pragmatismo tenha levado a uma mentalidade de “políticas públicas para resolver os problemas concretos da sociedade”, como os resultados demonstram. Parece-nos, mesmo assim, necessário que os partidos, sobretudo os do arco governativo, estabeleçam as bases programáticas e ideológicas de forma clara e transparente, sobretudo para combater o populismo e radicalismo.
A forma de eleições legislativas, internos dos partidos, o seu modus operandi à base de diretório e a forma como os partidos se têm fechado ao surgimento de novas plataformas, necessita de ser revista, para abrir os partidos à sociedade. Uma das propostas para essa abertura é introduzir eleições primárias para os dirigentes partidários, com possibilidade de candidatura de independentes. Embora sujeito a registo prévio para controle de possíveis subversões, o voto deveria estar aberto não só aos militantes, mas também aos simpatizantes.
2.3 Descentralização e desconcentração
A percentagem da despesa pública nacional que é efetuada pelo nível local é de 12,6 % em Portugal, sendo a média na UE de 33,4%. O emprego público na administração local nacional ronda os 18%, comparado com 60 a 75% em vários países europeus. Na UE apenas existe situação comparável de gastos públicos na Grécia, Hungria e Bulgária, excetuando os microestados. Portugal é o único caso, dentro do grupo de estados-membro da UE com valores semelhantes de população total e número médio de habitantes por município, que não apresenta um nível regional de governação.
Uma primeira reforma seria alinhar as várias divisões administrativas (Regiões Autónomas, CCDRs, NUTS, AMs, CIMs). Por outro lado, em consonância com a proposta de reforma eleitoral, propõe-se que este mapa esteja conforme com os círculos de representação eleitoral para a Assembleia da República.
À luz do princípio de que uma determinada função ou serviço deve ser colocado ao nível que permite melhor revelação de preferências pelos cidadãos e controle e eficiência na sua implementação, há funções que deveriam ser descentralizadas para os municípios (como a prestação de ajuda social) ou associações de municípios (gestão dos transportes, resíduos ou das florestas), associações de escolas (como contratação de professores), estruturas locais ou regionais de saúde (gestão do pessoal de saúde), ou entidades autónomas (como aconteceu com os registos).
Na mesma linha deve-se incentivar a partilha de serviços entre municípios, aprofundando as práticas de cooperação intermunicipal.
Também é importante desconcentrar determinados serviços do Estado. Por exemplo, uma proposta é a de transferir para Coimbra todos os Tribunais Superiores e Conselhos de Magistraturas.
Não se tem dedicado suficiente atenção ao aperfeiçoamento democrático dos Governos Locais, ou seja, aos Municípios. Esta é uma questão particularmente importante porque com a organização partidária vigente, as orientações nacionais dos dois grandes partidos são fortemente influenciadas pelas suas estruturas locais. É mais uma vez necessário criar incentivos para que estas estruturas locais partidárias se abram à sociedade.
A lei autárquica vigente permite pequenos grupos capturarem o poder, bastando cerca de 30% dos votos para deter a Presidência da Câmara, tendo o presidente enormes poderes e sendo praticamente inamovível. Existem muitos casos em que estes apenas atribuem pelouros aos vereadores da sua cor política.
Finalmente é essencial reforçar os mecanismos de Formação e Inspeção a nível local, de forma a aperfeiçoar as estruturas locais de governação e combater a corrupção, que continua infelizmente a existir entre nós.
3 Apoiar e reforçar as instituições de escrutínio dos equilíbrios macroeconómicos
A crise económica de 2011-2013 e os cortes de salários e pensões, e as subidas de impostos do Programa de Ajustamento, deixaram marcas profundas, e que permitiram a António Costa governar com apoio da extrema-esquerda, revertendo as medidas do programa, uma vez reequilibrada a economia. Mas apesar da reversão este governo manteve o respeito do Pacto de Estabilidade/Pacto Fiscal da zona Euro. Enquanto o nível da dívida pública permanecer como uma guilhotina pronta a despenhar-se sobre um qualquer governo que desrespeite a disciplina orçamental, o País será obrigado, à outrance, a respeitar os equilíbrios macroeconómicos.
Todas as três crises da dívida que sofremos foram causadas pela falta de respeito dos equilíbrios macroeconómicos: esta é a dura lição da história, com consequências desastrosas sobre o crescimento económico. É, pois, importante, reforçar os mecanismos internos de escrutínio das políticas macro, para que não seja necessário que a troika venha impor essa disciplina.
O Conselho das Finanças Públicas tem tido um bom desempenhado no seu escrutínio, e deve ter o respeito das autoridades auditadas.
Contudo, propõe-se duas recomendações para reforçar este escrutínio. O primeiro é introduzir as regras impostas pelo Pacto Fiscal numa próxima revisão da Constituição, de forma simples e verificável. Esta regra permitiria dar precisão à atuação do Tribunal Constitucional, quando se colocarem questões como os “decretos da austeridade”.
O Presidente da República deve atuar, pedagógica e usando os poderes que lhe são conferidos, forma a preservar estes mesmos princípios de estabilidade e crescimento económicos.
Propomos ainda a criação de um Ministério e/o ombusdmen das gerações futuras, que possam pelo menos introduzir “a voz” das gerações futuras na discussão das políticas económicas do País.
Uma outra medida simples, é requerer que o Governo apresente todos os anos uma auditoria sobre a Sustentabilidade do Sistema de Pensões, realizada por consultores externos internacionais. Ou de forma mais audaz, repita todos os quinquénios o exercício sobre equidade inter-geracional publicado recentemente pela Fundação Gulbenkian.
4 Aumentar a independência e autonomia dos Governos face aos grandes interesses e grupos corporativos
Para o reforço da independência e autonomia dos Governos face aos grandes interesses e grupos corporativos que podem comprometer o interesse geral da sociedade e o bem-estar económico, propõem-se medidas de (i) reforço dos “checks and balances” entre os poderes soberanos do Executivo, Legislativo e Judicial; (ii) maior escrutínio pelo Parlamento do Executivo; (iii) reforçar o combate à corrupção e clientelismo; e (iv) assegurar a diversidade da comunicação social.
4,1 Maior equilíbrio entre os Poderes do Estado
É indiscutível de que o Executivo tem que ter poderes suficientes para implementar o programa para o qual foi eleito pelos cidadãos. Contudo tem havido excessos e muitas vezes confusões entre o Governo e o Partido, como por exemplo as críticas que se ouvem desde os anos 1990 dos “jobs for the boys”, estendendo o poder a setores que devem funcionar ou sob as regras do mercado ou de uma concorrência política sã, para não falar da inversão dos incentivos para os agentes económicos que comprometem a meritocracia e o funcionamento normal das instituições.
Neste reequacionar da relação entre os poderes soberanos, e dentro do regime semi-presidencialista, a Sedes refere que é importante debater o reforço dos poderes presidenciais – no essencial, limitados ao poder de veto, à demissão, fundamentada, do Governo e à dissolução da Assembleia da República. Com efeito, salientado e promovendo o papel Presidencial, a SEDES defende uma maior intervenção do Presidente da República na regulação e na justiça, devendo este passar a indicar ao Parlamento proposta para presidentes das autoridades reguladoras, bem como nomear o Procurador-Geral da República e ainda o Governador do Banco de Portugal.
A SEDES defende ainda uma separação clara entre as magistraturas e o exercício de cargos na administração pública, incluindo os de nomeação. São dois poderes distintos da República, e uma porta giratória entre os dois, fragiliza ambos.
4.2 Maior escrutínio do Executivo pelo Parlamento
A Assembleia da República deveria ter um papel mais ativo no escrutínio e avaliação do trabalho do Executivo, em que os trabalhos das oposições assumem papel especial. Em particular, o Primeiro-Ministro e os respetivos Ministros deveriam ser chamados periodicamente a expor em plenário ou nas secções respetivas, a execução do programa governativo, e as razões para as divergências encontradas. Também raramente se discute na Assembleia a situação e políticas macroeconómicas bem como as políticas numa perspetiva de crescimento económico do País.
Embora os Inquéritos Parlamentares tenham investigado e tornado públicas importantes factos e comportamentos cuja correção e sancionamento são imprescindíveis para o funcionamento normal das instituições, as conclusões e recomendações ficam muito aquém do requerido, e sobretudo as consequências em termos de medidas de política são insatisfatórias para prevenir a repetição de erros no futuro.
Neste âmbito, a SEDES defende que os artigos 164º e 165º da Constituição devem ser revisitados no sentido de reequilibrar as reservas absoluta e relativa de competência legislativa, tendo em vista uma diminuição significativa das possibilidades de autorização legislativa concedidas ao Governo, procurando deste modo criar condições para que seja assegurado o primado efetivo do Parlamento.
4,3 Combater a corrupção
A SEDES sinalizou a importância de Portugal implementar imediata e incondicional toda as recomendações do Group of States Against Corruption (GRECO). No último relatório desta instituição apenas 3 das 16 recomendações foram totalmente implementadas.
A par do cumprimento das recomendações internacionais, a SEDES apela ao reforço de uma cultura de transparência na ação governativa. Tal passará necessariamente pelo cumprimento integral da Estratégia Nacional Contra a Corrupção. E pode também levar a que se considere o alargamento das competências da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados da Assembleia da República, passando a fiscalizar membros do Governo, dirigentes da administração pública, membros dos gabinetes ministeriais, direções das entidades reguladoras e dirigentes de entidades privadas com relevante utilidade pública.
4.4 Assegurar a diversidade da Comunicação Social
A Comunicação Social é o mensageiro entre os eleitos/candidatos e os eleitores. Tem um papel de comunicação entre aqueles grupos em dois sentidos: (i) transmissão das mensagens dos governantes e dos partidos políticos aos cidadãos na condução das políticas públicas; e (ii) transmissão das aspirações, necessidades e avaliações dos cidadãos aos governantes e aos partidos políticos (a chamada opinião pública). Desempenha desta forma um pilar fundamental no funcionamento da democracia. Por um lado, no acesso dos partidos e organizações cívicas aos meios de comunicação social, de forma equilibrada, para que estes possam transmitir os seus programas eleitorais aos eleitores, e durante o exercício do poder, escrutinar de forma transparente o exercício do poder.
Conforme as instituições internacionais, é no exercício das liberdades que mais falha o sistema em Portugal. Apesar de haver um vasto número de empresas e canais de televisão e imprensa, basta um dia em que se percorram estas diferentes fontes para se avaliar a cacofonia que existe entre muitos deles, e a falta de diversidade. Para além da enorme presença dos canais estatais de televisão, várias das empresas privadas estão falidas e só sobrevivem porque os grupos onde estão inseridos as mantém, e outros encontram-se em situação de grande fraqueza financeira. Por outro lado, temos uma agência de notícias que é monopólio do Estado.
É, pois, necessário um debate profundo sobre o papel e controle do Estado. Serão necessários tantos canais de televisão do Estado, que competem na programação com os privados. Para equilibrar o level playing field, o Estado deveria reduzir a sua presença e dedicar-se sobretudo ao serviço público. Deveria ser proibida a publicidade na televisão pública, que se financia já pela contribuição audiovisual. O foco no serviço público diminuiria de forma significativa os recursos necessários.
É essencial que o Estado, e o setor empresarial ou dependente do Estado deixe de financiar de forma direta ou indireta os canais privados.
As plataformas digitais vieram alterar de forma radical os meios de comunicação social: hoje cerca de dois terços da publicidade é feita através daqueles meios, tendo retirado uma parte substancial das receitas da comunicação tradicional. Além disso, estas plataformas utilizam grande parte das notícias produzidas pela comunicação social sem pagar direitos de autor. Uma das soluções para este problema seria estabelecer um código de conduta que leve ao pagamento duma prestação pelas plataformas às empresas de comunicação tradicionais, no seguimento do acordo conseguido pela Austrália. Este problema está em discussão a nível europeu e requer uma solução urgente.
5 Valorizar a Administração Pública e despolitização da Administração
Outro aspecto fulcral e de natureza transversal diz respeito às regras de recrutamento público. A SEDES reiterou a importância de garantir a imparcialidade das nomeações, com avaliação prévia de idoneidade dos candidatos, e com base no reforço dos órgãos de fiscalização e supervisão (CRESAP e Inspeções-Gerais). Por outro lado, é urgente reactivar, com mais meios e em rede com Universidades, o Instituto Nacional de Administração. É absolutamente essencial reforçar a capacidade da Administração Pública em recrutar os melhores, para o que se torna imperativoaumentar salários dos cargos de direção.
A estabilidade e maturidade da nossa administração só será atingida com a sua despolitização. Somos frequentemente confrontados com a enorme dimensão do aparelho do Governo, pelo que, por forma a dotar a ação governativa de maior eficácia e credibilidade, a SEDES entende ser necessária a redução do pessoal político nos gabinetes ministeriais, com consequente capacitação das entidades públicas tuteladas que assumiriam maior relevância técnica no apoio à decisão política. De facto, cada um deles é composto em média por 17 pessoas, não se considerando as secretarias de estado adstritas, o que comporta um custo anual aos cofres públicos de dezenas de milhões de euros.
6 Conclusões
A Sedes pretende regenerar a democracia, para que seja mais representativa, aberta e solidária, elegendo governos preocupados em elevar o nível de vida dos cidadãos, um Estado mais ágil e aberto às necessidades dos cidadãos, e criar uma sociedade mais ambiciosa. Para atingir este objetivo propõe um conjunto de reformas do sistema político que compreende a criação de instituições dedicadas à formulação de estratégias e políticas de desenvolvimento, à aproximação entre eleitos e eleitores através da reforma do sistema eleitoral e abertura dos partidos políticos à sociedade.
Propõe também um maior equilíbrio de poderes entre os três poderes do Estado, reforço dos poderes do Presidente e maior escrutínio por parte da Assembleia. Também deve ser debatida a criação de um senado em substituição do Conselho de Estado.
Sublinha a importância de criar uma Administração Pública desgovernamentalizada, despolitizada e valorizada, com reforço das instituições de formação das ciências de administração.
É também essencial criar melhores condições para atrair talentos para os altos cargos políticos e da Administração e combater a corrupção a todos os níveis.
Finalmente, para colmatar as sérias deficiências na Comunicação Social propõem-se uma série de medidas para reforçar a capacidade financeira das empresas de comunicação social e políticas de diversidade e redução das barreiras à entrada e de forte melhoria no acesso das oposições aos meios tradicionais de comunicação, tendo em vista a diversidade política e a liberdade de expressão. Estas medidas implicam também reformas na regulação das plataformas digitais.
A terminar, queremos agradecer a colaboração e entusiasmo do Grupo de Trabalho do Sistema Político da Sedes, e em especial aos seus coordenadores João Ribeiro-Bidaoui, Henrique Monteiro e Miguel Poiares Maduro e, ao seu relator Luis Archer.