O ISCTE anunciou que vai passar a ter casas de banho não-binárias. Ou seja, casas de banho que podem ser frequentadas por qualquer pessoa, quer se identifique como homem, como mulher, como ambos ou como nenhum dos dois.

(Para sermos rigorosos, é preciso dizer que esta não é a estreia do ISCTE no que diz respeito ao não-binarismo sanitário. Por exemplo, às vezes, João Leão vai à casa de banho enquanto vice-reitor responsável pelo Centro de Valorização e Transferência de Tecnologias, outras vezes vai enquanto ex-Ministro da tutela que o financiou. Depende de como se sentir nessa manhã).

Confesso que sei pouco sobre o tema, não me diz grande coisa. Nem é por não ser não-binário, é por ter sido criado num apartamento com 5 pessoas e só uma casa de banho. Onde os meus pais fumavam, apesar de não ter janela. Se há característica que nunca associei a casa de banho, é “conforto”. Mas, pelos vistos, há quem o faça.

Segundo a Associação de Estudantes: «Temos uma percentagem de estudantes que não se sentiam confortáveis a usar as casas de banho de género e, por isso, fizemos a proposta à nossa reitoria.»

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Ou seja, a AE reconhece que há pessoas que se sentem desconfortáveis a fazer xixi ao lado de homens a fazer xixi. Mais: a AE reconhece o desconforto que é, para essas pessoas, fazer xixi ao lado de homens a fazer xixi. Que fazer xixi é um acto reservado e que há quem queira proteger a intimidade do seu xixi. Reconhece ainda que, para garantir que as pessoas que não querem fazer xixi ao lado de homens a fazer xixi, não tenham de fazer xixi ao lado de homens a fazer xixi, a sociedade deve fazer o que estiver ao seu alcance.

O que a AE não sabe é que a sociedade já fez: criou casas de banho separadas para mulheres e para homens. Assim, as mulheres não são obrigadas a fazer xixi ao lado de um homem a fazer xixi. Até agora. Com as casas de banho não-binárias, uma mulher pode ter de fazer xixi ao lado de um homem a fazer xixi. (Reparei que já escrevi “xixi” mais de dez vezes. Peço desculpa se o leitor se sentir enojado. Se preferir, onde estiver “xixi”, leia “cocó”). Tudo bem, é um homem que acha que não é um homem. Mas, para a mulher ao seu lado, não deixa de ser um homem. Portanto, neste momento temos aqui um conflito entre homens que se acham mulheres e mulheres que os acham homens.

Trata-se de um conflito em que as mulheres apoiam a sua posição em factos biológicos que afirmam que uma pessoa com pénis é um homem, e homens que apoiam a sua opinião na sensação de que uma pessoa com pénis é o que a pessoa com pénis disser que é.

Como se vê pelo ISCTE, nesta discussão em que uma pessoa diz “a ciência mostra que sim” e outra pessoa diz “mas eu acho que não”, quem leva a sua avante é o possuidor de um pénis. É isto o progresso. Curioso. Parece-se muito com o antigamente.

Não se julgue, no entanto, que esta medida é isenta de reparos. «Entre as críticas, surge a questão da possibilidade de um espaço sem género poder aumentar os casos de assédio, por exemplo. Esta perspetiva é, no entanto, clarificada por quem estuda a identidade e expressão de género. “O assédio não está determinado nas formas das casas de banho, porque ele já acontece nas instituições universitárias há muitos anos e os dados recentes mostram isso”, explicou ao Observador Liliana Rodrigues, psicóloga e investigadora no Centro de Psicologia da Universidade do Porto.”»

Liliana Rodrigues tem razão. Como o assédio já acontece em quase todo o lado da Universidade, qual o mal se também passar a acontecer nas casas de banho? Aliás, por uma questão de coerência, é justo que assim seja: a casa de banho era uma divisão discriminada, agora já não é. Passou a ser um local como qualquer outro, em que uma mulher pode ser assediada. Não ao binarismo entre locais onde se assedia e locais onde não se assedia!

Esta medida do ISCTE vai irritar dois tipos de mulheres. As que não querem homens a fazer xixi ao seu lado, e as empregadas de limpeza, que vão passar a trabalhar o dobro. Antes, sabiam que, por cada casa de banho de homens nojenta que limpassem, descansavam numa asseada casa de banho de mulheres. A partir de agora, vão estar ambas salpicadas de xixi. Terão de esfregar duas vezes mais azulejos, gastar duas vezes mais Neo-Blanc, aturar dez vezes mais mau-cheiro. Não há semana de quatro dias que compense esta despromoção.

Há ainda a questão logística: «Neste caso, aponta a especialista [Liliana Rodrigues], tanto as casas de banho como os balneários deverão ser pensados numa perspetiva individual, para que possa existir privacidade». Mesmo numa casa de banho não-binária, um homem que acha que é mulher vai continuar a cruzar-se com outros homens. A solução é que as casas de banho sejam pensadas na tal «perspectiva individual», para não haver convivências indesejadas. Só que isso ocupa muito espaço, implica transformar outras áreas da universidade em WC. Salas de aula com funções atribuídas à nascença passarão a identificar-se como casas de banho. Até que o ISCTE se transforme num gigantesco e inclusivo urinol.

A alternativa é aplicar o Princípio Taras e Manias. Como recordarão, nesse tema de Marco Paulo a sua amiga era uma lady na mesa e uma louca na cama. É possível que, por falta de espaço no ISCTE, se tenha de pedir às pessoas não-binárias para seguirem o mesmo exemplo. Na mesa são não-binárias; na casa de banho, são o sexo biológico.

Posto isto, custa-me ter de ser eu a afirmar o óbvio: as pessoas não-binárias nunca poderão ser não-binárias. Ao declararem-se não-binárias estão a dizer que não são binárias. O que cria uma oposição entre binarismo e não-binarismo. Quem é binário não é não-binário; quem é não-binário não é binário. Ou se é uma coisa, ou outra. Ou, ou. É uma dicotomia. Neste caso, dicotomija.