Embora se apregoe aos sete ventos que Portugal tem um Serviço Nacional de Saúde justo, equilibrado e equitativo, tal não corresponde à verdade! Continuamos com desigualdades alarmantes e aquela de que vos quero falar hoje é a provocada pelos subsistemas de saúde.

Exerci muitos anos funções como funcionário público, à semelhança de centenas de milhares de portugueses com as mais diversas profissões. Tinha, como tal, acesso ao subsistema de saúde da ADSE. São beneficiários desta os trabalhadores com relação jurídica de emprego público e seus familiares diretos (seja qual for o número), assim como os trabalhadores com contrato individual de trabalho que exerçam funções em entidades de natureza jurídica pública. Para o efeito, um beneficiário deste subsistema tem de contribuir com 3,5% do seu vencimento bruto, ficando desta forma com um acesso rápido a milhares de profissionais de saúde, hospitais privados e sociais, exames, entre muitos outros serviços, com um custo direto para si – out of pocket – de alguns euros.

Ou seja, estes beneficiários, que mantêm o acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) através dos seus impostos (modelo Beveridge), têm a dupla vantagem de ter acesso, em simultâneo, ao sistema privado e social, com possibilidade de escolherem a quem querem recorrer e em tempos considerados recorde. Através de um modelo de seguro de saúde (modelo Bismark), no fundo, têm acesso a um modelo misto de cuidados de saúde.

O problema da injustiça, desequilíbrio e desigualdade para com os restantes quase nove milhões de portugueses acontece não apenas nos tempos para obter uma consulta, um exame ou uma cirurgia, mas também no preço a pagar para se ter uma alternativa ao SNS. Vejamos um exemplo: O senhor Manuel é funcionário público e fica doente. Liga para o hospital privado e agenda consulta com o médico especialista para essa tarde. É consultado e realiza exames de imediato. Tudo custou-lhe poucas horas e alguns euros, tendo ficado bem orientado quanto à sua doença. A senhora Maria, por outro lado, não é funcionária pública nem tem outro subsistema de saúde (ADM, SAD-PSP, SAD GNR, entre outros) e fica doente. Liga para o centro de saúde, fica com consulta marcada para o seu médico de família para dali a três semanas (não é urgente o problema). Passado esse tempo, vai à consulta e o médico solicita ao hospital de referência uma consulta de especialidade. Aguarda seis meses pela respetiva consulta (a correr bem!) e faz exames passado algumas semanas após a consulta. Tudo custou-lhe muitos meses e alguns euros, tendo ficado a sofrer durante esse tempo, preocupada, sem condições financeiras para poder bater a uma outra porta. Mais, se a senhora Maria quiser fazer um seguro de saúde com as mesmas condições oferecidas pela ADSE irá pagar mensalmente três a quatro vezes mais do que um beneficiário!

É razão para questionar: existem ou não portugueses de primeira e de segunda no acesso à Saúde em Portugal? Porque não se alarga a ADSE a quem assim o entender, permitindo a igualdade no acesso à Saúde a preços considerados aceitáveis e indexados aos seus rendimentos? Penso que a resposta é simples, para evitarmos dizer, adaptando uma célebre frase de George Orwell, que todos os Portugueses são iguais… mas alguns são mais iguais do que outros.

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