Com a Rússia a afundar-se militarmente cada vez mais na Ucrânia e com lentos e custosos avanços no terreno, o país enfraquece e sofre um retrocesso económico, social e civilizacional cuja reversão poderá levar gerações. A desintegração da Federação Russa é um cenário cada vez mais realista e todos sabem – ou melhor, todos os que querem saber – o nome do seu coveiro: Vladimir Putin.

Na biografia deste ditador carniceiro há um episódio que os propagandistas russos e os seus apoiantes não gostam de recordar: entre 1992 e 1996 Putin esteve entre “os políticos de orientação reformista” que participaram numa formação organizada pelo Instituto Nacional Democrático Para Assuntos Internacionais, do Partido Democrata dos EUA, e que tinha por objetivo “promover a democracia em todo Mundo”. A título de exemplo, e de acordo com documentos publicados pela Wikileaks, esse instituto, entre muitas outras coisas, financiou a oposição venezuelana ao Presidente Hugo Chávez.

É caso para perguntar: o que andou Putin a fazer por lá?

Para os apoiantes do ditador sanguinário, a explicação é simples:  a espiar os métodos subversivos norte-americanos que teriam por objetivo submeter a Rússia aos interesses de Washington.

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Tendo em conta que Vladimir Putin trabalhou vários anos nos Serviços de Informações soviéticos (KGB), essa dedução parece fazer sentido.

Porém, esta tese é cada vez mais abalada pelo facto de o “czar” levar a cabo uma política que vai ao encontro dos interesses dos EUA, da NATO, e do Ocidente em geral, sendo altamente prejudicial para a Rússia.

Alguns oficiais, na reserva, das Forças Armadas portuguesas, os quais servem de transmissor das ideias putinistas no nosso país, darão razão à minha tese se responderem, honestamente, às questões: quem invadiu a Ucrânia e por que motivo tal sucedeu?

Porém, para eles, tudo não passa de joguinhos em que as pessoas não serão mais do que mera carne para canhão. Jamais reconhecerão que erraram em todos os seus prognósticos baseados na “geopolítica”, na “geoestratégia” e na “geo-não-sei-que-mais”, confirmando a célebre afirmação do Primeiro-ministro francês Georges Clemenceau (1841-1929), que dizia que a guerra era algo demasiado sério para ficar nas mãos dos militares; principalmente em generais desta estirpe, acrescento eu.

Um desses militares na reserva, o major-general Carlos Branco, que nos prometia que Putin só iria atacar o Donbass caso fosse cometido um genocídio da população local por militares ucranianos, escreve: “O confronto dos EUA com a Rússia é apenas um dos capítulos do projeto da afirmação hegemónica global de Washington, que visa, entre outros aspetos, afetar as relações da Rússia com Europa, e as veleidades europeias de autonomia estratégica, nomeadamente quebrar o comércio e o investimento bilateral com a Rússia e a China”.

Se assim é, pergunto, quem é o país agressor e agredido? Quem é que passou da “guerra-fria” para a “guerra-quente” na Ucrânia? Não foi Putin e a sua camarilha? Não são eles os culpados por todos os insucessos das tropas russas no país vizinho, ou a culpa é dos Estados Unidos e da NATO?

Será que estes também são culpados por participarem na corrupção e roubalheira nas Forças Armadas da Rússia, na planificação militar desastrosa da operação? Essas perguntas devem ser feitas aos amigos de Putin e generais de gabinete que encheram os bolsos, e não foi só de rublos.

A passagem seguinte é ainda mais sugestiva: “A Ucrânia está a ser utilizada pelos EUA como um instrumento para provocar uma reformulação drástica da geopolítica global. Importa, pois, perceber como é que o problema ucraniano se insere na manobra geoestratégica norte-americana para debilitar a Rússia, torná-la um Estado pária e instalar no Kremlin um regime fantoche que dê a Washington acesso aos seus recursos naturais. Se possível, impor a Putin o mesmo destino de Sadam Hussein”.

Seria estranho se os Estados Unidos, China, etc. não se aproveitassem deste conflito, mas volto a perguntar: quem o provocou? Se se trata de uma manobra geoestratégica (palavrão académico para mostrar sabedoria), ela foi iniciada por Putin e apenas aproveitada pelos Estados Unidos.

Para “equilibrar” o discurso, o major-general apresenta explicações cheias de meias-verdades e até absurdas: “Se a invasão da Ucrânia é, sem qualquer margem de dúvida, uma violação do direito internacional – como foram as operações dos EUA em muitos outros locais, nomeadamente no Iraque, sem provocarem o clamor nas opiniões públicas ocidentais que esta está a provocar – faz sentido do ponto de vista geoestratégico. A Rússia comportou-se do mesmo modo que os EUA e a China se comportaram em situações semelhantes, quando uma potência hostil se intrometeu e atuou no seu “quintal geoestratégico””.

Primeiro, a Rússia violou o direito internacional, mas pode fazer isso porque “os EUA e a China se comportaram em situações semelhantes”. Brilhante afirmação, major-general: os Estados Unidos da América e a China perderam – em diferentes alturas – no Vietname e a União Soviética repetiu a “façanha” norte-americana e chinesa no Afeganistão. Os norte-americanos perdem no Iraque e no Afeganistão, por isso Putin tem o direito de se meter numa alhada que lhe pode custar o poder e a desintegração da Rússia. O ditador russo é realmente um “génio” em geopolítica, geoestratégia e geo-não-sei-que-mais!

No caso da adesão da Finlândia e da Suécia à NATO, são também os Estados Unidos e a União Europeia os culpados? Ou será que os finlandeses e suecos simplesmente compreenderam quais as intenções do vizinho?

O único culpado é Vladimir Putin, e eu diria que fez mais um “milagre ao contrário”. O Presidente finlandês aconselhou-o a olhar-se ao espelho. Um conselho bem mais sábio do que os de três generais portugueses na reserva.

Major-general Carlos Branco, se eu fosse um cidadão russo e desejasse a segurança e estabilidade para o meu país, começaria a interrogar-me se Vladimir Putin não é realmente um agente da CIA ou de instituições europeias semelhantes. Ou será que ele é mesmo uma nulidade política e estratégica?

Não me arrisco a prever como irá terminar a invasão sangrenta da Ucrânia pela carne para canhão russa mas, por enquanto, concluo que o ditador do Kremlin está a fazer o jogo dos “inimigos” da Rússia, cometendo erros, ou mais precisamente, crimes uns atrás dos outros. Putin entrará na História da Rússia, se este país sobreviver, como um dos seus mais incompetentes dirigentes.

Com isto não quero dizer que sonho com o fim desse país, pelo contrário, isso provoca-me pesadelos.

P.S. Alguns políticos europeus querem salvar a face de Vladimir Putin. Será que não aprenderam nada durante três meses de mortandade na Ucrânia? Claro que não apelam, como fazem alguns oficiais na reserva portugueses, à rendição dos ucranianos, mas mostram-se dispostos a cedências territoriais perigosas. Este tipo de “acordo” nunca deu bom resultado.