A subida em flecha da inflação, dos preços energéticos e os seus impactos económicos e sociais têm dominado a atenção da opinião pública e da comunicação social nas últimas semanas. E os mercados de dívida pública estão a dar sinais inquietantes.

No Reino Unido as duas últimas semanas foram marcadas pelo colapso da libra e dos títulos de dívida pública, devido ao mini-orçamento da nova Primeira-Ministra Liz Truss. A proposta, que visava reduzir os impostos do último escalão sobre os rendimentos pessoais e aumentar a despesa, foi criticada por ser socialmente injusta e pela irresponsabilidade orçamental. O Banco de Inglaterra foi mesmo obrigado a intervir nos mercados para evitar o colapso dos fundos de pensões, que têm grandes investimentos em dívida de longo prazo, normalmente considerados ativos mais seguros. No entanto, mesmo depois de a intervenção do Banco de Inglaterra no dia 28 de setembro ter ajudado a reduzir as taxas dos títulos de dívida a 30 anos e de o Governo ter recuado em várias propostas do orçamento, as taxas retomaram a tendência de subida e estão cerca de 50 pontos base acima do nível anterior à crise. É um sinal do nervosismo dos investidores com a situação económica em geral e com a dívida pública em particular.

A preocupação com a dívida pública não é, no entanto, exclusiva do Reino Unido. Nos países do G7, antes da guerra, a dívida pública face ao PIB tinha subido entre 11 e 22 pontos percentuais com a pandemia. As medidas para combater os efeitos da inflação e da subida dos preços energéticos deverão acrescentar uns pontos à dívida pública global, que já está elevada.

Na Zona Euro, existe a expetativa de que o Instrumento de Proteção da Transmissão monetária do BCE (TPI na sigla em inglês) permita evitar uma subida galopante do diferencial das taxas de juro da dívida dos países mais endividados relativamente às taxas alemãs (spread), como aconteceu em 2011. Mas há um novo elemento que pode baralhar as contas. O Governo alemão anunciou na semana passada um pacote de apoio à economia de 200 mil milhões de euros (próximo do valor da economia portuguesa em 2020), que é uma viragem significativa face à política de prudência orçamental desde o final da segunda guerra mundial.

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Mas os efeitos são importantes também para o resto da Europa. Ainda que os spreads dos países mais endividados possam ser controlados com a política do BCE, a taxa de juro do Bund (título de dívida alemã) a 10 anos tem aumentado no último ano e encontra-se no nível máximo desde a primavera de 2011. Isto implica que o custo da dívida pode aumentar significativamente no próximo ano para todos os países, pelo efeito de contágio da dívida alemã para o resto da Europa.

Os mercados de dívida não são os únicos a dar sinais incerteza. O mercado imobiliário tem tido um comportamento pouco habitual com os preços das casas a subirem um pouco por todo o mundo, apesar da mudança de política monetária. Assim, não se pode excluir uma redução dos preços do imobiliário nos próximos meses. Os mercados emergentes, que beneficiaram enormemente da abundância de liquidez nos últimos anos, poderão agora vir a sofrer desproporcionadamente com as políticas monetárias mais restritivas, a acrescentar aos efeitos da escalada dos preços.

Os momentos de transição como o que estamos a viver, com uma mudança de direção na política monetária, a acrescentar à perturbação causada por duas crises externas, são tipicamente períodos de grande incerteza. Se o setor financeiro está mais bem preparado do que em 2008-2011 para fazer face a esta incerteza, também é preciso estar atento a estes sinais e preparado para a instabilidade.