Desde 2017 que a extrema-esquerda woke tenta impor uma agenda política a respeito da História e memória da escravatura. Os activistas dessa área política querem, nomeadamente, que Portugal peça desculpa pela escravatura, que pague reparações por essa razão, que inclua nos manuais escolares a versão africana — notem que é a versão africana e não, necessariamente, a versão verdadeira — dos acontecimentos, etc. Parte desta campanha política tem sido feita a partir de fora, através de tiradas grandiloquentes de gente da ONU — Guterres incluído — e de artigos, entrevistas, opiniões de estrangeiros que acham que sabem melhor do que os portugueses aquilo que Portugal deveria fazer.
Um artigo publicado no Guardian insere-se nesse movimento de pressão internacional vinda da esquerda woke. Trata-se de um artigo assinado por Sam Jones e Philip Oltermann, respectivamente o correspondente em Madrid e o editor de cultura europeia do jornal, que nos mostra, por um lado, o Guardian a ser Guardian e a dar acolhimento a um mais do que tendencioso trabalho jornalístico cujos autores apenas ouviram uma das partes envolvidas, isto é, os activistas e os que com eles simpatizam: Evalina Dias, da Djass – Associação de Afrodescendentes; o cantor luso-cabo-verdiano Dino d’Santiago, que, entre outras coisas, propôs a mudança da letra do nosso hino nacional; o angolano Kiluangi Kia Henda, responsável pelo projecto do memorial da escravatura a erigir em Lisboa; os artistas brasileiros Dori Nigro e Paulo Pinto, que ganharam notoriedade por terem acusado o Hospital Conde de Ferreira de lhes ter censurado uma obra numa exposição aí realizada; um tal Paul Gardullo, o inevitável académico norte-americano, que aparece sempre nestes arraiais a soprar o braseiro; e um membro do governo agora demitido, a secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Isabel Almeida Rodrigues, que, atendendo ao que disse, me arrisco a inserir neste grupo de acólitos do wokismo.
De facto, é importante assinalar que, se bem que faça parte de um governo cuja ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, afirmou, e muito adequadamente, que “o racismo não é um problema estrutural em Portugal”, Isabel Almeida Rodrigues garantiu ao Guardian que existe racismo sistémico e estrutural no nosso país — coisas que seriam, em sua opinião, uma herança do colonialismo e da escravatura — e declarou que a educação está agora na linha da frente dos esforços governamentais para combater os mitos coloniais que sustentam esse racismo, sem especificar a que supostos mitos se refere. A Secretária de Estado afirmou, também, que “o currículo escolar actualmente inclui obras não apenas de autores de Portugal, mas de outros países de língua portuguesa”, e que “desde 2017 os alunos a partir dos dez anos têm estado a a aprender acerca do colonialismo, da escravatura, memória histórica e a importância da interculturalidade”. Também não especificou em que registo e formulação estão os muito jovens alunos a aprender todas essas coisas, mas quando isso se conjuga com a necessidade de integrar as perspectivas de outras culturas sobre esses assuntos, e olhando ao que se passa noutros países, há razões para ficar desconfiado e temer o pior.
Não julguem que exagero. Há dias uma jovem professora universitária inglesa afirmou, sem provas credíveis, que tinham sido escravos negros na Jamaica a inventar a técnica metalúrgica que produz ferro forjado e não Henry Cort, o inglês branco a quem essa invenção se atribui. Para a referida professora, Cort mais não teria sido do que um ladrão que roubara essa técnica aos ditos escravos e patenteara a invenção em seu nome. Numa falsificação ainda mais grosseira e descarada, a referida professora woke foi ao ponto de afirmar que tinham sido os escravos africanos a abolir a escravidão e não os britânicos brancos, como geralmente se afirma (e efectivamente aconteceu). Alvo de forte crítica, a referida professora alegou em sua defesa que essa é a versão jamaicana dos acontecimentos, versão a que ela resolvera emprestar credibilidade histórica e assumir como válida e sua.
Será que o nosso ensino vai pelo mesmo caminho, integrando as versões africana ou brasileira da nossa história e das nossas problemáticas? Não sei responder, mas, regressando às declarações da Secretária de Estado da Igualdade e Migrações ao Guardian, chamo a atenção para o facto de elas mostrarem três coisas igualmente inquietantes: 1 – que há sectores do governo que adoptam a terminologia e a agenda do wokismo; 2 – que o PS está muito infiltrado por gente woke; 3 – que à socapa, pela calada, essa gente está a aplicar a sua agenda política.
Que o governo do PS esteja a fazer as vontades aos woke que tem no seu seio e aos que militam nos restantes partidos da chamada Geringonça e congéneres — o Livre, por exemplo —, não me surpreende. Já várias vezes escrevi que no silêncio dos gabinetes e dos corredores, nos subterrâneos do poder e nas costas da população, o PS tem estado a comprar e a adoptar esta agenda, para grande satisfação dos partidários do wokismo. E digo grande satisfação porque à superfície e à vista de todos, no plano do debate público, as coisas não lhes têm corrido de feição. Ora, é aí que entra convenientemente a pressão estrangeira como boca-de-fogo complementar.
Para os leitores portugueses o artigo do Guardian é sopa requentada. Trata-se de uma repescagem do que já havia sido publicado e explorado aqui em Portugal pelo Público. Mas tem, ainda assim, a grande vantagem de nos mostrar como funcionam as engrenagens e os cordelinhos do wokismo. Há múltiplos exemplos deste método de difusão para o estrangeiro por via de notícias, artigos de opinião, entrevistas, etc., e ainda há dias o vimos a propósito de uma sentença num tribunal português que condenou o conhecido activista Mamadou Ba.
Quando as coisas aqui não resultam nem têm o impacto que os activistas woke esperam, quando a nível interno e na área dos argumentos os woke não são convincentes e bem-sucedidos, há quem arranje forma de fazer com que as notícias ou iniciativas cheguem a outros ouvidos e a outras mãos, para as levar a repercutir no estrangeiro. Para quê? Para reiniciar a partir daí um efeito de retorno, tipo bumerangue, e de possível amplificação, estribada na suposta credibilidade e força que costumam atribuir-se ao que nos chega de fora, na esperança de que com essa ajudinha extra a coisa lá vá no plano das ideologias e mentalidades. Quem sabe, pode ser que o renitente “carro” da opinião pública portuguesa pegue de empurrão.