A polémica das últimas semanas à volta do fecho de serviços de urgência obstétrica, tornou-se num tema de debate técnico, político e sindical que ainda não se focou nas verdadeiras razões para a sua causa. O problema não reside na falta de médicos obstetras em Portugal, pois temos, segundo a OMS, 16,1 especialistas por 100.000 habitantes, o que comparado com a Suécia (13,9 por 100.000 habitantes), por exemplo, é substancialmente superior. O problema reside na forma como em Portugal os cuidados obstétricos estão estruturados, ao contrário da Suécia, país usado como comparação, que possui dos melhores indicadores do mundo nesta área e, ainda assim, com um modelo de financiamento semelhante ao nosso, ou seja, pago pelos impostos dos cidadãos (modelo Beveridge).

Continuamos a ver a gravidez como uma doença, um estado periclitante, onde qualquer desvio pode levar ao descalabro da situação, tendo de ter escalas com excesso de especialistas médicos. Nada mais errado! Se assim fosse, Portugal teria os melhores indicadores do mundo, o que não é o caso! Vejamos: usando novamente a comparação entre estes dois países, segundo o Banco Mundial a taxa de mortalidade materna na Suécia (2017) é de 4 mulheres por 100.000 nascimentos, em Portugal (2019) é de 10,4 mulheres por 100.000 nascimentos (Pordata) – estamos atrás! Segundo a OCDE, a taxa de cesarianas na Suécia (2017) é 16,6 cesarianas por 100 nascimentos, em Portugal (2020) é de 36,3 cesarianas por 100 nascimentos (Pordata) – estamos atrás! Segundo a UNICEF, a Suécia (2021) tem uma taxa de mortalidade infantil de 1,8 crianças por 1000 nascimentos, Portugal tem uma taxa mortalidade infantil de 2,4 crianças por 1000 nascimentos – estamos atrás!

Por outro lado, segundo o Banco Mundial, o número de enfermeiros obstetras na Suécia (2017) é 12,6 por 1000 habitantes, em Portugal (2018) é 6,9 por 1000 habitantes – estamos atrás de novo! É simples concluir, sem uso de fórmulas matemáticas altamente complexas, que o número de enfermeiros obstetras nas salas de partos é insuficiente e a principal causa para a estatística infeliz que temos. Acredito que estamos a ver o problema pelo prisma errado! Precisamos de tantos médicos obstetras em Portugal, quando outros que com menos e mais enfermeiros obstetras têm melhores indicadores do que nós?

Nesta reflexão não está em causa a competência desses profissionais tão necessários nas situações adequadas, mas sim a completa massificação de conceitos errados no que respeita à distribuição de profissionais de saúde de acordo com as competências que albergam e a necessidade da população. Afinal, a gravidez é um momento do ciclo de vida que requer vigilância na maioria dos casos, não se tornando patológica. Há que repensar o número de profissionais de saúde em cada serviço de obstetrícia e a sua composição profissional. Há que instituir centros de nascimento para gravidezes de baixo-risco, geridos por enfermeiros obstetras, à semelhança de tantos outros países. Há que centralizar urgências obstétricas nos grandes centros urbanos, para que se tornem centros de excelência e não tenham de fechar por falta de recursos humanos. A natalidade está a descer, logo haja coragem política para tomar decisões independentemente das pressões existentes, caso contrário um destes dias Portugal vai precisar de um fórceps para obter dinheiro para pagar o orçamento do Serviço Nacional de Saúde.

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