A decisão desastrosa de Vladimir Putin e dos seus generais de invadir e anexar a Ucrânia poderá vir a ser o princípio do fim do putinismo e, infelizmente, ele poderá levar para o precipício ou para o caixão não apenas a Rússia, mas também a humanidade.

Numa entrevista que concedi ao jornal Público a 19 de Fevereiro de 2017, eu afirmei que “Putin pode vir a ser o coveiro do seu próprio país”. Nessa altura, os “idiotas úteis” (1) do partido da carrinha (PCP) e de outras organizações políticas afins, bem como alguns conhecidos analistas da nossa praça, zombaram de mim, considerando que eu estava a tomar o sonho pela realidade.

No entanto, hoje reafirmo esta minha declaração ainda com maior convicção, embora, à primeira vista, o ditador pareça estar no auge do seu poderio militar. Ele exige tudo: a rendição total do povo ucraniano, a sua humilhação, a negação da sua existência como Estado soberano.

É verdade que, exteriormente, a oposição à guerra no interior da Rússia não parece capaz de criar sequer brechas no muro militarista do Kremlin, mas, na realidade, a pouco e pouco, aumentam as vozes daqueles que consideram que Vladimir Putin está a fazer o impensável: matar o povo irmão ucraniano, a isolar completamente a Rússia no campo internacional, a transformá-la num país pária.

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Mas, por cada dia que passa e as tropas russas não atingem os seus objetivos, são cada vez mais aqueles que, não obstante a tremenda repressão e censura, ousam afirmar que não apoiam a guerra.

As ruas das grandes cidades russas são patrulhadas por “cosmonautas” (assim é conhecida a polícia de choque na Rússia devido ao capacete), mas milhares de pessoas saíram para as ruas a fim de protestar. Se a polícia detém durante as manifestações cerca de seis mil pessoas, é porque o número de indignados é bem maior.

Em 1969, quando as tropas soviéticas invadiram a Checoslováquia, na Praça Vermelha de Moscovo, seis pessoas manifestaram-se contra mais um acto de “internacionalismo proletário” (será que isto não faz lembrar a “operação especial para levar a paz à Ucrânia” realizada atualmente pelo ditador russo?). Assim nasceu o movimento dissidente na URSS que muito contribuiu para desmascarar o comunismo soviético. Hoje, já são alguns milhares, principalmente jovens que não querem morrer e ver cadáveres de soldados russos abandonados a alimentar corvos e cães vadios.

O povo ucraniano está a dar-nos uma lição. Talvez só ele acreditasse que sozinho podia resistir à bárbara invasão putinista, mas o facto é que não depôs as armas e se rendeu. Não deu ouvidos a alguns dos nossos militares na reserva e analistas políticos que, nas televisões, consideravam que dessa forma se “evitaria” destruição e morte. Felizmente, ao contrário de generais como Carlos Branco, que sinceramente não compreendo como fez carreira na NATO, que vem falar de “neonazis ucranianos” e justificar uma invasão, temos outros generais e oficiais que nos transmitem outra mensagem.

Porém, continuo a defender que é Putin e não o povo russo, nem a Rússia, que manda invadir e matar os irmãos ucranianos. Os meus amigos russos, na sua maioria, choram por aquilo que está a acontecer, amaldiçoam o paranoico que oprime o país. Podem ainda não ser um reflexo da correlação de forças na sociedade russa, mas o número aumenta. Por isso, não vamos castigar os cidadãos da Rússia indiscriminadamente.

Além disso, o mundo terá de encontrar uma solução para Vladimir Putin recuar sem recorrer às piores e mais letais armas. Não deve ser completamente encurralado, pois, ao contrário de Hitler, o atual ditador russo tem armas nucleares.

Putin já garantiu o seu lugar na história, não como reformador e modernizador, mas ao lado de Nero, Hitler, Mussolini, Lenine e Estaline.

(1) Segundo Vladimir Lenine, idiotas úteis “são as camadas da Europa Ocidental e da América incapazes de compreender as coisas na situação atual… Essas camadas devem ser consideradas surdos-mudos e devemos agir com eles partindo dessa situação”.