Diverti-me imenso com a recepção pasmada e quase histérica com que foi brindada a chegada de Ricardo Robles ao mundo dos outdoors de campanha eleitoral autárquica. Lisboa viu-se invadida, da noite para a manhã, por gigantescas fotografias de um homem jovem, sorridente, bem-parecido, que o Bloco de Esquerda escolhera para candidato à liderança do Executivo municipal.
Começaram a ouvir-se (eu ouvi várias) vozes femininas a declararem o seu apoio incondicional ao candidato, independentemente do que ele dissesse, fizesse ou representasse – naturalmente em tom de brincadeira (será?). Ouvi ainda recentemente algumas vozes dessas, em circuito privado, confessarem, a propósito da conferência de imprensa sonsa que o homem em questão protagonizou há dias, que não interessava nada do que ele dissesse e que tudo está certo quando se tem “aquela carinha”.
A estratégia bloquista foi, pois, coroada de sucesso integral. Esta estratégia, que já descrevi antes, de criar um front-office político de gente bem-parecida, bem vestida e bem-falante, distante do estilo agreste e operário de outros tempos, tem produzido resultados conhecidos na sociedade mediática em que vivemos – insuflou vida num partido que definhava, levou o Bloco aos umbrais da governação e transformou-o no fiel do equilíbrio que garante ao PS a maioria que lhe permite dominar a Câmara de Lisboa. Até agora.
Até agora porque agora aquele que se parecia com um modelo – ao que me diziam – saído de um anúncio Armani ou Hugo Boss, que retratam habitualmente yuppies burgueses cujo target é composto essencialmente por yuppies burgueses, revelou-se e expôs-se como aquilo que afinal é: um yuppie burguês. E foi isso que mais irritou Catarina Martins, que reagiu destemperada, desorientada, agastada com o mundo – porque foi, também ela, exposta e denunciada e isso tornou-a excepcionalmente inábil e comprometeu-lhe a lucidez.
Sejamos claros: Robles fez um negócio imobiliário genial – cuja taxa de rentabilidade não está ao alcance nem do magnata megalómano Trump, nem de António Costa, que apelidei injustamente de especulador profissional, quando é, afinal de contas, mero aprendiz de feiticeiro. Robles dizia ter o coração à esquerda mas demonstra que claramente nunca se esqueceu de onde sempre teve a carteira.
Robles, o mestre indisputado entre os tubarões do imobiliário, tem futuro garantido a dar cursos de formação. Primeiro pelas Câmaras Municipais de todo o país, mostrando como acelerar licenças e aprovações (aliás, está desafiada a Câmara de Lisboa a nunca ultrapassar com outros processos o tempo que demorou para aprovar os pedidos de Robles). Robles ensinará gestão e especulação imobiliária como poucos podem fazer (como comprar barato à segurança social, como transformar águas furtadas em andares de luxo, como despejar sem de facto usar a palavra despejo), ganhando dinheiro pelo caminho (muito dinheiro, como ele gosta).
E pasme-se com este coro anti Robles – o país de Centeno desesperado por receita e mais receita (para cobrir a despesa e mais despesa) está agora a prejudicar o negócio de Robles, impedindo incompreensivelmente a tributação deste mega-negócio que se propunha fazer. Não pode ser!
Robles é um capitalista selvagem do género mais especulativo que existe, é um perito em gerar receitas avultadas no curto-prazo e não deve agora vir uma Catarina ou uma Mortágua sabotar a actividade de um homem que possui um talento ímpar e um olho para o negócio verdadeiramente único.
Demitiu-se, claro que se demitiu – e fez muito bem. Está agora livre das amarras bloquistas para prosseguir a sua senda ávida de lucro e com isso poderá prestar consultoria especializada a quem tanto dela necessita – autarquias, Estado central, empresas imobiliárias e partidos políticos. Livremente e sem ter que andar com o credo anti-especulação permanentemente na boca, que o devia queimar como a água benta aos vampiros.
Presumo que se demitiu depois de passar pelo acampamento anual do Bloco, espalhando o seu charme négligée a sua credibilidade autárquica pela tenda onde se debatia o “Direito à Habitação vs Gentrificação” e aplaudindo Joana Mortágua, que liderava o painel intitulado “A propriedade é o roubo” (sic).
Mas aposto que acelerou de seguida em direcção a Lisboa, para dormir no Ritz – que estes acampamentos, sem ar condicionado, têm sempre muito pó no ar e os mosquitos são incomodativos.
P.S. Despeço-me, agora, até ao arranque de Setembro. É que vou mantendo o hábito pequeno-burguês de fazer uns dias de férias em Agosto.