Estive esta semana na grande exposição mundial de Smart Cities em Barcelona, onde centenas de empresas e regiões de todo o mundo desfilaram as suas inovações e estratégias em captura de dados. Uma coleção de dados de trânsito, segurança, qualidade do ar, demografia e mais um arsenal de informações, cada stand era uma vitrine dos “dados do momento”. São dados atrás de dados. No entanto, ao circular por entre o brilho dos ecrãs e o entusiasmo dos representantes de vendas, a verdadeira questão estava ausente: Qual o verdadeiro impacto destes dados no dia a dia do cidadão?
A falta de correlação entre a tecnologia e as problemáticas reais é gritante. A promessa do IoT e das “smart technologies” é transformar cidades em lugares mais sustentáveis, eficientes e justos. Andei de stand em stand, e ninguém parecia ter uma resposta para onde estavam os verdadeiros ganhos económicos e sociais de determinadas soluções. A resposta abundante era a de que “É uma cidade conectada!”. Excelente, mas será que essa conexão faz algo além de alimentar o orgulho tecnológico de gestores públicos e empresas tecnológicas? Como diria Marshall McLuhan, estamos tão obcecados com o meio (a tecnologia) que esquecemos o fim (o bem-estar das pessoas).
É irónico falar em cidades de ponta enquanto problemas básicos, como saneamento, ainda persistem. Imagine uma cidade “conectada” onde sensores detetam poluição, mas as ruas continuam a sofrer com inundações devido a saneamento inadequado. O essencial é que a tecnologia ande de mãos dadas com o básico, oferecendo soluções reais que os cidadãos reconheçam como benéficas.
O ROI das tecnologias inteligentes não pode ser uma promessa vaga, restrita a relatórios técnicos. Se os cidadãos não percebem um retorno real em qualidade de vida, o entusiasmo inicial transforma-se em ceticismo. Informar a população sobre como esses avanços impactam o seu dia a dia, seja na gestão de resíduos, na mobilidade ou na segurança, é vital. Sem essa comunicação, o “fulgor” das smart cities torna-se um espetáculo dissociado da realidade.
E, agora um motivo de orgulho: Portugal, que facilmente poderia cair na armadilha de perseguir sensores e apps como se o mundo analógico fosse acabar, segue na frente da maratona. O país apresentou neste evento exemplos sólidos de sistemas de decisão baseados em dados, como o da Comunidade Intermunicipal do Oeste, exemplos práticos de outras CIM’s e iniciativas de valor como a Estratégia Nacional de Territórios Inteligentes (ENTI). Esta, desenvolvida pela Agência para a Modernização Administrativa (AMA), não se limita a colecionar dados, transforma-os em ação, promovendo uma gestão territorial sustentável e transparente. Com o Plano de Ação para a Transição Digital, a ENTI mostra que o uso responsável da tecnologia é possível, e a abordagem da AMA, que privilegia a comunicação e os benefícios práticos, deve ser um motivo de orgulho para o país e, quem sabe, um exemplo inspirador para o resto do mundo.
Enquanto Portugal ganha músculo neste jogo de cidades inteligentes, o caminho para a liderança está em recusar a ideia de que ser “smart” é apenas ter uma cidade cheia de gadgets. Ser “smart” é investir em tecnologia que resolve problemas reais, que gera retorno visível e que melhora efetivamente a vida das pessoas. Se conseguirmos isso, estaremos na cauda da frente, com orgulho, propósito e resultados.