A falta de coerência é uma das premissas mais presentes na nossa vida política, aliada ao populismo constante e crescente que tem de ser alimentado, sob pena que algumas vertentes partidárias saírem prejudicadas na sua imagem. Vejamos: com a pandemia da Covid-19 o Estado Português viu-se obrigado a decretar, por diversas vezes, o estado de emergência, à semelhança de outras nações, como forma de controlar a doença através de diversas medidas, entre elas, a proibição ou limitação da circulação de pessoas em determinados momentos e locais.
A sociedade em geral aceitou pacificamente estas medidas como benéficas e essenciais na luta contra esta doença que a todos diz respeito. Nessa altura todos os cidadãos ficaram impedidos de ajuntamentos, deslocações para festividades tradicionais, como a ceia de Natal, ou mesmo para visitar os seus entes queridos em hospitais, lares e estabelecimentos prisionais. Convém sublinhar que os cidadãos viram a sua liberdade constitucional cerceada, independentemente de estarem ou não infetados com o coronavírus SARS-CoV-2. A decisão parlamentar, embora não sendo unânime, foi aceite como uma mais-valia à época.
Hoje, paradoxalmente, e para não colocar em causa a liberdade e o direito ao voto, a sociedade política antevê com bons olhos que as pessoas que estiverem em isolamento ou confinamento obrigatório e/ou com Covid-19 possam ir votar! Para o efeito até já seguiu para a Procuradoria-Geral da República, com caráter urgente, um pedido de análise sobre a eventual “suspensão” do isolamento para exercer esse direito. Chegamos, pois, às profundezas do pântano. Estamos a preparar-nos para permitir que para alguns poderem manter o seu direito ao voto, todos estejam suscetíveis de ser infetados.
Vamos permitir, como parece ser a ideia peregrina de alguns autarcas, que as pessoas em isolamento profilático e/ou doentes possam votar numa determinada secção de voto apenas para… “infetados”! Ou seja, vamos discriminar, rotular de “infetados” aqueles que deveriam estar em isolamento para seu bem, mas acima de tudo para bem de toda a sociedade. Será pouco agradável e, muito menos confortável, vermos “pessoas em isolamento” e “pessoas livres” em filas e salas diferentes, com rótulos e discriminações bem definidos. Ainda me diz muito a cultura ética em que a minha liberdade termina quando coloco em causa a liberdade dos outros. Sejamos adultos e tomemos decisões coerentes e responsáveis, a começar pelas primeiras figuras do Estado. Primeiro está a saúde pública e apenas depois a democracia, pois sem saúde não temos País e sem País não temos democracia.