No campeonato nacional da concentração de mandatos de deputados no litoral, nos últimos anos Santarém perdeu um deputado para Setúbal e a Guarda perdeu um deputado para Lisboa. Os círculos do interior têm vindo, paulatinamente, a perder deputados para os círculos eleitorais do litoral, face à diminuição do número de eleitores inscritos. É agora chegada a vez de Viana do Castelo perder um Deputado para Setúbal nas eleições legislativas de 2024, não obstante se trate de um distrito também do litoral, mas afastado da Grande Lisboa. Seguidamente, em próximas eleições será, muito provavelmente Beja a perder um deputado, certamente para Lisboa, ficando com apenas 2 deputados, os mesmos de Portalegre.
Presentemente, Viana do Castelo elege 6 deputados e passará a eleger apenas 5, enquanto Setúbal somará mais um mandato, passando aos 19 deputados, ganhando representatividade política, num momento em que parece também ganhar um grandioso investimento: novo aeroporto internacional, com investimentos de 6 a 10 mil milhões de euros previstos. Os dados oficiais serão divulgados na primeira quinzena de janeiro e certamente darão aos distritos de Lisboa e Setúbal 67 deputados, ou 29% dos mandatos da Assembleia da República.
De uma assentada a Península de Setúbal parece ganhar a mesma notoriedade que teve aquando da decisão da localização da AutoEuropa (1991). Já em finais de 2022 o novo quadro legal nacional e regulamentar da UE estabeleceram que a Península de Setúbal fosse autonomizada dos distritos de Lisboa e Setúbal enquanto Comunidade Intermunicipal (NUT3), mas também fosse a mesma Península de Setúbal elevada a Região NUT2, certamente com vista à obtenção de maiores taxas de cofinanciamento em Fundos Europeus após 2027. São, pois, tempos de favor para esta Região a sul do Tejo.
O método de Hondt, previsto na nossa Constituição, favorece os partidos mais votados e prejudica os pequenos partidos, pois nos círculos com menores mandatos perdem-se os votos nos pequenos partidos sem que elejam representantes. Daí que o CDS/PP tenha tido nas últimas eleições e a nível nacional mais votos do que o Livre e o PAN (mesmo sem contar com a votação onde concorreu coligado com o PSD) e ainda assim não elegeu deputados, enquanto estes elegeram um deputado cada. Tal deve-se, sobretudo, ao facto de os votos do CDS estarem mais dispersos pelo país e os votos daqueles partidos estarem mais concentrados em Lisboa.
A concentração de votação num círculo pode ditar a eleição pela primeira vez de um deputado do JPP (Madeira), bastando para isso que tenha a mesma votação (14 933) que obteve nas últimas eleições regionais de 24 de setembro de 2023.
Poder-se-ia discutir da oportunidade da existência de um círculo nacional de compensação – à semelhança do que acontece nas Eleições Regionais dos Açores – e se tal poderia ser mais justo para o aprofundamento da democracia, mas tal discussão não parece muito presente no debate público, não obstante alguns partidos (Livre e Iniciativa Liberal, pelo menos) já tenham avançado com a ideia.
Também na repartição de mandatos por círculos eleitorais (Distritos, uma ficção político-administrativa já extinta, mas que ainda vigora para este efeito) tem aplicação o mesmo método de Hondt, o qual é sempre gerador de algumas injustiças, seja na transformação de eleitores inscritos em mandatos a eleger por círculo, seja na definição de votos em mandatos no apuramento eleitoral.
Antes de 2015, era necessário vencer as eleições para assegurar a formação do Governo, mesmo em minoria de deputados (menos de 116), sendo essa contudo uma regra política e não resultante estritamente do nosso ordenamento jurídico, pois daí para cá o pendor parlamentar passou a comandar a legitimidade para a formação do governo.
Em 2015, a coligação PSD/CDS ganhou as eleições com 38,36% dos votos, mas, ainda assim, os 107 deputados não chegaram para governar, pois o PS, com apenas 32,31% dos votos e 86 deputados formou Governo, alicerçado na coligação pós-eleitoral que veio a ser denominada por “geringonça” e que, curiosamente, se manteve estável por toda a legislatura.
Em 2019, PSD e CDS concorreram separados e o PS ganhou as eleições com 36,34% dos votos, a que corresponderam 108 deputados, ainda assim insuficientes para aprovarem o Orçamento do Estado para 2022, facto político que deu lugar a Eleições Legislativas antecipadas.
Consequentemente, em 2022, o PS viria a alcançar maioria absoluta com 41,37% dos votos (120 deputados), acabando, contudo, a legislatura por ser interrompida, na sequência de uma série de casos de que resultaram demissões de mais de uma dezena de membros do governo.
Em 2024 haverá eleições e alguns dos cenários apontam para a necessidade de coligações pós-eleitorais se nenhum partido atingir os 116 mandatos, ou para uma governação de governo minoritário permitida com a abstenção de outros partidos, como acontecia antes de 2015.
Na ponderação do binómio estabilidade versus legitimidade, não nos choca a atribuição de um certo número de deputados (10, 20?) ao partido vencedor de modo a conseguir-se a tal estabilidade governativa, evitando-se o desvirtuar dos programas eleitorais por cedências casuísticas em acordos pós-eleitorais que não nos têm levado a posicionamentos competitivos. Mas tal carecia de prévias alterações do quadro legal, o que não vai acontecer.
Distribuição dos 230 deputados por círculos (a)
- Lisboa, Porto, Setúbal, Braga e Aveiro elegem 142 deputados (62%).
- Os distritos de Lisboa e Setúbal elege 67 deputados (29%).
- Em alguns círculos, os mais pequenos, sobretudo, a inclinação para o chamado voto útil, ou pelo contrário a dispersão de votos por partidos como o Chega e a IL, dificultará menos ou mais, respetivamente, a recuperação de deputados pelo PSD face aos resultados de 30 de janeiro de 2022.
- O JPP da Madeira poderá eleger um Deputado pela primeira vez se mantiver a mesma votação das Eleições Regionais, o que seria uma das surpresas da noite eleitoral.
(a) A distribuição é feita com base em projeção estimada, considerando as tendências de variação do número de eleitores. Em relação ao anterior quadro (2022), temos Viana do Castelo com menos um deputado e Setúbal a ganhar um deputado.