Em 2014, num encontro com representantes de organizações não governamentais e religiosas internacionais, Putin disse: “Goebbels era uma pessoa talentosa. Ele conseguia atingir os seus objetivos”.
Esta declaração explica da melhor forma a política do regime de Putin, que manifestamente se orienta pela palavra de ordem do tristemente célebre Ministro da Propaganda, na Alemanha Nazi, entre 1933 e 1945, Joseph Goebbels: “Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade“.
O famoso historiador dos países do Leste da Europa e professor da Universidade de Yale, Timothy Snyder, explicou como a Rússia usa o termo “russofobia” para justificar a guerra agressiva, a política genocida e os crimes de guerra. No seu discurso de 14 de março de 2023, perante uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, convocada a pedido de Moscovo para discutir “russofobia”, ele disse: “os danos causados aos russos e à cultura russa são principalmente resultado da própria política da Federação Russa. Se nos preocupamos com os danos causados aos russos e à cultura russa, então preocupamo-nos com a política do estado russo.
O termo “russofobia”, que estamos a discutir hoje, é usado durante esta guerra como uma forma de propaganda imperial na qual o agressor reivindica o papel de vítima. Durante o ano passado, serviu para justificar os crimes de guerra da Rússia na Ucrânia.”
Este termo – “russofobia” – não é novo na história de Moscovo e sempre esteve relacionado com a política interna e externa da Rússia imperial.
A tradição de governar o império com a narrativa: “A culpa de tudo está nos estrangeiros, que têm inveja dos russos e, por isso, sempre nos querem fazer mal”, funciona na Moscóvia desde há séculos. Há uma piada na cultura russa que na verdade já teve consequências horríveis. Na forma mais moderna, ela soa assim: «Se numa torneira não há água, é porque os judeus beberam tudo!”. Para a maioria do povo, não importa muito que este tique de responsabilização dos inimigos externos – reais ou puramente imaginários – até enferme de uma contradição lógica.
Assim, por exemplo, na mentalidade de um apoiante do regime de Putin, nada impede que o presidente da Ucrânia – Zelensky – seja judeu e nazi no mesmo tempo (mesmo que o avô dele tenha combatido no exército vermelho na Segunda Guerra Mundial).
Aliás, este tipo de declarações vem até da mais “alta” elite política russa, como, por exemplo, do ministro dos negócios estrangeiros, Sergei Lavrov, que em maio de 2022 comparou Zelensky com Hitler.
Claro, não podemos generalizar isto, aplicando-o indiscriminadamente ao povo e à cultura russos. Muito em especial não o podemos aplicar aos patriotas russos, que agora heroicamente começaram a libertar a Rússia do regime do Putin, nos combates da cidade Belgorod. Pois eles têm por missão justamente converter a Rússia num país democrático, que deixe de ser uma ameaça permanente para os países vizinhos.
Com mais intensidade, o termo “russofobia” começou a ser martelado pela propaganda russa em 2010, quando o assessor de Putin, Dmitry Medvedev, aprovou a nova doutrina militar russa, segundo a qual a Rússia passa a reservar-se o direito de recorrer a armas nucleares em resposta ao uso de qualquer arma de destruição maciça usada contra ela ou seus aliados.
Isto serviu de pretexto ao governo russo para deixar de investir em programas sociais, para a população, e converter a economia do país numa economia predominantemente militar, votada ao reforço do armamento e ao exército.
Mas a propaganda da “russofobia” não é usada só na Rússia.
Antes da anexação da Crimeia, este termo começou a ser explorado pelos partidos e ativistas pró-russos na Ucrânia. Assim, por exemplo, a revolução de 2014 foi logo descrita por apoiantes de Putin na Ucrânia como manifestação de “russofobia”, quando os estudantes ucranianos, que inicialmente se juntaram na Praça de Maidan, em Kiev, simplesmente queriam ver a Ucrânia na União Europeia. Estes partidos faziam parte de “quinta coluna” que na verdade não pretende defender os interesses dos cidadãos ucranianos russófonos, mas sim preparar a Ucrânia para uma futura rendição completa a Moscovo.
Também os “agentes do Moscovo” noutros países afinaram pelo mesmo diapasão. Assim, por exemplo, em Portugal.
O recente caso com um professor de russo na Universidade de Coimbra ilustra-o muito claramente. Trata-se de pura atividade de propaganda, manifesta e despudorada, documentada com factos concretos e que não tem nada que ver com a liberdade de opinião. A acusação levantada contra Vladimir Pliassov, que usava as suas funções de professor para desculpar e justificar a bárbara agressão russa contra a Ucrânia, foi logo condenada pela embaixada da Rússia em Portugal e pelos apoiantes do império russo como “russofobia”.
Mesmo que os ativistas ucranianos que levantaram a lebre não tenham dito absolutamente nada contra a cultura ou a língua russa, os múltiplos admiradores e lacaios de Putin (principalmente os ligados a PCP) traziam aparelhada a resposta pronta, estereotipada e rápida, que lhes havia sido sugerida pelos seus mentores: “Isso é russofobia e ponto final!”
É possível que, para um português comum, que há quase 50 anos vive num país livre, não diga nada o facto de Vladimir Pliassov ter escolhido Portugal para viver e ter podido sair livremente da URSS nos anos 80. Mas, para os ucranianos, que sabem a sua história, esse facto já diz tudo. Com efeito, é óbvio que, naquela época, ir trabalhar na universidade de um país que pertencia à NATO só podia acontecer com autorização do KGB – e na verdade com uma missão especial…
Mas mais: o próprio Pliassov confirmou, numa entrevista, que quem tratou da deslocação dele para universidade de Coimbra foi a primeira mulher, a cosmonauta Valentina Tereshkova, que agora é deputada do parlamento russo e uma das mais ativas apoiantes da agressão russa contra a Ucrânia.
Entre outros amigos de Pliassov conta-se também o já falecido Iosif Kobzon, ex-cônsul-honorário da autoproclamada república de Donetsk e que fazia parte da lista de pessoas sancionadas pela União Europeia por apoiarem de alguma forma os separatistas pró-russos na Ucrânia. Para se ter ideia da personagem em questão, refira-se que desde 1994 Kobzon tentou obter um visto para ir aos EUA, visto que lhe foi repetidamente recusado, devido ao seu alegado envolvimento com a máfia russa.
Nós, ucranianos, não estranhamos nada disto. Pois há muito sabemos que a fundação Russky Mir, a que Pliassovestá ligado, foi criada principalmente para fins da propaganda.
Dei-me ao trabalho de tentar encontrar nos artigos que falam de “russofobia” a propósito do caso Pliassov algum vestígio de simpatia para com o povo ucraniano, que sofre diariamente a agressão russa. Mas foi em vão: nem uma palavra. Parece um sinal inconfundível do cego parti pris que os move. De facto, só revelam sensibilidade e preocupação em relação a um dos lados – não por acaso, o agressor. Ficamos entendidos: estamos a lidar com profissionais da indignação e do “humanismo” seletivos!
Convém, aliás, não esquecer que o caso de Coimbra não é único: há relato de casos semelhantes com representantes do Russky Mir em universidades Europeias. Há pouco tempo algo semelhante aconteceu na Sorbonne, em Paris.
Não li os artigos de Pliassov (não sei se existem). Nunca participei nas aulas dele. Mas basta analisar minimamente os livros atuais da história e literatura russa para perceber, que eles negam existência da Ucrânia como país e os ucranianos como nação.
Este é um tema que os defensores do Pliassov não querem discutir. E percebe-se porquê: dessa forma não têm de lidar com o fato de toda esta mentirosa narrativa ter servido para invadir a Ucrânia e matar os ucranianos, a pretexto da reconquista das terras “históricas” do império russo.
Por último, convém ainda ter em atenção a tradução direta da palavra “fobia”, que etimologicamente fala não de ódio, mas de medo. Em última análise, “russofobia” é “medo da Rússia”, não “ódio a ela”.
Esta tática de que todos estrangeiros têm de ter medo da Rússia corresponde absolutamente à mentalidade da liderança de Putin. O antigo oficial da FSB, Alexandr Litvinenko, descreveu a tomada do poder pelo presidente russo, Vladimir Putin, como um golpe de estado organizado pelo FSB em sintonia com grupos de criminosos, todos coligados para controlarem o país inteiro.
Criar medo é procedimento habitual dos malfeitores para alcançarem os seus objetivos – pois, se têm medo, as vítimas tendem a oferecer menos resistência.
É por isso que, além da tentativa de chantagem em relação ao uso de armas nucleares, o exército russo estava motivado para levar a cabo as cenas brutais de execução não só de soldados ucranianos, mas de população civil, incluindo crianças, que têm acompanhado a sua intervenção desde fevereiro de 2022.
Infelizmente, as mentiras de Moscovo conseguiram que os países livres se deixassem enredar na armadilha desta “fobia” e tenham demorado a perceber, que a agressão de Putin não se destina a parar na Ucrânia e que, nas palavras de Dmitry Medvedev, a Rússia de Vladivostok a Lisboa é objetivo real do Moscovo.
Seja como for, a continuação de colaboração com instituições da propaganda russa aumenta o sofrimento e destruição da Ucrânia. Ela ajuda a prolongar a crise, que na verdade só tem uma solução: não ter “fobia” (i. e., medo) dos russos e ajudar a Ucrânia a fazer o seu trabalho: defender a Europa do único neonazi nesta história (e que é em tudo uma cópia fiel dos nazis do século passado) – Vladimir Putin.